O discurso do eminente professor Pedro Leonel

A seguir, o discurso de Pedro Leonel Pinto de Carvalho, que não pode ser lido por ocasião da minha posse solene.

É muito mais fácil reconhecer o erro do que encontrar a verdade; aquele, o erro, está na superfície e por isso é fácil erradicá-lo; esta, a verdade, repousa no fundo, e não é qualquer um que pode investigá-la”

GOETHE

Em ocasiões como esta, em que a marca da solenidade se ombreia com a circunspecção do momento, é usual que o orador procure um tema dotado de algum interesse circunstancial. Apela-se, por isso, com frequência, em falar de alguma crise. Qualquer crise, não importa qual: basta que seja crise, palavra mágica, e que tenha alguma pertinência subjetiva com o perfil do distinto auditório. E este é um truque bem antigo. Desde os bancos escolares, a qualquer ensancha para colaborar com o jornalzinho acadêmico, lá vinha o refrão: crise da Federação, crise da democracia, crise do ensino jurídico, crise de tutti quanti.

Mal não há, assim, senhor desembargador presidente, e com o beneplácito que espero merecer do desembargador José Luiz Oliveira de Almeida, que eu possa falar de uma crise. Não para fazer a essa crise apenas um juízo de constatação, nem mesmo para cobrar-lhe um juízo de valor. Chamemo-la, à falta de melhor qualificação, de crise de consciência.

A expressão pode ser algo redundante e vazia de sentido, à primeira vista, eis que ninguém é crítico de si mesmo. Mas, quando, possuídas do mesmo pathos, consciências individuais se projetam num mesmo sentido, aí então passamos a ter um somatório de crise social, crise nacional, crise global.

Sucede que essa crise do macro somente existe ou possa ser objeto de preocupação se referenciada a um todo que lhe seja exterior e a partir do qual permite ser analisada e comparada.

Esse dado exterior, por isso que referencial, são os princípios, postulados e regras que, no mundo ocidental, promanam de perenes valores imanentes àquela civilização que pode ser identificada como heleno-judaica-cristã.

Já estavam alinhavadas estas linhas, com destaque no referencial, supremo referencial, que deve orientar, sempre, o enunciado dos direitos humanos, na inglória tentativa dos legisladores em reduzi-los a direito positivo, quando nos chega às mãos esta lúcida observação de Dom Odilo P. Scherer, em artigo publicado do Estado de São Paulo de 13 do corrente, sábado de Carnaval. Assim predica o cardeal-arcebispo de São Paulo:

“Já ensinava o papa João XXIII, na encíclica Pacem in Terris, que a fonte última dos direitos humanos não é a vontade dos homens, nem o Poder do Estado ou dos poderes públicos, mas a natureza do próprio ser humano e, enfim, Deus, seu Criador. Mais recentemente, Bento XVI, na encíclica Caritas in Veritate, lembrou que o fundamento dos direitos humanos não está apenas nas deliberações de uma assembleia de cidadãos; neste caso, poderiam ser alterados a qualquer momento, dependendo das convicções e da ideologia de quem está com a mão no poder; assim, os direitos careceriam de referência objetiva e universal, ficando diluído e sem eficácia na consciência dos cidadãos o dever de os reconhecer e respeitar.”

A dizer, quando os ditos direitos humanos perdem o referencial divino porque se distanciaram da dignidade e da natureza do próprio ser humano, a partir daí perdem de eficácia e respeitabilidade.

Dessa maneira, pode-se dizer que a crise de consciência existe ou não existe, a um só tempo. Se o sujeito, titular da consciência analisada, tem a nítida percepção de que os citados valores civilizatórios, que ele vivencia, estão em harmonia com seu padrão de agir e de conduta — não há falar-se em crise de consciência. Ela não existe.

Diferentemente se dão as coisas quando o sujeito começa a exibir um comportamento, que não guarda a mínima coerência com aquela tabela de valores. Nessa consciência, topicamente falando, pode-se dizer que a crise já se instalou.

