Receptação culposa. Desclassificação. Perdão Judicial. Extinção da Punibilidade

Cuida-se de decisão que desclassifica a imputação inicial.

Num dos excertos nela contidos acerca da desclassificação, anotei:

  1. A hipótese em comento, ao meu aviso, evidencia, à saciedade, que o acusado, demonstrou a vontade, sim, de adquirir a bomba mencionada e tinha dúvidas quanto a sua origem, tendo agido com culpa, entrementes, quando descurou de questionar a origem da res, o que, decerto, impediria a sua aquisição.
  2. Ante situações que tais, o Tribunais têm decidido, iterativamente, que “firmada a convicção de que o agente devia “presumir” a origem espúria da res(modalidade culposa), não era dado ao sentenciante declará-lo como incurso no art. 180, caput, do CP, que exige a ocorrência de dolo direto”(JUTACRIM 87/327).
  3. Assim sendo, reafirmo, aqui e agora, a desclassificação antes referida, para que a imputação recaia no §3º, do artigo 180, provada, quantum satis, a culpa do acusado, estando esta demonstrada com as provas colacionadas, donde exsurge, com especial relevância, a sua confissão, consubstanciada às fls.44/45, corroborada pelo depoimento da testemunha João Batista França de Sá(fls.75).

A seguir, a sentença, integralmente.

 

Processo nº 76/99
Ação Penal Pública
Acusado: Adilson Lima Martins
Vítima: Arcelino de Siqueira Lima Sobrinho

Vistos, etc.

Cuidam os autos epigrafados de ação penal que move o Ministério Público contra Adilson Lima Martins, por incidência comportamental no artigo 180, §1º, do Código Penal, em razão de ter comprado uma bomba WAP L 1800 e NBR 709, furtada por Luís Mauro Alves Araújo, do Frigorífico J.B. Industrial LTDA, pela quantia de R$ 50,00(cinqüenta) reais, cujos fatos estão narrados, em detalhes, na denúncia de fls. 02/03, em razão do que passa a integrar o presente relatório.
Termo de exibição e apreensão às fls. 09.
Termo de entrega às fls.11.
Recebimento da denúncia às fls.36.
O acusado foi citado, qualificado e interrogado às fls.44/45.
Defesa prévia às fls. 61.
Durante a instrução criminal foram ouvidas as testemunhas José Gomes da Silva(fls.74), João Batista França de Sá(fls.75), Isaias Alves Garreto(fls.98) e Fábio Pereira dos Santos(fls.99).
Na fase de diligências, nada foi requerido pelas partes(fls.107 e 112).
Nas alegações finais, o representante ministerial postula, após analisar as provas amealhadas, a desclassificação da imputação inicial, para que recai no artigo 180, §2º, 3 do CP, ao tempo em que, prevista a pena máxima para a nova capitulação em um ano de detenção ou multa, requer sejam os presentes autos encaminhados ao Juizado Especial Criminal do bairro do Maracanã, competente para conhecer e julgar o crime(fls.114/117), tendo a defesa, de seu lado, postulado a absolvição do acusado, por faltar provas para a edição de um decreto de preceito sancionatório(fls.120/121).

Relatados. Decido.

Preliminarmente, devo dizer que o processo em comento alberga uma ação penal proposta, inicialmente, contra dois acusados: Luís Mauro Alves Araújo, por incidência comportamental no artigo 155, caput, do CP, cujo processo foi suspenso, ex vi do artigo 89 da Lei 9.099/95 e Adilson Lima Martins, por incidência penal no artigo 180, 1º, do CP, ao qual, em face da pena máxima preconizada, não foi concedido o benefício do sursis processual.
Feita a digressão supra, passo ao exame da imputação formulada pelo Ministério Público contra Adilson Lima Martins.
Entendo, na esteira do entendimento do representante ministerial, que a hipótese sob retina cuida de crime de receptação culposa, o que autoriza, ex vi legis, a desclassificação da imputação inicial.
Com efeito e ainda na mesma linha de argumentação do representante ministerial, entendo que dos autos não se avoluma provas de que o acusado tenha tido conhecimento, antes, de que a bomba que comprara era de origem criminosa e nem tampouco a condição de quem lhe ofereceu a res, tendo realizado a compra, portanto, por ter faltado com o dever objetivo de cuidado.
A constatação supra autoriza a alteração da descrição fática, para, afastado o dolo, desclassificar a imputação inicial, fazendo-a recair, de efeito, na forma culposa como postula nas alegações finais do representante ministerial.
A propósito da desclassificação que aqui se opera, devo consignar que a desproporção entre o valor pago e o valor real do bem receptado não tem o condão de descaracterizar a receptação culposa. Muito ao contrário, reforça a tese levantada pelo representante ministerial, como se vê das decisões abaixo transcritas.
“Adquirir, por preço vil, coisa que o agente devia presumir ser produto de crime, configura a receptação culposa”(RT 433/450).

