Sentença condenatória.

 

Na decisão que publico a seguir, os acusados argumentaram que não houve assalto e que tudo não passou de uma brincadeira.

Num determinado excerto da decisão ponderei, verbis:

  1. Quanto aos socos e pontapés, o acusado continuou argumentando que foi tudo uma brincadeira, como se fosse brincadeira amarrar uma pessoa, agredi-la e tomar-lhe o dinheiro que trazia consigo, para comprar droga.

A seguir, a sentença, integralmente.

 

Processo  nº 217432007

Ação Penal Pública

Acusados: E.T. S. e C. M. S. R.

Vítima: P. E. C. P.

 

 

Vistos, etc.

 

Cuida-se de ação penal que move o Ministério Público contra E. T. S. e  C. M. S. R.,  por incidência comportamental nos artigos 157,§2º, I, II e V do CP,  em face de, no dia 16/09/2007, terem assaltado P. E. C. P., o qual foi amarrado e agredido, com socos e pontapés,  da 01h00 até as 05h30 da manhã,  de quem subtraíram  a quantia de R$ 140,00(cento e quarenta reais), uma bicicleta e uma bolsa contendo duas peças de roupa, os quais, ao serem presos, ainda estavam de posse  dos pertences do ofendido e de R$ 70,00(setenta reais).

A persecução criminal teve início com a prisão em flagrante dos acusados .(fls.07/13)

Auto de apresentação e apreensão às fls.12.

Termo de entrega às fls. 13.

Recebimento da denúncia às fls. 74/75.

O acusado C. M. S. R. foi qualificado e interrogado às fls. 91/99, e E. T. S., às fls. 100/108.

Defesa prévia de às fls. 110/102.

Durante a instrução foram ouvidas as testemunhas P. de J. M. (fls. 122/),  L. B. da S. (fls.137/139), M. de L. L. (fls.140/141.

O Ministério Público e a defesa não requereram diligências.(fls.162v.) e167).

O Ministério Público, em alegações finais, pediu a procedência da ação, para que os acusados sejam condenados por incidência comportamental no artigo 157,§2º,  I, II e V, do CP.(fls.169/174)

A defesa dos acusados, de seu lado, pediu a absolvição dos acusados, no termos do artigo 386, VI, do CP.(fls.179/186)

Encerrada a instrução e constatando que dos autos não havia a degravação do depoimento da testemunha P. de J. M., determinei que fosse o mesmo degravado, para, em seguida, determinar a audição das partes acerca do seu teor, para assegurar a ampla defesa.

O Ministério Público, em face do depoimento, disse que nada tinha a requerer e ratificou os termos das alegações finais antes ofertadas(fls.192v.). A defesa, de sua parte, malgrado intimada, quedou-se inerte. (fls.193 e 194)

 

Relatados. Decido.

 

Aos acusados E. T. S. e C. M. S. R. o Estado por seu órgão oficial, o  Ministério Público,  imputa a prática de  crime de roubo triplamente qualificado (art. 157,§2º I, II e V, do CP), pedindo, alfim, a sua punição, na forma da lei.

O fato descrito na inicial, evidencia, prima facie, uma conduta antijurídica dos acusados, daí a razão pela qual foi recebida, observadas, ademais, as condições exigidas pela lei para o seu exercício pelo Ministério Público.

A conduta típica no crime de roubo é subtrair, tirar, arrebatar coisa alheia móvel empregando o agente violência grave, ameaça ou qualquer outro meio para impedir a vítima de resistir.

O objeto material é a coisa alheia móvel.

Coisa, para o direito penal, é qualquer substância corpórea, material, ainda que não tangível,  suscetível de apreensão e transporte.

O elemento subjetivo do tipo é o dolo, que se traduz na vontade  de  subtrair, com emprego de violência, grave ameaça ou outro recurso análogo, com a finalidade expressa no tipo, que é o de ter a coisa para si ou para outrem(animus furandi ou animus  rem sibi habend).

O crime sob retina se consuma, segundo consagrou a jurisprudência, com a inversão da posse, id. est, quando o agente tem a posse mais ou menos tranqüila da res, ainda que por pouco tempo, ou que a res esteja  fora da esfera de vigilância da vítima.

O sujeito ativo do crime  pode ser qualquer pessoa, menos o seu proprietário, na medida em que o tipo exige que a coisa seja alheia. O sujeito passivo é o proprietário ou possuidor, ou até mesmo o detentor. É indiferente, ademais, a natureza da posse.

Sob essas diretrizes, passo ao exame das provas consolidadas nos autos, para, somente alfim e ao cabo do exame, concluir se os acusados E. T. S. e C. M. S. R., efetivamente, atentaram, ou não, contra  a ordem pública, como pretende o Ministério Públicocom a propositura da presente ação.

Pois bem, a primeira fase teve início com o auto de prisão em flagrante dos acusados. (fls.07/14)

Na fase administrativa o acusado E. T. dos S.  confessou que teve a idéia de amarrar o ofendido, quando estavam consumindo merla, para tomarem o dinheiro que trazia consigo.(fls.10)

O acusado acrescentou que, efetivamente, amarraram o ofendido e lhe tomaram a quantia de R$ 90,00 (noventa reais), tendo entregue R$ 20,00 (vinte reais) para o acusado C. M. S. R. comprar merla.(ibidem)

Adiante o acusado concluiu dizendo que soltaram o ofendido por volta das 05h30 da manhã.(ibidem)

C. M. S. R. também foi ouvido na oportunidade em que foi preso em flagrante, ratificando os termos do depoimento do acusado E. T. S..(fls.11)

C. M. S. R. aduziu dizendo que E. T. S. agrediu o ofendido, quando ele estava amarrado e que usaram parte do dinheiro subtraído para comprar merla.(ibidem)

O ofendido também foi ouvido em sede policial, de cujo depoimento, em face de sua relevância, transcrevo os excertos a seguir, verbis:

 