Essa equação, por certo, somente é digna de acatamento se, em parti pris, convencionarmos acerca da sacralidade e respeito que devam ser tributados aos pilares da citada civilização heleno-judaica-cristã. É que não havendo, como antecedente necessário, essa convenção, e estaremos diante de um quadro humano impossível de ser honestamente pensado para fim deste debate: teremos uma sociedade tribal em nível de cubata; ou uma república teocrática destituída de poder civil, forte no petróleo que produz; ou um Estado totalitário, verdadeiro Leviatã moderno.

Agora, indaga-se: nos dias de hoje, algumas consciências já estão sendo possuídas desse estado crítico?

Desgraçadamente, temos de reconhecer que sim!

Mas, em feliz contraste, temos de exultar ao reconhecimento de que, episódica mas genuinamente, vez por outra a divina providência nos propicia um testemunho de fidelidade e consciência ainda não contaminadas pelo sentido de crise – crise de que atrás falamos.

Disso dá-nos notícia a recente condução do juiz José Luiz Oliveira de Almeida aos cancelos deste egrégio Tribunal, apto a honrar o sodalício tanto quanto honrados são aqueles que o compõem.

Do juiz José Luiz tem-se a dizer, com indeclinável ênfase, que sua pena de intelectual não se exaure na produção judicante, com uma operosidade das mais marcantes na magistratura maranhense. Seu cálamo, em estilo elegante e deleitoso de ser lido, também frequenta o jornalismo semanal. De resto, é por meio da imprensa que esse juiz extravasa conceitos e opiniões impróprias de serem formulados em sede sentencial. Verdade é que no ato de sentenciar o juiz exibe um inevitável sentir. Mas não é menos verdade que no jornalismo o jurista vai mais além: sente e pressente. Não julga, mas emite juízos de valor que transcendem o ato, sacrossanto ato, de distribuir justiça.

O ensaio ou artigo de jornal, ambos de crítica social, que o cidadão comum externiza sob sua responsabilidade pessoal, fazem o papel de verdadeiro cautério que sanitiza a chaga pútrida do ilícito ou do amoral.

Nessa província, o articulista José Luiz sabe ser necessariamente cáustico. Alguns excertos, colhidos em sua produção de jornal, bem confirmam o rigor de sua férula.

No artigo “Com a ética não se faz cortesia”, esta é uma afirmação do cidadão José Luiz:

“Não se faz cortesia com a ética. Não se faz camaradagem com os colegas e/ou amigos que desviam a função. Não se tergiversa quando se tem um dever a cumprir. Infelizmente, o Poder Judiciário tem uma rica história de coleguismo, de apadrinhamento (…)”.

Sempre preocupado com a falta de credibilidade do Poder Judiciário, desta vez José Luiz desce à confissão pessoal e em “A chaga, aberta, purga” não se peja em dizer:

“(…) A cada notícia que leio atacando o Poder Judiciário do Maranhão ou algum dos seus membros, individualizadamente considerados, sangra a ferida aberta no meu peito. Fico com a nítida sensação de que nunca mais recuperaremos nossa credibilidade. Está sendo demasiado, para quem tem vergonha. A impressão que tenho é a de que foram debalde os 26 (vinte e seis) anos de dedicação, exclusiva, ao Poder Judiciário. Os que me conhecem sabem que abdiquei de tudo para dedicar-me à magistratura. Deixei, até, de lecionar, por compreender que não dispunha de tempo para fazer razoavelmente bem as duas coisas: julgar e lecionar.”

A punição dos magistrados é tema a que não se furta o articulista. No trabalho “Apurar e punir, eis a questão” assim afirma José Luiz com a coragem moral que lhe é peculiar:

“(…) É preciso, urgentemente, sobretudo no âmbito do Poder Judiciário, que se apure e, se for o caso, que se punam os que teimam em usar o Poder em benefício pessoal, em detrimento da instituição, que necessita de credibilidade para bem desempenhar o seu mister. O Poder Judiciário não pode ser casamata de calhordas, de gente ordinária que só pensa em proveito pessoal. O Poder Judiciário não pode servir de pasto para empanturrar os ávidos por bens materiais. O Poder Judiciário jamais poderá cumprir o seu desiderato se não tiver credibilidade. E da descrença do Poder Judiciário – ufa, já cansei de dizer! – podem advir conseqüências graves para o conjunto da sociedade.”