Na mesma alheta:

“No caso de receptação culposa, , o efetivo valor da res, na época do fato delituoso, tem relevância, porque integra a formação do corpo de delito, quando a culpa decorre da desproporção entre o valor real e o preço pago(RJDTACRIM 6/136).
Devo reafirmar, em face disso, que o efetivo valor da res, na época do fato delituoso, tem relevância, sim, mas para caracterizar, definitivamente, a culpa, pois que integra, como se vê da decisão suso transcrita, a formação do corpo de delito.
A hipótese em comento, ao meu aviso, evidencia, à saciedade, que o acusado, demonstrou a vontade, sim, de adquirir a bomba mencionada e tinha dúvidas quanto a sua origem, tendo agido com culpa, entrementes, quando descurou de questionar a origem da res, o que, decerto, impediria a sua aquisição.
Ante situações que tais, o Tribunais têm decidido, iterativamente, que “firmada a convicção de que o agente devia “presumir” a origem espúria da res(modalidade culposa), não era dado ao sentenciante declará-lo como incurso no art. 180, caput, do CP, que exige a ocorrência de dolo direto”(JUTACRIM 87/327).
Assim sendo, reafirmo, aqui e agora, a desclassificação antes referida, para que a imputação recaia no §3º, do artigo 180, provada, quantum satis, a culpa do acusado, estando esta demonstrada com as provas colacionadas, donde exsurge, com especial relevância, a sua confissão, consubstanciada às fls.44/45, corroborada pelo depoimento da testemunha João Batista França de Sá(fls.75).
É curial que, ante a desclassificação, em face da pena prevista in abstracto, que o feito passa a integrar a competência de um dos Juizados Especiais Criminais desta Comarca.
Entendo, no entanto, que da remessa dos autos ao Juizado competente, a meu aviso, resultaria em mais constrangimentos ao acusado, o qual, desde o ano de 1999 tem, reiteradas vezes, sido intimado para os atos do processo, o que, a meu ver, já se constitui em uma punição, até desproporcional em face do crime que se lhe atribui a prática, tendo agido com culpa levíssima.
Em razão do exposto, julgo procedente a denúncia, para, de conseqüência, condenar o acusado Adilson Lima Martins, devidamente qualificado, por incidência comportamental no §3º, do artigo 180 do CP, cuja pena-base 10(dez)DM, à base de 1/30 do SM vigente à época do fato, que torno definitiva, à míngua de circunstâncias que possam alterar o quantum.
Em face da primariedade do acusado, do fato de que culpa que assoma nos autos é levíssima e tendo em vista o valor da res, concedo ao acusado o perdão judicial, com espeque no §º 5º, primeira parte, do artigo 180 do CP.
Concedido o perdão, declaro, aqui e agora, extinta a punibilidade do acusado, com espeque no artigo 107, IX, do Código Penal.
P.R.I.C.
Sem custas.
Transitada em julgado esta decisão, arquivem-se os autos, com a baixa em nossos registros.

São Luís, 25 de outubro de 2002.

José Luiz Oliveira de Almeida
Juiz de Direito da 7ª Vara Criminal

 

One thought on “Receptação culposa. Desclassificação. Perdão Judicial. Extinção da Punibilidade

  1. Quão grande é o entendimento juridico do magistrado sentenciante. Este não é um aplicador da letra fria da lei, sua atuação é digna na aplicação do direito enal e do direito humano.

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