“…que a passar pela borracharia do Del Francisco, onde o mesmo estava sentado na porta bebendo cachaça com mais outro indivíduo posteriormente identificado como C. e estes  pediram cigarros ao declarante, ao que respondeu que não tinha; que pediu água e os mesmos disseram  para o declarante entrar e ir beber do filtro que ficava  na parte  de dentro e no momento em que adentrou na supramencionada borracharia, foi agarrado pelos dois elementos  que lhe encostaram uma faca em suas costas e passaram a lhe ameaçar para que não reagisse; que os mesmo lhe amarraram com uma corda  e passaram a lhe revistar retirando de seus bolsos, a quantia de R$  140,00(cento e quarenta reais); que começaram a lhe espancar  fisicamente, desferindo-lhe socos no rosto e pontapés; que Del  Francisco mandou que C. fosse comprar R$40,00(quarenta reais) de merla, enquanto que o outro continuou lhe espancando;  que inclusive ambos amarraram a boca e o pescoço do declarante e passaram a lhe asfixiar, sendo que o declarante reagiu e pediu para pararem; que começaram a fumar merla e continuaram torturando o declarante, até às 06h00 da manhã  e neste horário colocaram uma faca em sua garganta e o ameaçaram de morte; que pediu para que não o matassem e os mesmos disseram que se acaso desse parte deles iriam atrás lhe matar; que lhe desamarraram e ainda lhe deram socos; que no momento em que foi pegar sua bicicleta estes lhe jogaram uma chave nas costas e disseram que era para deixar a bicicleta e sair correndo se não ia morrer; que correu e os mesmos saíram correndo atrás  com uma faca…”(fls.09)

(Com a supressão de excertos considerados irrelevantes para o deslinde da questão)

 

Na mesma sede foi apreendida a arma instrumento do crime e parte da res furtiva (fls.12), depois restituída ao ofendido.(fls.14)

Com esses dados relevantes encerrou-se a fase administrativa da persecução criminal.

O Ministério Público, de posse dos dados colacionados na fase extrajudicial (informatio delicti), ofertou denúncia (nemo judex sine actore) contra  E. T. S. e C. M. S. R.,  imputando a eles o malferimento  do preceito primário ( preceptum iuris) do artigo 157 do Digesto Penal, com as qualificadoras dos incisos I, II e V, do seu §2º,  fixando, dessarte, os contornos da re in judicio deducta.

Aqui, no ambiente judicial, com procedimento arejado pela ampla defesa e pelo  contraditório, produziram-se provas, donde emergem, dentre outras,  os interrogatórios dos acusados E. T. S. e C. M. S. R.. (audiatur et altera pars) .

O acusado C. M. S. R. disse nesta sede que tudo não passou de uma brincadeira, mas admitiu que tiraram dinheiro do ofendido.(fls.91/99)

Do depoimento de C. M. S. R. destaco os seguintes excertos, litteris:

“(…)

Juiz – vamos aos fatos. A acusação que há é que o senhor teria, junto com o E., subtraído da vitima, uma determinada quantia em dinheiro para usar merla. Os autos dão noticia que a vitima teria sido torturada, asfixiada, teria sido agredida fisicamente para possibilitar que vocês tivessem acesso ao dinheiro para que pudessem comprar merla.

Indago do senhor, essa acusação é falsa ou é verdadeira?

Acusado – falsa.

Juiz – em que ela é falsa, em que ela é verdadeira? Ela é totalmente falsa ou ela só em parte é falsa?

Acusado – só em parte.

Juiz – o que tem de verdade aqui?

Acusado – nós tava comemorando o nascimento do filho do meu patrão, do E., aí a vitima apareceu, nós pedimos um cigarro pra ele, ele pediu uma água pra a gente, nós mandamos ele entrar, aí entrou, tinha uma brincadeira, aí meu patrao garrou ele.

Juiz – como é a historia da brincadeira?

Acusado – eles já se conheciam. Eu não conhecia não. Eles tinham uma brincadeira desde quando eles eram vizinhos, e eles começaram, nós começamos a agarrar ele. Ai nos amarremos ele e depois soltemo ele. Ele levou a brincadeira a sério.

Juiz – tudo não passou de uma brincadeira?  Como é que você reagiria se essa brincadeira fosse feita com você? Ou com um irmão seu?

Acusado – se eu conhecesse ele e nós era  acostumado a brincar, normal.

Juiz – pois eu não quero nenhum amigo pra me amarrar, tirar meu dinheiro e me da porrada. Disso eu quero distância. Vocês agrediram ou não agrediram fisicamente a vítima?

Acusado – não. So amarremo e soltemo de novo.

Juiz – quanto tempo a vitima passou amarrada?

Acusado – umas meia-hora mais ou menos.

Juiz – tu achas que é pouco ou é muito?

Acusado – é muito

Juiz – agora, se comparado com os dias que tu estás preso… é até pouco. Mas não foi ele que amarrou ninguém, não foi ele que fez nada com ninguém, então, quem tem que responder mesmo é você.

Os autos noticiam que vocês amarraram a vítima, que seja brincadeira, ou que não seja, não vamos entrar no mérito agora. Mas que vocês amarraram a vitima, meteram a mão no bolso da vitima, tiraram o dinheiro e com o dinheiro compraram merla, essa parte da denuncia é verdadeira? Compraram a merla com o dinheiro da vitima?

Acusado – em parte é.

Juiz – em parte não. Ou comprou merla ou não comprou.

Comprou ou não comprou merla com o dinheiro da vitima?

Acusado – comprei.

Juiz – compraram. Então é verdadeira essa parte.

A vitima disse que foi asfixiada, que recebeu socos e pontapés. Essa parte não é verdadeira? É mentira.

A vitima disse que vocês utilizaram de uma faca para intimidá-la, pra ameaçá-la… Essa parte não é verdade?

Acusado – não, não é não.

Juiz – a vítima disse que depois de tudo, vocês determinaram que ela corresse, ameaçando-a se denunciasse o fato de tomar providencia em relação a ela (a vítima). Isso também não é verdade?

Acusado – não. A gente mandou ele ir embora e ele saiu correndo

Juiz – a vitima disse também que quando pretendeu pegar a bicicleta pra levar, vocês tomaram a bicicleta dela, também não é verdade isso?

Acusado – não. Ele (E.) falou que não era pra eu levar a bicicleta dela (a vitima).

Juiz – por que o E. disse pra ela não levar a bicicleta? A bicicleta era dele ou da vitima?

Acusado – era da vitima.

Juiz – e o Edel, ainda assim, disse que a vitima não podia levar a bicicleta. O que E. pretendia fazer com a bicicleta?

Acusado – não sei.

