Sentença condenatória, com indeferimento de instauração de incidente de sanidade mental

 

Cuida-se de sentença condenatória.

Em determinado excerto da decisão a seguir publicada, depois de exaustivo exame da prova colacinada, consignei, verbis:

 

  1. Provar, conceitualmente, é a atividade realizada, em regra, pelas partes, com o fim de demonstrar a veracidade de suas alegações.
  2. Provar é iluminar o espírito do julgador para que ele possa exercer o poder jurisdicional que tem. A prova é, enfim, a alma do processo.
  3. Posso afirmar, a par do exposto, que o processo sub examine restou iluminado em face das provas produzidas, deixando transparecer, quantum satis, que o acusado, efetivamente, com sua ação, malferiu o preceito primário do artigo 157, do CP.

 


A seguir, a sentença, integralmente.

Processo nº 218882008

Ação Penal Pública

Acusado: D. F. C.

Vítimas: F. C. F. A. e D. de J. da C.

 

 

 

Vistos, etc

 

Cuida-se de ação penal que move o Ministério Público contra D. F. C., vulgo Denis, por incidência comportamental no artigo 157,§2º, I e II, do Codex Penal, em face de, no dia 20/08/2008, por volta das 12h00, contando com o concurso de outro indivíduo alcunhado Xandeco, com uso de faca, na Praça da Ressureição, ter assaltado F. C. P. e D. de J. da C., de que subtraiu os seus pertences, os quais foram presos em seguida, nas proximidades do Bradesco do Anjo da Guarda, já detidos por populares.

A persecução criminal teve início com a prisão em flagrante do acusado.(fls.07/16)

Recebimento da denúncia às fls. 38/40.

A defesa, na peça preliminar, pediu que, no caso de condenação, seja reconhecida a atenuante decorrente da menor idade do acusado. (fls.48/50)

Durante a instrução criminal foram ouvidas as testemunhas/vítimas D. de J. da C.(fls.70/71), I. A. D. P.(fls.72/73) J. R. da S.(fls.74/75) e F. C. F. A.(fls.76/77)

O acusado foi interrogado e qualificado às fls. 78//81.

O Ministério Público, em alegações finais, pediu a condenação do acusado por incidência penal nos termos da denúncia.(fls.83/85)

A defesa, de seu lado, pediu a desclassificação da imputação inicial, em face de não ter sido provada a ameaça com emprego de arma, para o artigo 155,§4º, IV, do CP.(fls.86/88)

A defesa reiterou o pedido, no sentido de que o acusado fosse submetido a exame de insanidade mental, que fosse considerada a atenuante decorrente de sua idade à época do fato, que seja a pena fixada no mínimo legal, em face de as circunstâncias judiciais do artigo 59 lhe serem favoráveis e que, finalmente, seja permitido recorrer em liberdade.(fls.86/88)

 

 

Relatados. Decido.

 

Cuidam os autos presentes de ação penal que move o Ministério Público (art.129, I, CF, c/c 257, I, CPP), órgão acusador oficial do Estado, contra D. F. C., por incidência comportamental no artigo 157,§2º, I e II, do Digesto Penal, em face de, no dia 20 de agosto do corrente, ter assalto F. C. F. A. e D. de J. da C., de quem subtraiu os aparelhos celulares.

A denúncia, conquanto não descreva os bens subtraídos das ofendidas, é juridicamente idônea, pois que “contém exposição clara e objetiva dos fatos alegadamente delituosos, com a narração de todos os elementos essenciais e circunstancias que lhe são inerentes”, permitindo ao acusado “o exercício pleno do direito de defesa assegurado pelo ordenamento constitucional”.

O roubo nada mais é que o furto qualificado pela violência ou grave ameaça à pessoa. O núcleo típico é igualmente subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel.

Antes de analisar as provas amealhadas, devo enfrentar o pedido de exame de sanidade mental formulado pela defesa, por ocasião das alegações finais orais.

A propósito do pleito da defesa, já indeferido antes do início da instrução, importa dizer que, para que seja o autor de um fato criminoso submetido a exame de sanidade mental, é necessário que assomem nos autos dúvidas razoáveis a respeito de sua higidez mental. É o que se infere da dicção do artigo 149 do CPP.

06.00. Nos autos sub examine, não vislumbrei que o acusado padecesse de alguma patologia que o tornasse incapaz de entender o caráter criminoso do fato de determinar-se acordo com esse entendimento.

É verdade que o acusado informou que já fez tratamento com remédio controlado, dado que, isolado, desde meu olhar, não autoriza a instauração do incidente, mesmo porque a defesa não trouxe aos autos nenhuma prova material do que alegou.