Em outra passagem, a imagem do magistrado é sua inquietação constante, tal como se lê no artigo “A necessidade de ser e parecer correto”:

“Ao magistrado não basta ser. É preciso, repito, parecer honesto. A meu aviso, não parece pundonoroso o magistrado que ostenta vida social além de suas posses. Não parece decoroso o magistrado que ostenta padrão de vida superior ao que lhe podem proporcionar os seus ganhos mensais.

Não parece honrado quem, tendo assumido o cargo pobre, exibe patrimônio incompatível com a sua renda mensal, sem ter como explicar a origem de sua fortuna.

Não faz bem à magistratura quem é alvo de comentários maliciosos nos quatro cantos da Comarca onde trabalha. Esse pode ser honesto, mas não parece. Não honra o cargo e nem parece reto o magistrado que não cumpre horário, que só despacha quando instado pelas partes, que só impulsiona o processo diante do queixume dos advogados, que precisa de estímulo material para decidir.”

Em preito à verdade, por testemunho colhido junto a colegas seus, magistrados, o que é marca de sua operosidade e apurado zelo na condução dos processos sob sua responsabilidade, registre-se este detalhe: as informações que, por dever de ofício, o juiz José Luiz presta ao Tribunal, não se resumem ao descarte de um ofício formal e sucinto, senão que, sempre, se dilargam em páginas e páginas bem elucidativas que trazem o signo inconfundível de seu estilo redacional.

Louvável assim de ser encontrada essa perfeita simbiose entre o jurista, que escreve artigos de jornal para o povo, e o jurista que, em nome do Estado, sentencia para os jurisdicionados. Nos autos do processo ou na folha dos jornais há, nítido, o testemunho de uma consciência que não entrou em crise.

Essa paisagem nem sempre se mostra alvissareira nos domínios do Judiciário. Há casos, bem recentes, que sinalizam em contrário. Neste Carnaval, no Rio de Janeiro, uma juíza autorizou menina implume, de sete anos, a desfilar à noite como madrinha de bateria. Entendeu a juíza de não haver apelo erótico no quadro, com o que o Carnaval carioca foi promovido a uma festa angelical e pudica. Essa, a garota, devidamente instruída pelos pais (?) insinuou nada haver de errado “porque não ia desfilar de biquíni”. Evidente é que o bloco da pedofilia se babou de gozo…

Exemplos há, e muitos, de consciências necrosadas que estão aí a infestar o plexo social, algumas escondidas sob o ilusório manto dos direitos humanos.

. Dizia certo ministro de Adolf Hitler que tinha ímpeto de sacar do parabelum ao ouvir a palavra “cultura”. Aqui no Brasil de hoje, teme-se pela nossa vida e pela liberdade ao enunciado da locução “defesa dos direitos humanos”. Veja-se a questão da pena de morte. O constituinte de 1988, patrulhado pelas esquerdas, vedou a pena de morte, aquela decretada pelos Tribunais. Em contraste, o que temos hoje é a pena de morte de civis inocentes, decidida pelas facções criminosas de dentro dos presídios, cujos chefes são sustentados anos sem fim pelo contribuinte brasileiro, prisioneiros de luxo que são.

E aqui cabe um registro terrífico. Na não-declarada guerra civil, que o narcotráfico impõe hoje nas grandes cidades brasileiras, o número de mortes é superior ao de verdadeiras guerras combatidas alhures.

De outro modo, vetores estatísticos apontam, de futuro, tendência a uma mais grave degradação do quadro. Enquanto as fontes internacionais de entorpecentes continuarem a municiar o sempre crescente mercado brasileiro, mais e mais inocentes receberão sua pena capital e privada.