(fls.91/99)(Com a supressão dos excertos irrelevantes para o deslinde da questão)

 

Do depoimento do acusado destaco, especificamente, o excerto em que ele ratifica o que disse em sede policial, verbis:

“(…)

Juiz – você foi ouvido na policia depois de preso. Você foi ouvido em quais condições? Você foi bem-tratado, mau-tratado, foi coagido, foi espancado, foi constrangido, só disse o que queria? Como é que foi lá?

Acusado – só falei o que queria.

Juiz – então o que esta no seu depoimento é aquilo que o senhor efetivamente disse na policia.

Lendo depoimento de C. M. na polícia.

Juiz – o E. já chegou lá na borracharia com a vitima?

Acusado – não. Nós tava lá e ele chegou.

Juiz – quem que chegou?

Acusado- o P..

Lendo depoimento de C. M. na polícia.

Juiz – vê que não bate o que tu disse na policia e o que tu ta me dizendo agora. E tu me disse que prestou depoimento na policia sem nenhuma coação, sem nenhum constrangimento.

Quanto tomaram da vitima?

Acusado – noventa reais.

Juiz – quanto ficou pra você? Quanto você pegou pra comprar merla?

Acusado – trinta reais. Não. Vinte reais.

Juiz – e os setenta reais, ficaram com quem?

Acusado – ficou na borracharia lá;

Juiz – com quem?

Acusado – no chão.

Juiz – o P. estava amarrado. O E. agrediu ele quando ele estava amarrado?

Acusado – quando eu tava lá, não.

Juiz – por que o senhor disse na policia que o E. agrediu ele? Você já me disse que na policia você só disse o que queria. Você não pode alegar agora que o depoimento é falso. Por que você disse uma coisa la e esta dizendo outra coisa aqui? Não quer responder?

Acusado – não.

Juiz – que horas que vocês soltaram a vitima?

Acusado – era umas cinco horas da manhã, por ai.

Juiz – que horas que vocês amarraram a vitima?

Acusado – umas quatro e meia.

Juiz – os horários de vocês não batem. Mais uma contradição. (…)”

 

O acusado, entremostram os termos do seu depoimento, tentou fazer crer que tudo não passou de uma brincadeira do também acusado E. T. S..

O acusado C. M. S. R.  deixa claro, outrossim, que o ofendido foi amarrado, todavia nega que o tenham agredido.

C. M. S. R.  admite, ademais, que compraram droga com o dinheiro subtraído do ofendido.

Noutro excerto o acusado admitiu que E. T. S. não deixou a vítima levar a sua bicicleta (dela, vítima)

O acusado    E, T, S,, também foi ouvido nesta sede, tendo negado a autoria do crime,  mas o fazendo tergiversando, sem convicção, como se pode ver  dos fragmentos a seguir transcritos, litteris:

“(…)

Juiz – vamos então E, conversar sobre o crime propriamente dito. O senhor cometeu esse crime ou o senhor não cometeu esse crime?

Acusado – meritíssimo não foi bem assim.

Juiz – então narre como foi que aconteceram os fatos.

Acusado – eu tava nesse dia que aconteceu, minha mulher foi ganhar a nenê, no dia seguinte eu soube que ela tinha ganhado a nenê, eu fui comemorar na porta da borracharia, ai quando ele passou…

Juiz – ele quem? Vamos dar nomes?

Acusado – o Carlos. Só que eu conheço ele há muito tempo já foi meu vizinho, pediu um cigarro pra mim, eu disse que não tinha, ai ele pediu um copo de água e eu mandei ele entrar, eu já conheço ele há muito tempo já.

Juiz – entrar na borracharia, sua borracharia?

Acusado – isso. Fiz uma brincadeira de mal gosto, eu tava bêbado, que foi uma brincadeira pesada.

Juiz – Qual foi a brincadeira?

Acusado – vamos amarrar. Ai ele levou a sério.

Juiz – Amarrar quem? A vitima?

Acusado – isso.

Juiz – o que a vitima tinha a ver com a borracharia?

Acusado – de vez em quando ele ia lá.

Juiz – era só freguês de vocês ou era só visitante?

Acusado – visitante. Ele chegou “rumbora fumar uma droga, bora, bora”, ai foi quando aconteceu, só que excelência  eu levei uma brincadeira com ele

Juiz – a vitima foi passando e encostou.

Acusado – ele pediu um cigarro e ele disse que não tinha.

Juiz – quem te pediu o cigarro?

Acusado – a vitima. Ai eu levei numa brincadeira. Eu conheço ele há muitos anos, já joguemo bola, ele sabe que eu não ia roubar ele não ia assaltar ele, eu não sou essa pessoa, ai na hora eu tirei uma brincadeira, essa brincadeira foi pesada, o que aconteceu foi isso.

Juiz – ai amarraram ele…

Acusado – foi uma brincadeira rápida. Eu já tava deitando na rede quando chegou a viatura.

Juiz – sim,mas nós não terminamos a nossa história. Amarraram-no?

Acusado – foi, mas foi uma brincadeira rápida.

Juiz – sim mas consta nos autos que amarraram, espancaram e tomaram o dinheiro da vítima, isso não aconteceu?

Acusado – meritíssimo, aconteceu. Mas eu peguei o dinheiro mas ia devolver o dinheiro, ele sabe disso que foi só uma brincadeira que nós se conhece há muitos anos.

Juiz – pegaram o dinheiro pra que? Com qual objetivo?

Acusado – pra gente consumir a merla.

Juiz – vocês sabiam que ele tinha dinheiro?

Acusado – ele apresentou o dinheiro?

Juiz – apresentou como?

Acusado – pegou e tirou o dinheiro do bolso.

Juiz – ele chegou mostrando que tinha dinheiro?

Acusado – não,a gente convidou “bora, bora, bora”.

Juiz – sim , eu quero saber o seguinte, quando ele chegou lá vocês já sabiam que ele tinha dinheiro?

Acusado – não.

Juiz – por que vocês acharam que ele tinha dinheiro quando vocês resolveram amarrá-lo?

Acusado – quando ele chegou já foi puxando o dinheiro.

Juiz – eu não posso acreditar que um camarada chega pra pedir água pra alguém e já chegue mostrando que tem dinheiro.

Acusado – quando ele voltou de lá excelência “vamos fazer para gente comprar uma droga pra gente usar”.

Juiz – a vitima?

Acusado – exatamente.

Juiz – então a vitima também queria comprar droga pra usar com vocês?

Acusado – exatamente.

