Sentença absolutória. Insuficiência de provas

Da sentença que publico a seguir antecipo os seguintes excertos:

“[…]O acusado, ao que vejo dos autos, tem um passado prenhe de deslizes.

Todavia, não se pode, à conta do passado do acusado, condená-lo, se as provas acerca de sua participação para realização do crime não estreme de dúvidas.

Nessa linha de argumentação cumpre anotar que, entre nós, não existe o direito penal do autor. É dizer: não se pune, não se condena ninguém em face apenas de sua vida ante acta.

O Direito Penal não pode se preocupar com o passado do autor do fato, mas sim do fato por ele praticado.

Decidir com esteio no que é o acusado e não no que ele tenha efetivamente praticado, é decidir violando a Carta Política em vigor

O direito repressivo tem que se preocupar com os fatos delituosos praticados pelo agente[…]”

A seguir, a sentença por inteiro.

 

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PODER JUDICIÁRIO

FORUM DA COMARCA DE SÃO LUIS

JUIZO DA 7ª VARA CRIMINAL

SÃO LUIS-MARANHÃO

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Processo nº 106002004

Ação Penal Pública

Acusado: J. dos R. F.

Vítima: M. C. L.

No exercício do poder, é preciso partilhar, dividir, negociar…e, se necessário, vender a honra, a alma, a dignidade…

Escrito por Jose Luiz Oliveira de Almeida em August 20, 2009 |

“[…]No exercício do poder, o que vale mesmo é o presente, o agora, o já, o pra hoje – e às favas as promessas feitas, os escrúpulos, os acordos firmados, os ponto de vista defendidos, os artigos escritos, as teses defendidas.

O poder – todos sabemos, todos já testemunhamos – é pra ser exercido via cumplicidade; cumplicidade que, muitas vezes, se traduz em desforço despendido para o mal, para a bandalha.

A regra, pelo que se vê e lê, é a cumplicidade para o mal. É o que assistimos todos os dias – já quase sem forças para se indignar.

O que testemunhamos, lamentavelmente, é o poder sendo exercício à base acordos espúrios, através dos quais leiloam-se a dignidade e a honra.

Eu te odeio, tu me odeias; eu te prezo, tu me prezas – tudo de acordo com as conveniências. É assim mesmo que se exerce o poder, infelizmente.

Ao que se vê, no exercício do poder vai-se além ou fica-se aquém, se recomendam as circunstâncias e/ou as conveniências.

Quando o assunto é poder, é assim mesmo que se conjugam os verbos: de acordo com as conveniências, de conformidade com os interesses em jogo, sem escrúpulos, sem vergonha – e, o que é mais grave, impunemente.

No exercício do poder, se necessário, abomina-se, tripudia-se sobre as virtudes do adversário, para, no mesmo passo, na mesma balada, esconderem-se os defeitos do parceiro de ocasião.

Tudo que se faz de abusivo no exercício do poder conta-se com a aquiescência de uma ou de várias pessoas. Essa é a regra. Não se abusa do poder solitariamente.

No exercício do poder, é preciso partilhar, dividir…e, se necessário, vender a honra, a alma, a dignidade…

Não se exerce o poder, em toda a sua plenitude, tirando-se dele o que ele pode oferecer, se não houver cúmplices, co-participes ou co-autores.

A ninguém é dada a capacidade de exercer o poder – e dele usufruir no que ele tem de mais “primoroso” – isoladamente, sem a colaboração de apaniguados, dos acólitos, dos puxa-sacos, dos oportunistas.

Exercendo o poder para dele tirar proveito, vantagem de ordem pessoal, o discurso de antanho vai para a lata de lixo; o discurso antes vociferado, restará esquecido em algum lugar do passado.

Mas que não se iludam os oportunistas, pois, mais cedo do que imaginam, as práticas deletérias no exercício do poder virão à tona.

Que não se descure o inescrupuloso, porque o parceiro, o cúmplice de hoje será, inapelavelmente, o inimigo de amanhã – aquele que se encarregará de denunciá-lo.

Mais cedo que imagina o pilantra, a casa cai, e os cúmplices de outrora, solertemente, tiram o deles da reta e o deixam falando sozinho.

A história registra incontáveis episódios nesse sentido.[…]”

Vistos, etc.

Cuida-se de ação penal que move o Ministério Público contra J. dos R. ., devidamente qualificado, por incidência comportamental no artigo 157, §2º, II, e §3º, do Digesto Penal, em face de, no dia 16 de junho de 2004, por volta das 19h20, ter assaltado M. C. L., no centro da cidade, de quem subtraiu uma bolsa tiracolo, contando com o concurso de outros meliantes, o qual foi perseguido e preso por populares.

A persecução criminal teve início com a prisão em flagrante do acusado (09/13).

Recebimento da denúncia às fls. 60/61.

O acusado foi qualificado e interrogado às fls. 68/70.

Durante a instrução criminal foi ouvida a vítima M. C. .(fls.84) e a testemunha R. A. C. F. (fls.144/147).

O Ministério Público, em alegações finais, pediu a absolvição do acusado (fls.170/172), no que foi secundado pela defesa que, ademais, pediu que, no caso de condenação, seja desclassificada a imputação para crime de roubo tentado (fls.175/178).

A defesa, de sua parte, pediu a absolvição do acusado ou, subsidiariamente, a desclassificação da imputação de crime de roubo qualificado e consumado para crime de roubo, qualificado e tentado (fls.118/121).

Relatados. Decido.

01.00. O Ministério Público denunciou J. dos R. F., devidamente qualificado, porque o mesmo, com sua ação, teria hostilizado o artigo 157, §2º, II, e §3º, do Digesto Penal.