Neste passo, a crise de consciência de que estamos tratando já agora é de âmbito nacional. Esta passou a receber um componente antes inexistente: o de caráter ideológico.

Com efeito, o narcotráfico, como crime organizado que cuida também de sequestros e assaltos a bancos, antes exclusivamente delinquente, passou a ter seu suporte logístico nos movimentos revolucionários de esquerda e, como principal fornecedor de matéria prima em cerca de 80%, as FARC, Forças armadas revolucionárias da Colômbia, esta de índole declaradamente comunista.

Consabido é que o comunismo internacional, tal como decidido no Foro de São Paulo, pretende recuperar na América Latina o que perdeu no leste europeu depois da queda do Muro de Berlim.

Enquanto na consciência dos bons não soar o alerta, para que haja uma repulsa na opinião pública, e quando necessário, nas urnas, e essa grave ameaça poderá ser transformada na realidade de um governo ditorial de esquerda, no Brasil, em futuro não muito distante.

O totalitarismo comunista, a pior lepra que atrasou moral, econômica e politicamente o mundo por cerca de 75 anos, ainda continua em sua ameaça, conquistando os incautos com a falácia ideológica do progresso social e igualitário. A sigla partidária que o identifica é bem legível. São seus expoentes, no Brasil: Oscar Niemeyer, Chico Buarque, Frei Beto, Marilena Chauí; e no Maranhão, o nosso inefável Mário Pecebão.

Ainda no plano nacional, prova maior dessas consciências enegrecidas é dada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, regra invariável posto avançado das esquerdas radicais, cujo bastonário até outro dia se comprazia em fazer coro com os revanchistas na campanha pela revogação da lei da anistia. Ou, pior ainda, quando em aberta hostilidade à justiça italiana, tão democrática como a brasileira, passou a combater a extradição de um criminoso comum italiano perfilhado pelos comunistas.

Não é por outro motivo — a dominação ideológica – que esse Conselho Federal, tão democrático que se diz ser, sempre repugna a eleição direta de seus membros.

De resto, é bastante eloqüente o silêncio da OAB sobre o malsinado Decreto presidencial n° 7.037, de dezembro último, que aprovou o 3º Programa Nacional dos Direitos Humanos — ai de nós! Redigido por ex-guerrilheiros, conforme foi amplamente divulgado pela mídia que ainda se encontra livre neste País, esse ovo de serpente totalitária postula, em suas 521 diretrizes, estas amostras do quanto se pretende agredir a consciência nacional, democrática, cristã e pluralista: a proibição da exibição de símbolos religiosos nos espaços públicos (delenda Cristo Redentor); a exigência de “audiência coletiva” prévia para as concessões de liminares de reintegração de posse; a descriminalização do aborto; e vai por aí… Mas, como esses são temas eminentemente de interesse da ordem jurídica nacional, e, porque não dizer da própria consciência nacional – de cunho nada partidários ou ideológicos — o politburo da OAB preferiu, com o seu silêncio, dar apoio ao malsinado Programa.

Diante desse quadro, é ao mesmo tempo alvissareiro e providencial que o Juiz José Luiz Oliveira de Almeida ascenda mais um patamar em sua já brilhante carreira de magistrado, para que a crise de consciência não se alastre sobre a sociedade.

Que este momento, pois, festivo e solene, seja propício a que possamos repetir, na feliz frase de EMANUEL SWEDENBORG, cientista e espiritualista sueco, que “a consciência é a presença de Deus no homem”.

Muito obrigado.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

Um comentário em “O discurso do eminente professor Pedro Leonel”

  1. Dr. José Luiz,
    É uma pena que as pessoas presentes na sua solenidade de posse tenham sido privadas dessa maravilha de discurso. Parabéns a você por despertar esse tipo de sentimento e muito obrigada por nos ensinar tantos valores.
    Minha oração a Deus é para que a sua vida continue a ser para muitas pessoas esta escola de vida, este exemplo de honradez, justiça e honestidade.
    Um braço,
    Azenate

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