Juiz – então a vitima sabia que você usava droga e sabia que o C, M, usava droga. Quando a vitima sacou do dinheiro para comprar droga vocês resolveram amarrá-la e tomar o dinheiro? Pra que vocês queriam o dinheiro?

Acusado – pra gente usar droga.

Juiz – ai vem uma contradição grave no que tu ta me dizendo, se vocês queriam usar droga com o dinheiro e o próprio ofendido já tinha mostrado que tinha dinheiro, já tinha demonstrado que queria comprar droga, era desnecessário amarrá-lo. Onde está a lógica desse raciocínio?

Acusado- excelência foi uma coisa que eu nem sei como lhe contar.

Juiz – o que foi que tiraram da vitima além do dinheiro?

Acusado – foi só.

Juiz – muito bem. Depois que vocês conseguiram amarrá-lo que pegaram o dinheiro vocês compraram a droga?

Acusado – compremo.

Juiz – quantos reais vocês compraram de droga?

Acusado – vinte reais.

Juiz – quantos reais vocês tiraram da vitima?

Acusado – só esse dinheiro.

Juiz – aqui consta nos autos que foi cento e quarenta reais. Não foi cento e quarenta reais?

Acusado – não foi, foi só esse.

Juiz – depois que a vitima estava amarrada vocês a espancaram por quê?

Acusado – a gente começou numa brincadeira de ta batendo nele.

Juiz – eu vou te fazer uma pergunta, se tivessem feito isso com um filho teu ou teu irmão ou com teu pai, tu acreditavas que isso fosse uma brincadeira?

Acusado – excelência eu vou lhe dizer fiz isso mas levei numa brincadeira, se eu soubesse que ele ia levar a sério eu não tinha feito.

Juiz – quando um réu presta depoimento que ele apresenta as razões pelas quais assim procedeu, esse depoimento e essas razões elas tem que ser convincentes porque se elas forem absurdas não vão convencer o juiz. Você está tendo toda liberdade de dizer o que aconteceu mas da forma que você está apresentando fica incrível. Não é possível acreditar nisso, mas claro que você vai ter toda oportunidade do mundo para comprovar que o que está dizendo é verdade. Que fique claro que a parte da vitima é de extrema importância?

Juiz – você já tinha usado drogas antes em companhia da vitima?

Acusado – já.

Juiz – o C. M. já tinha usado droga antes com a vitima?

Acuado – não.

Juiz – quanto tempo a vitima passou amarrada?

Acusado – não passou vinte minutos.

Juiz – tu achas que isso é pouco?

Acusado – não sei nem lhe explicar excelência.

Juiz – depois que vocês soltaram a vitima o que aconteceu?

Acusado – nós soltemos ele ai ele pediu a bicicleta, “tu não vai pegar bicicleta ai não”, ai eu bati o pé e ele saiu correndo e eu fechei a borracharia e já estava armando minha rede para me deitar foi quando ele chegou com a policia

Juiz  – (lendo depoimento da vitima). Você estava usando faca?

Acusado – a faca era de cortar remendo na borracharia.

Juiz – sim mas você usou uma faca?

Acusado – usei uma faca na hora, só que os não cortemos, graças as Deus.

Juiz – ameaçaram ele para que não reagisse?

Acusado – não chegamos a ameaçar.

Juiz – (continuando a leitura do depoimento) – vocês amarraram a vitima com corda?

Acusado – com liga da borracharia.

Juiz – ele disse que recebeu socos no rosto e pontapés, vocês deram socos no rosto dele e pontapés?

Acusado – excelência foi só uma brincadeira.

Juiz – eu não estou perguntando se foi uma brincadeira.

Acusado – chute nós não demos, só fizemos a brincadeira dando na cabeça dele

Juiz – (continuando a leitura do depoimento) – não é verdade que tentaram asfixiar a vitima?

Acusado – não. (…)”

(fls.100/108)9Com a supressão de fragmentos tidos como irrelevantes para o deslinde da questão)

 

Do depoimento de E. T. S. vê-se várias contradições e várias afirmações inverossímeis.

Num determino excerto, por exemplo, o acusado disse que o ofendido chegou exibindo estar de posse de dinheiro e querendo comprar drogas para consumirem juntos, mas, ainda assim, desejando usar droga,  resolveram tomar o dinheiro do ofendido,o que, convenhamos, é incrível.

O acusado E. T. S. disse, ademais, que, depois de amarrado o ofendido, começaram uma brincadeira de tá batendo.

O acusado E. T. S. admitiu, dentre outras coisas, que, depois que soltou o ofendido, ficou de posse de sua bicicleta.

E. T. S. admitiu, finalmente, que usaram arma, mas que não cortaram o ofendido.

Quanto aos socos e pontapés, o acusado continuou argumentando que foi tudo uma brincadeira, como se fosse brincadeira amarrar uma pessoa, agredi-la e tomar-lhe o dinheiro que trazia consigo, para comprar droga.

Durante a instrução foi ouvida apenas uma testemunha do rol do Ministério PúblicoP. de J. M. –  a qual teve contato imediato com o ofendido e ainda flagrou os acusados usando merla e de posse de parte da res furtiva.

O depoimento da testemunha P. de J. M. é arrasador e, pelos detalhes que contém, dá conforto à palavra do ofendido colhida em sede extrajudicial.

A seguir, os principais fragmentos do depoimento de P. de J. M.,  verbis:

“(…)

Juiz – Me conte a historia como ela chegou ao seu conhecimento? Quais as providências que vocês tomaram? E o que vocês fizeram?

Testemunha – Bom, nos tomamos conhecimento desta ocorrência através de uma solicitação feita pela Academia de Polícia Civil. Lá se encontrava uma pessoa aos prantos, chorando, afirmando que tinha sido agredido,tinha passado varias horas amarrada por dois elementos em uma borracharia localizada nas proximidades da Vila Cascavel. Deslocamos para o local, para Academia de Policia, lá encontramos esta pessoa que ainda estava chorando e se queixando de dores e ao apanhá-la  nós nos deslocamos até a borracharia, e ele afirmava ter sido agredido, ter ficado amarrado por várias horas, ter sido ameaçado, que tinham lhe roubado uma quantia de dinheiro que eu não lembro agora o valor e que esse dinheiro as pessoas tinham usado inclusive pra comprar drogas e estavam usando drogas. Deslocamos para o local, ao chegar no local observamos dois elementos na borracharia ainda fazendo o uso de drogas, estavam consumindo drogas na nossa chegada, merla, inclusive, usada no cigarro comum. Adentramos a borracharia e solicitamos que eles chegassem pra parte da frente da borracharia que tem dois ambientes, a parte da frente com uma parede separando e a parte de trás aonde  fica um banheiro e uma areazinha, lá nessa  área era aonde eles estavam, mas deu pra observar aonde eles estavam e que estavam fazendo o uso drogas. Na nossa chegada, quando nós abrimos o portão que dá acesso a borracharia, eles perceberam a nossa chegada e vieram em nossa direção e dispensaram o uso da droga.