02.00. Ressai da prefacial que o acusado, no dia 16/06/2004, por volta das 19h20, próximo ao colégio La Roque, na Rua do Passeio, contando com o concurso de outro meliante, teria assaltado M. C. L., de quem subtraiu a bolsa tiracolo.

03.00. As provas, em face da ação do acusado, foram produzidas em dois momentos distintos: sedes administrativa e judicial.

04.00. Na fase inaugural da persecução criminal destaca-se a confissão do acusado, que disse ter cometido o crime, contando com o concurso do alcunhado “J.” (fls.13).

05.00. Da mesma sede destaca-se, ademais, a palavra da ofendida, que confirma a ocorrência do crime (fls.12).

06.00. Com esses dados, foi deflagrada a persecução criminal, no seu segundo momento, tendo o Ministério Público, como suso mencionado, denunciado J. dos R. F., por incidência comportamental no artigo 157, §2, II, e §3º, primeira parte, do Digesto Penal.

08.00. Da segunda fase da persecução criminal assoma, dentre outras provas, o interrogatório do acusado, que afirma ter apanhado da polícia, para confessar o crime (fls.68/70).

09.00. Além do acusado, foi ouvida a ofendida, que, de relevante, disse não reconhecer o acusado como autor do crime (fls.84).

10.00. A última testemunha inquirida foi R. A. C. F., que disse que a vítima, ao ver o acusado, o reconheceu, sem dúvidas, com autor do crime.

11.00. Depois de analisada o patrimônio probatório consolidado nas duas fases da persecução criminal – sedes administrativa e judicial – concluo, na mesma linha de entendimento do Ministério Público, que as provas são frágeis e não autorizam o desfecho condenatório.

12.00. Poder-se-á argumentar que o acusado, em sede extrajudicial, confessou a autoria do crime e que essa confissão poderia ser buscada para compor o quadro probatório.

13.00. É verdade, sim, que o acusado confessou o crime em sede policial. Todavia, quem pode assegurar que não o fez sob tortura, como disse em sede judicial?

14.00. Claro que esse argumento do acusado pode ser apenas uma linha defesa.

14.01. Em face, todavia, de tudo que tenho testemunhado ao longo de 30(trinta) anos lidando com essas questões, não posso duvidar da afirmação do acusado, daí por que entendo não possa usar sua confissão em sede extrajudicial, para compor o quadro de provas.

15.00. De mais a mais, não se perca de vista que a principal testemunha do crime, a vítima, disse não reconhecer o acusado como autor do assalto, o que, para mim, afasta qualquer possibilidade do desfecho condenatório.

16.00. A testemunha R. A., é verdade, disse que a vítima, diante do acusado, o reconheceu, sem dúvidas, como autor do crime.

17.01. Curioso, inobstante, é que a vítima não tenha ratificado essa informação em sede judicial.

17.01.01. Nesse contexto, convenhamos, não se pode chamar a confissão do acusado, em sede extrajudicial, para compor o acervo probatório.

18.00. O acusado pode, sim, ter cometido o crime. Mas não se pode, quando se decide acerca de uma condenação, trabalhar com probabilidade.

18.01. Nesse sentido, importa dizer, ou o julgador tem certeza absoluta, sem reservas, sem vacilação, sem titubeio, sem dúvidas da ocorrência do crime e quem seja o seu autor, ou não pode subscrever um édito condenatório.

19.00. Tenho dito, e nem me importo de repetir, iterativamente, que não se faz cortesia com o direito alheio.

20.00. O acusado, ao que vejo dos autos, tem um passado prenhe de deslizes.

21.01. Todavia, não se pode, à conta do passado do acusado, condená-lo, se as provas acerca de sua participação para realização do crime não estreme de dúvidas.

22.00. Nessa linha de argumentação cumpre anotar que, entre nós, não existe o direito penal do autor. É dizer: não se pune, não se condena ninguém em face apenas de sua vida ante acta.

23.00. O Direito Penal não pode se preocupar com o passado do autor do fato, mas sim do fato por ele praticado.

23.01. Decidir com esteio no que é o acusado e não no que ele tenha efetivamente praticado, é decidir violando a Carta Política em vigor

24.00 O direito repressivo tem que se preocupar com os fatos delituosos praticados pelo agente.

24.01. Se o Ministério Público não foi capaz de trazer aos autos provas bastante(s) de que o acusado tenha praticado o crime a ele imputado, então tem que suportar o ônus de sua omissão, traduzido numa decisão absolutória.

25.00. Já se disse, reiteradas vezes, que o que não está nos autos não está no mundo.

26.00. Nessa ordem de idéias, posso afirmar que, ainda que tenha a íntima convicção de que o acusado praticou o crime, não posso, só por isso, condená-lo, sem que as provas constantes dos autos me façam ciente e consciente de que tenha sido o autor do fato delituoso.

27.00. Tudo de essencial posto e analisado,

julgo improcedente a denúncia, para, de consequencia, absolver J. dos R. F., brasileiro, solteiro, lubrificador de máquinas, filo de M. de J. F. e A. M. L. dos R. F., residente e domiciliado à Rua 06, quadra 12, casa 13, Vila Embratel, nesta cidade, o fazendo com espeque no inciso VI, do artigo 386, do Digesto de Processo Penal.

P.R.I.C.

Custas, na forma da lei.

Com o trânsito em julgado, arquivem-se, com a baixa em nossos registros.

São Luis, 27 de outubro de 2009.

JuizJosé Luiz Oliveira de Almeida

Titular da 7ª Vara Criminal


Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

2 comentários em “Sentença absolutória. Insuficiência de provas”

  1. A confissão por si só não é capaz de decidir pela culpa do agente?

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