Fiz o interrogatório do acusado e pude perceber, pelas respostas coerentes que deu às perguntas formuladas, que o mesmo goza de plena capacidade mental, o que me faz crer, à falta de prova do alegado, que, à época do fato, tinha plena consciência do que fazia.

Repito que a submissão do acusado a exame de sanidade mental ocorre somente quando há dúvidas razoáveis acerca de sua integridade mental.

Guilherme de Souza Nucci, a propósito, preleciona que, para instauração do incidente, “é preciso que a dúvida a respeito da sanidade mental do acusado ou indiciado seja razoável, demonstrativa de efetivo comprometimento da capacidade de entender o ilícito ou determinar-se conforme esse entendimento”.

O mesmo autor, complementa ensinando que “Crimes graves, réus reincidentes ou com antecedentes, ausência de motivo para o cometimento da infração, narrativas genéricas de testemunhas sobre a insanidade do réu, entre outras situações correlatas, não são motivos suficientes para a instauração do incidente”.

O Tribunal de Justiça de São Paulo, em decisão lapidar, estabeleceu que “Somente cabe ao juiz, através de sua prudência e critério, verificar se a dúvida sobre a integridade mental do acusado é razoável para determinar ou não a perícia.

Mais adiante, na mesma decisão, o mesmo Sodalício concluiu no sentido de que se não lhe fosse permitido ao juiz indeferir o pedido formulado nesse sentido, “não seria este um requerimento, mas uma imposição”.

Na mesma senda tem decidido o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, ou seja, no sentido de que “Não se verificando em qualquer momento, dúvida razoável sobre a integridade mental do acusado ou circunstâncias reveladoras de desequilíbrio ou deficiência, prima facie, a isentá-lo ou torná-lo inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento, deve ser indeferido o seu pedido de exame de sanidade mental”.

É preciso que se registre que o só fato de alguém ter se submetido a tratamento psiquiátrico não o torna, necessariamente, incapaz de determinar-se. Se assim o fosse, o mundo estaria prenhe de insanos, dentre os quais, o signatário desta decisão.

A defesa, é preciso convir, além da noticia de que o acusado já se submeteu a tratamento psiquiátrico, não trouxe qualquer elemento indicativo de que fosse, ao tempo do fato, incapaz de entender o caráter criminoso do fato, razão pela qual, mais uma vez, indefiro o pleito da defesa.

Indeferido o pleito da defesa, passo ao exame do patrimônio probatório albergado nos autos, para, alfim, definir se o acusado, efetivamente, atentou contra a ordem pública, fazendo subsumir a sua ação no artigo 157 do CP, como pretende o Ministério Público.

A persecução criminal (persecutio criminis) se desenvolveu em dois momentos distintos, ou seja, em sedes administrativa e judicial, tal como preconizado no direito positivo brasileiro.

Na primeira fase da persecução, que, já se sabe, teve início com o auto de prisão em flagrante do acusado, avultam com singular importância os depoimentos das ofendidas (fls.10 e 11) e a confissão do acusado.(fls.12)

Com a confissão do acusado e com a palavra das ofendidas, encerrou-se a fase preambular da persecução criminal, tendo sido deflagrada (deflagrare) a persecução penal em seu segundo momento (artigo 5º, LIV, da CF)( nemo judex sine actore; ne procedat judex ex officio) com o Ministério Público (artigo 5º, I, da CF) , na proemial (nemo in indicium tradetur sine accusatione), denunciado o D. F. C. por incidência comportamental no artigo 157,§2º, I e II, do Codex Penal.

Em sede judicial, a sede das franquias constitucionais (artigo 5º, LV, da CF) , o acusado ofertou sua defesa preliminar, tendo pedido, alfim e ao cabo, que, no caso de condenação, sejam reconhecidas as atenuantes decorrentes da idade do acusado à época do fato e de sua confissão.(fls.48/50)

Em seguida foram produzidas as provas testemunhais, com destaque para os depoimentos das ofendidas, os quais vou analisar a seguir.

A vítima D. de J. da C., ad exempli, a propósito da ação do acusado e do seu comparsa, afirmou, verbis:

 

Processo N.º218882008

Inquirição da Testemunha D. de J. da C.

 

Juiz: A senhora é parente, amiga ou inimiga das partes?

Testemunha: Não.

Juiz: A senhora deixou claro aqui que não queria depor na frente do acusado. Tem algum motivo importante para que a senhora queira isso?

Testemunha: Tenho medo de prestar depoimento na frente dele porque ele pode ser solto e me reconhecer e querer fazer algum mau.

Juiz: Então é por esse motivo que a senhora pediu que nós retirássemos o acusado desta sala?

Testemunha: Sim.

Juiz: Vou dá a palavra ao Ministério Público para que faça algumas perguntas.