Juiz– As duas pessoas que você se refere são os dois acusados ?

Testemunha – sim, os dois acusados, estavam no interior da borracharia.

Juiz- pode prosseguir.

Testemunha – Na nossa chegada ele perceberam, jogaram a droga e vieram na nossa direção em frente a borracharia, ai demos voz de prisão: deita no chão, deita no chão. Aquele lá obedeceu com presteza, deitou no chão enquanto a gente fez a revista. O T. veio em nossa direção perguntando o que tinha acontecido, nós mandamos ele deitar e ele com dificuldade só deitou com o uso da força, foi necessário a gente usar força para ele deitasse.

Juiz- Porque que ele estava com dificuldade ?

Testemunha – Não sei

Juiz – Ele estava reagindo ?  

Testemunha –  Dizendo ele que conhecia as viaturas que passavam por lá eram acostumadas a encostar para concertar pneu e talvez por isso ele tenha tentado um pouco mais intimidar, ai com um pouco de dificuldade foi que ele deitou no chão, nós fizemos a revista  e encontramos, eu não lembro, além de cigarro que eles estavam usando parece que nós encontramos uma pequena quantidade de merla, não me recordo bem, aí ele o tempo todo insistindo que não era ladrão, não era marginal e eu disse : olha, eu não tenho nada a ver com essa história, você ta sendo acusado, nós viemos constatar uma situação, a bicicleta do rapaz esta aqui, as coisas dele estão aqui, vocês estavam fazendo o uso da droga, está tudo coincidindo com o que o rapaz falou, nós vamos levar você para a delegacia e lá vocês vão resolver os problemas de vocês, se for verdade ou não, o delegado que vai constatar a situação. Aí a vitima se queixou de que tinha sido roubada e que a bolsa dele estava lá, ele olhou uma bolsa porta cédula, nós pegamos, e ao pegar esta bolsa porta cédula o Tinoco havia dito que a porta cédula pertencia ao outro réu, abrimos a bolsa, encontramos alguns pertences dentro e perguntei pra ele o que tinha dentro da bolsa, ele não soube dizer, parece que tinha uma quantia em dinheiro, a quantia coincidiu, ai eu disse: tem alguma coisa mais, tem algum objeto dentro ? Ele disse que não, aí a vitima disse: tem sim, ai uma bolsinha do lado tem um brinco um brinco, eu encontrei um brinco, constatou-se que a bolsa era dele , diante disso nós fizemos a prisão e deslocamos para a delegacia para que fosse tomado o procedimento, foi apresentado na delegacia, só que a prisão em flagrante nós não estávamos mais na delegacia, em virtude da passagem de serviço nós chegamos e tava tendo a torça do delegado que tava saindo de plantão e pediu pra que a gente aguardasse a chegada do delegado que ia assumir o plantão, aguardamos cerca de um hora e meia, o delegado não chegou , nós passamos o serviço e de lá fomos embora.

Juiz- agora me diga uma coisa, você conversou com a vitima ? Além dessa verificarão que ela fez da bolsa, a vitima chegou a detalhar qual sofrimento tinha sido infringido a ela pelos acusados ?

Testemunha – tinha sido espancada, amarado, ameaçado, tinha sido levado o dinheiro dele que eles falaram em comprar a merla com o dinheiro da vitima.

Juiz – Você chegou a perceber se a vitima tinha alguma escoriação, ou alguma marca física que demonstrasse alguma violência física praticada contra ela ?

Testemunha – Não me recordo, mas ele reclamava de muita dor inclusive lá na porta da academia de policia ele não adentrou , ele ficou na porta , o segurança que solicitou a viatura quando passou a ocorrência disse que ele se queixava de muitas dores, tava chorando,e quando nós chegamos ele estava na mesma situação ainda, reclamando de dor.

Juiz –  E os acusados em algum momento tentaram justificar o que estavam fazendo ? Eles não chegaram a dizer , por exemplo, que tudo não se passava por uma brincadeira ?

Testemunha – não, só disse que o conheciam, que eram conhecidos.

Juiz –  E por tudo que você viu lá, pelo quadro que se constituiu na sua frente, pelo tu que presenciaste da reação da vitima , na situação deles usando drogas, te pareceu em algum momento que era uma brincadeira 

Testemunha – Não , não apareceu, o quadro não era de brincadeira porque a vitima inclusive, em um momento, chegou a agredir na hora que o Tinoco tava deitado no chão, agrediu com um chute o rosto do Tinoco. A afirmação dos acusados é que a vitima também era usuário de drogas, mas isso que não posso afirmar. (…)”(fls.188/191)(Com a supressão dos excertos que entendi irrelevante para o deslinde da questão).

 

Infere-se do depoimento da testemunha P. de J. M., que o quadro não era mesmo de brincadeira, como os acusados tentaram argumentar, objetivando se safar da grave acusação de terem cometido um crime de roubo triplamente qualificado.

O depoimento do ofendido, ademais, é mais do que esclarecedor acerca do que efetivamente ocorreu no dia do fato.

O ofendido, é verdade, não foi ouvido em sede judicial, mas o seu depoimento, tomado em sede administrativa, pode, sim, ser buscado para compor o quadro de provas, sem que, com isso, se cometa qualquer heresia jurídica ou se profane qualquer garantia constitucional dos acusados.

É que a prova administrativa só não pode ser buscada como dado adicional para decisão, se estiver isolada, ou seja, se não for  produzida nenhuma prova em sede judicial.

Mas a sede judicial, é bem de ver-se,  está prenhe de provas, com destaque, inclusive, para os depoimentos dos acusados, que admitem a autoria do crime, malgrado digam que tudo não passou de uma brincadeira, como se brincadeira fosse amarrar, torturar e subtrair bens de terceiros.

A verdade é que, analisada a prova colhida nas duas sedes, não se tem  nenhuma dúvida de que os acusados E. T. S. e C. M. S. R., em concurso, assaltaram o ofendido, com o objetivo de amealhar dinheiro para consumir merla.

O emprego de arma está mais do que demonstrado em face do depoimento de E. T. dos S., que, vê-se acima, disse que usaram faca só que não chegaram a cortar o ofendido.

Os acusados, lado outro, mantiveram a vítima em seu poder, por mais de quatro horas, restringindo a sua liberdade, do que resulta a caracterização, a mais não poder, da qualificadora do inciso V, §2º, do artigo 157 do CP, acrescentada pela Lei  9.426/96.

Acerca dessa qualificadora, é de relevo que se diga que o tempo de restrição da liberdade do ofendido extrapola em muito  a grave ameaça, própria do delito de roubo, daí a sua caracterização.

De tudo o que expus acima se pode concluir que os acusados malferiram, sim, o preceito primário do artigo 157 do CP, crime que restou triplamente qualificado – pelo concurso de pessoas, pelo emprego de arma e por terem restringido a liberdade do ofendido.

O crime em comento, ademais, restou consumado, pois que, quando o acusados foram presos, já tinham até usado o dinheiro do ofendido para consumir merla.

A consumação do crime de roubo, todos sabemos, se dá no exato instante em que o agente se torna possuidor da res mobilis, subtraída mediante violência ou grave ameaça, independentemente de sua possa mansa e pacífica.

A mais judiciosa doutrina seque na mesma direção, como se verá a seguir.

Guilherme de Souza Nucci, a propósito, afirma direto, sem delonga, incisivo que o momento consumativo do roubo se dá “quando o agente retira o bem da esfera de disponibilidade e vigilância da vítima

Júlio Fabbrini Mirabete, de seu lado, afirma, espancando, de vez, a tese da posse tranqüila da res, que o crime de roubo somente se consuma, como o furto, com a inversão da posse, ou seja, nos termos da jurisprudência francamente dominante, se o agente tem a posse mais ou menos tranqüila da coisa, ainda que por breve momento, fora de esfera de vigilância da vítima

René Ariel Dotti, a seu tempo e modo, ensina que o crime restará consumado, quando o sujeito ativo realiza em  todos os seus termos a figura delituosa, em que o bem jurídico penalmente protegido sofreu efetiva lesão  ou a ameaça de lesão que se exprime no núcleo do tipo

Na mesma direção é a lição de Fernando Capez, para quem ” o roubo se consuma no momento em que o agente subtrai o bem do ofendido”.  Prossegue o celebrado professor afirmando que ” subtrair é retirar contra a vontade do titular”, para, mais adiante, concluir que ” levando-se em conta esse raciocínio, o roubo estará consumado tão logo o sujeito, após o emprego de violência ou grave ameaça, retire o objeto material da esfera de disponibilidade da vítima, sendo irrelevante se chegou a ter a posse tranqüila ou não da res furtiva”

Na mesma toada é a lição do preeminente  e notável professor Luiz Regis Prado, segundo o qual o roubo próprio consuma-se com o efetivo apossamento da coisa, ainda que por lapso temporal exíguo, na posse tranqüila do sujeito ativo, que dela pode dispor” .

Na mesma senda é a ensinança do egrégio José Henrique Pierrangeli para quem o delito de roubo próprio consuma-se quando a coisa sai do âmbito de proteção do sujeito passivo e o sujeito ativo  tem a sua posse tranqüila, ainda que por  pouco tempo“.

Os Tribunais têm decidido, iterativamente, na mesma senda, ao proclamarem, à exaustão, que  a consumação do roubo se dá no momento da apreensão da coisa pelo agente, independentemente de haver ele exercido ou não posse duradoura e tranqüila. A rápida recuperação da coisa e a prisão do autor do delito não constituem motivos para operar-se a desclassificação do crime de roubo para a sua forma tentada”

No mesmo rumo é a decisão segundo a qual para a caracterização do roubo na forma consumada, basta que haja a inversão da posse da coisa subtraída, ainda que por breve momento, mediante a cessação da grave ameaça ou violência à pessoa

Não destoa a decisão que proclama que o crime de roubo se consuma quando a coisa subtraída sai da esfera de proteção e disponibilidade da vítima, ingressando na do agente, estando, ainda que por breve tempo, em posse mansa e tranqüila deste …

No mesmo sentido já decidiu, incontáveis vezes, o Tribunal de Alçada criminal de São Paulo , segundo o qual o crime de roubo se consuma a partir do momento em que a vítima tem o bem subtraído mediante violência ou grave ameaça, não se exigindo que o agente tenha posse tranqüila da res furtiva, sendo irrelevante que o acusado seja detido logo em seguida ao início da fuga”.

Importa grafar que, tratando-se de crime material, o que se exige, para sua consumação, é, tão-somente, a real e concreta diminuição do patrimônio do sujeito passivo, ainda que essa diminuição se dê de forma passageira.

Os acusados, subjetivamente, queriam e alcançaram o resultado (fim especial) que buscavam, qual seja, o de subtrair do ofendido coisa  móvel, mediante ameaça – exercida  com o emprego de faca –  e violência física.

Convém lembrar que a legislação, in casu, protege dois bens jurídicos distintos, quais sejam, o patrimônio (posse, propriedade, detenção) e a integridade física e psíquica do indivíduo, daí, a fortiori, a tipificação do crime de roubo antes referido.

Os acusados agora, em face de sua ação, têm que suportar a inflição de penas (privativa de liberdade e multa), em face da prática de fatos concretos que o legislador definiu como crime.

Os acusados, em face da mesma ação, devem suportar a majoração da resposta penal, porque, para consecução do crime, fizeram uso de arma e agiram em concurso – e, mais grave ainda, restringiram a liberdade do ofendido.

O albergado na prefacial, vejo das provas produzidas, se apresenta na integridade de seus elementos constitutivos.

A conduta dos acusados, salto aos olhos,  se enquadra, perfeitamente, no tipo abstrato descrito na lei penal.

O fato narrado na exordial, depois de coligidas as provas,  se enquadra na descrição legal da norma incriminadora do artigo 157, o que justifica a potestas coercendi dos órgãos do procedimento penal.

Os acusados E. T. S. e C. M. S. R., ao subtraírem os bens da vítima,  o fizeram  com a vontade, com a finalidade de ter a coisa para si (animus furandi ou animus rem sibi habendi), que independe do intuito de lucro (abemos lucri faciendi).

A conduta dos acusados, ao agredirem,  ao atentarem contra o  patrimônio da vítima, é antinormativa e o fato  materialmente típico, devendo, por isso, ser responsabilizados pessoalmente pela ação reprochável.

Dos acusados esperava-se, exigia-se que agissem de conformidade com o direito, o que não fizeram, entrementes,  daí a necessidade de que seja aos mesmos  irrogadas as penas correspondentes.

Conduta, de jure constitute, é a ação ou omissão consciente e dirigida a determinada finalidade. É um comportamento humano, com repercussão externa da vontade do agente.

Força é dizer que, in casu, os acusados não se limitaram a planejar, a pensar o assalto, hipótese em que não haveria que cogitar-se da prática de crime, pois que “o pensamento e o querer humanos não preenchem as características da ação enquanto não tenha iniciado a manifestação exterior dessa vontade“.

Os acusados não tiveram  a motivar a sua ação, a sua conduta nenhum agente externo. Nenhuma força exógena os impulsionou para o delito. Tinham total domínio do fato, sabiam o que estavam fazendo, não tinham a sua capacidade psíquica diminuída, não foram submetidos a nenhuma força física irresistível.

Os acusados, é verdade, tiveram a impulsioná-los uma força física interna, mas resistível. A força física que elimina a conduta deve provir de fora do sujeito, id. est. deve ser externa.

Os acusados, viu-se à exaustão, transgrediram o preceptivo (ou regra primária) da  norma penal incriminadora, porque praticaram um fato típico, daí ter-se dirigido a eles a pretensão punitiva do Estado, que culminará, agora, com a inflição de penas (regra secundária).

A regra secundária da norma incriminadora, é consabido, é o instrumento de que se vale a tutela jurídica estatal, para garantir a obediência aos imperativos contidos no preceito primário da norma.

O mandamento primário do artigo 157 do CP definiu o ato ilícito, estabelecendo ser crime “subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência.

Desobedecida a norma preceptiva pelos acusados e atingindo os mesmos bens jurídicos tutelados penalmente, fizeram nascer para o Estado, disse-o acima, o direito de penetrar no seu status libertatis, para privá-los, através da medida sancionadora correspondente, de um bem – a liberdade – até então garantido e intangível.

O Estado não pode deixar, diante de um crime, de aplicar a pena aos transgressores, sob pena de estabelecer-se a anarquia, que nos levaria ao caos social. É, pois, com a pena que se estabelece o necessário controle social, com o que se prende evitar que comportamentos desse jaez se realizem.

Importa grafar, agora, que, em face das considerações supra, restaram enfrentadas as teses da defesa, no que com elas conflitam com esta decisão, sendo  desnecessário, pois, a adição de qualquer outro argumento.

Resulta do exposto que, conquanto não se tenha enfrentado,  ponto  ponto, a tese da defesa, aqui não se está a editar sentença nula

Os Tribunais não estão infensos a esse entendimento, como se colhe das ementas abaixo, verbis:

 

PROCESSUAL PENAL – HABEAS CORPUS – ART. 12 DA LEI Nº 6.368/76 – SENTENÇA – NULIDADE – NÃO APRECIAÇÃO DE TESE DA DEFESA – ILICITUDE DE PROVAS – I – A sentença que, ao acolher a tese da acusação, contém satisfatória menção aos fundamentos de fato e de direito a ensejar o Decreto condenatório, não é nula, apenas pelo fato de não se referir explicitamente à tese da defesa, mormente se, pela sentença condenatória, restou claro que o Juiz adotou posicionamento contrário. (Precedentes). II – In casu, se a r. Sentença penal condenatória reputou válido o flagrante, nos termos do art. 5º, XI da Constituição Federal, automaticamente afastou a tese da defesa de ilicitude das provas obtidas, em razão da ausência de mandado judicial. Writ denegado.

 

No mesmo sentido:

 

PENAL E PROCESSUAL PENAL – HABEAS CORPUS – ART. 214, C/C 224, “A”, DO CP – SENTENÇA CONDENATÓRIA – NULIDADE – OMISSÃO – EXAME DE TESE DA DEFESA – DESCLASSIFICAÇÃO PARA O ART. 61 DA LCP – Não é omissa a decisão que, fundamentadamente, abraça tese contrária à da defesa. No caso, reconhecido o atentado violento ao pudor com violência presumida, a rejeição da tese de desclassificação para a contravenção do art. 61 da LCP, por redundância, não precisava ser formalmente explicitada Precedentes do STJ e do Pretório Excelso). Ordem denegada.

 

Tudo de essencial posto e analisado, julgo procedente a denúncia, para, de conseqüência, condenar  os acusados E. T. S. e C. M. S. R. por incidência comportamental no artigo 157,§2º, I,  II e V, do CP, cujas penas passo a fixar a seguir:

 

Þpara o acusado E. T. S.,  brasileiro, solteiro, borracheiro, filho de R. L. S. e M. do R. T. S., residente e domiciliado na Avenida Independência, nº 07, Vila Cascavel, nesta cidade, fixo as penas-base fixo em 04(quatro)anos de reclusão e 10(dez)DM, à razão de 1/30 do SM vigente à época do fato, sobre as quais faço incidir mais ½, em face das causas especiais de penas previstas nos incisos I, II e V, do §2º, do artigo 157, do CP, totalizando, definitivamente, 06(seis)anos de reclusão e 15(quinze)DM, as quais torno definitivas, devendo a pena privativa de liberdade ser cumprida, inicialmente, em regime semi-aberto, ex vi legis;

 e  

Þ para o acusado  C. M. S. R., brasileiro, solteiro, pedreiro e borracheiro,  filho de J. R. R. e M. de J. S. R., residente e domiciliado na Avenida Independência, nº 07, Vila Cascavel, nesta cidade, fixo as penas-base fixo em 04(quatro)anos de reclusão e 10(dez)DM, à razão de 1/30 do SM vigente à época do fato, sobre as quais faço incidir mais ½, em face das causas especiais de penas previstas nos incisos I, II e V, do §2º, do artigo 157, do CP, totalizando, definitivamente, 06(seis)anos de reclusão e 15(quinze)DM, as quais torno definitivas, devendo a pena privativa de liberdade ser cumprida, inicialmente, em regime semi-aberto, ex vi legis.

                                   

P.R.I.C.

Com o trânsito em julgado desta decisão, lançar o nome do réu no rol dos culpados e extrair Carta de Sentença.

Remetam-se os autos principais, depois de expedida a necessária carta de sentença, ao arquivo, com a baixa em nossos registros.

Façam-se as comunicações necessárias, especialmente à distribuição, para os devidos fins.

Custas, na forma da lei.

São Luis, 19 de novembro de 2008.

Juiz José Luiz Oliveira de Almeida

            Titular da 7ª Vara criminal

 

 


Lembremos, ainda, que o monopólio de distribuição de justiça e o direito de punir cabem, como regra, ao Estado, vedada a autodefesa e a autocomposição. Evita-se, com isso,  que as pessoas passem a agredir umas as outras, a pretexto de estarem defendendo seus direitos (Guilherme de Souza Nucci, in Manual de Processo e Execução Penal, Editora revista dos Tribunais, 2005, p.157)

Como se sabe, a aplicação de sanções é, hoje, função privativa do Estado, isto é, o Estado é o único autorizado a impor uma pena a um infrator, ainda que essa pena seja determinada por lei.

    Dessa forma, é preciso assegurar um meio pelo qual a ocorrência do crime chegue ao conhecimento do Estado. Se isso não ocorrer – se um órgão do Estado não vier a conhecer com mínima precisão o autor e as circunstâncias da prática delituosa – abre-se oportunidade para que ocorram inúmeras injustiças, consubstanciadas na condenação de pessoas inocentes, ou na impunidade de que seja culpado.( Edílson Mougenot Bonfim, Curso de Processo Penal, 4ª edição, Editora Saraiva,  2008, p.97) 

O sistema acusatório por nós adotado coloca o juiz na verdadeira função de órgão estatal eqüidistante do conflito de interesse entre as partes. O juiz julga e aplica a lei, porém quem assume o papel de manifestar a pretensão punitiva é o Ministério Público. ( Paulo Rangel, Direito Processual Penal, Lúmen Júris, 2001, p.287)

O inquérito policial tem conteúdo e informativo, mas as provas nele albergadas podem, sim, ser buscadas para compor, integrar fortalecer o conjunto probatório. Os princípios do contraditório e da ampla defesa, é verdade, não se aplicam no inquérito policial, mas nem por isso se pode deixar de buscar dados nele  coligidos para composição da prova judicial. O que não se pode, sob qualquer pretexto, é decidir com base exclusivamente em provas extrajudiciais. 

O Estado e o titular exclusivo do direito de punir que só se efetiva mediante o processo legal, o qual tem início com a propositura da ação penal. Segue que, em regra, cabe aos órgãos do próprio Estado a tarefa persecutória. Entre nós, atribui-se a investigação prévia à autoridade policial (polícia civil ou polícia federal, CF, art. 144, incisos e parágrafos) ou àquelas autoridades administrativas a quem a lei  cometa a mesma função, qual, a de polícia judiciária(CPP, art. 4º parágrafo único), ao passo que a ação penal pública fica a cargo exclusivo do Ministério Público. (CF, art.129, I) (Fernando Capez,  Curso de Processo Penal, 13ª edição, Saraiva, 2005, p.117) 

“Dos mais importantes no processo acusatório é o princípio do contraditório (ou da bilateralidade da audiência), garantia constitucional que assegura a ampla defesa do acusado (artigo 5º, LV).  Segundo ele, o acusado goza do direito de defesa sem restrições, num processo em que deve estar assegurada a igualdade das partes” (Júlio Fabbrini Mirabete, Processo Penal, 17ª edição, Editora Atlas, 2005, p. 47).  

Guilherme de Souza Nucci,in Manual de Direito Penal, Editora Revista dos Tribunais,  2005, p. 664

Júlio Fabbrini Mirabete, in Código Penal Anotado, ob. cit., p. 951

René Ariel Dotti, in  Curso de Direito Penal, Parte Geral, 2ª Edição, Editora Forense, p. 325/326

Fernando Capez, in Curso de Direito Penal,.Parte especial, Vol. II, Saraiva, . p.399

Luiz Regis Prado, in in Curso de Direito Penal brasileiro,Vol. II, Editora Revista dos Tribunais, 5ª Edição, 2005, . p.440.

José Henrique Pierangeli, in Manual de Direito Penal brasileiro, Parte Especial, Editora Revista dos Tribunais,  2005, p.375.

TJAP – ACr 171003 – (6781) – C.Única – Rel. Des. Honildo Amaral de Mello Castro – DOEAP 02.06.2004 – p. 22.

TJAP – ACr 146502 – C.Ún. – Rel. Juiz Conv. Luciano Assis – DJAP 19.04.2004 – p. 12).

TJES – ACr 035980222133 – 1ª C.Crim. – Rel. Des. Sérgio Luiz Teixeira Gama – J. 30.06.2004

Apelação nº 1.330.205/0, Julgado em 03/10/2.002, 8ª Câmara, Relator: Roberto Midolla, RJTACRIM 63/128

Julio Fabrini Mirabete   in Manual de Direito Penal, Vol. 7ª edição, Atlas, pg. 100

STJ – HC 34618 – SP – 5ª T. – Rel. Min. Felix Fischer – DJU 13.12.2004 – p. 00388) JCF.5 JCF.5.XI ) 

STJ – HC 35917 – MS – 5ª T. – Rel. Min. Felix Fischer – DJU 08.11.2004 – p. 00261) JCP.214 JCP.224 JCP.224.A JLCP.61 

Art. 33 – A pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado, semi-aberto ou aberto. A de detenção, em regime semi-aberto, ou aberto, salvo necessidade de transferência a regime fechado. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

        § 1º – Considera-se: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

        a) regime fechado a execução da pena em estabelecimento de segurança máxima ou média;

        b) regime semi-aberto a execução da pena em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar;

        c) regime aberto a execução da pena em casa de albergado ou estabelecimento adequado.

        § 2º – As penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma progressiva, segundo o mérito do condenado, observados os seguintes critérios e ressalvadas as hipóteses de transferência a regime mais rigoroso: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

        a) o condenado a pena superior a 8 (oito) anos deverá começar a cumpri-la em regime fechado;

        b) o condenado não reincidente, cuja pena seja superior a 4 (quatro) anos e não exceda a 8 (oito), poderá, desde o princípio, cumpri-la em regime semi-aberto;

        c) o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.