Ministério Público: Fale-nos do que a senhora se recorda daquele dia.

Testemunha: Eu e a minha vizinha fomos deixar curiculum numa empresa perto da Praça da Ressurreição. E lá perto do muro da Caema tinha o D. e do outro lado da rua tinha um outro. Nós vimos um fazer sinal para o outro, mas nem ligamos e continuamos andando, atravessando a rua. Nisso o D. abordou a F. dizendo que era um assalto. Ele estava com uma faca na cintura. Daí o outro menino começou a pegar nossos celulares. Tanto o meu celular quanto o dela estavam no bolso dela, pois eu estava com uma calça sem bolso. Nisso eles saíram correndo e eu sai correndo em direção a um trailer que fica na outra praça, comunicamos aos policiais e a gente foi na viatura ver se encontrávamos, mas ai o policial recebeu uma ligação dizendo que tinha pego um. Nisso eles levaram a gente pra Delegacia da Vila Embratel e depois eles disseram que tinha que ser na Delegacia da Madre Deus que era pra menores, mas lá eles disseram que tinha que voltar pra Vila Embratel, pois ele já era maior de idade.

Ministério Público: O que levaram de vocês?

Testemunha: Só os dois celulares.

Ministério Público: Vocês conseguiram reaver?

Testemunha: Não. Eu só recuperei o chip, pois no mesmo dia eu bloqueei e com um mês eu recuperei.

Ministério Público: Vocês foram até o local onde ele havia sido preso?

Testemunha: Não. Quando chegamos ao trailer ele já estava lá.

Ministério Público: Vocês o reconheceram de imediato?

Testemunha: Reconhecemos sim. Eu nunca esqueci o detalhe da roupa que ele estava. Uma camisa vermelha e uma bermuda creme. Não tenho dúvidas que era ele.

( fls.70/71)

 

A vítima D. de J. da C., pode-se ver, não deixa dúvidas acerca da ocorrência do crime, de sua autoria, do concurso de pessoas e do emprego de arma.

A ofendida, ademais, não deixa dúvidas acerca do concurso de crimes e da consumação dos mesmos.

A ofendida F. C. F. A., também foi ouvida, tendo, da mesma forma, narrado os fatos de modo a não deixar dúvidas acerca da ocorrência dos crimes, do concurso de pessoas, do emprego de arma, do concurso de crimes e de sua consumação.

A seguir, os principais fragmentos do depoimento de F. C. F. A., verbis:

 

Processo nº.218882008

Depoimento de F. C. F. A.

Juiz- A senhora foi vítima nesse processo, não é isso?

Testemunha- Fui.

Juiz – A senhora foi assaltada. Então, a senhora não vai prestar compromisso. Com a palavra, o Ministério Público.

Promotor – O que tu te recordas daquele assalto na Praça da Ressurreição? Conte para nós.

Testemunha – A gente tava vindo de entregar (incompreensível) ali pela Praça da Ressurreição e dois caras abordou a gente, perto da CAEMA. Foi o D. e o outro. O Denílson botou a faca aqui na minha costa e o outro recolheu os celulares. Ai no momento eles saíram correndo e a gente saiu correndo para o trailler, ai falamos com os policiais e eles colocaram a gente dentro do camburão pra ver se a gente aolhava os acusados. Ai nós não olhamos. Ai os mototaxista achou o D. e levou ele pro trailler.

Promotor – Ai vocês voltaram para o trailler?

Testemunha – Voltamos.

Promotor – Chegando lá vocês encontraram com o Denílson.

Testemunha – Foi.

Promotor – Você reconheceu o D. lá no trailler como sendo a pessoa que assaltou você?

Testemunha – Reconheci.

Promotor – Você não tinha nenhuma dúvida de que a pessoa presa pelos mototaxista foi a mesma que assaltou você?

Testemunha – Nenhuma dúvida.

Promotor – O que vocês perderam nesse assalto?

Testemunha – Dois celulares.

Promotor – Só?

Testemunha – Só.

Promotor – Você recuperou o seu celular?

Testemunha – Não.

Promotor – Nunca mais viu o seu celular?

Testemunha – Não.

Promotor – Perdeu?

Testemunha – Perdeu.

Promotor – O D. encostou a faca em você?

Testemunha – Em mim.

(fls. 76/77).

 

27.00. As testemunhas I. A. D. P.(fls.72/73) e J. R. da S. (fls.74/75) do rol da defesa, nada souberam informar acerca do crime, limitando-se a falar sobre a conduta do acusado.

28.00. Após, o acusado foi interrogado, tendo confessado o crime, muito embora afirme que não estava armado. Mas admite que cometeu o crime em companhia do alcunhado Xandeco. (fls.78/81)

29.00. A seguir, os principais excertos do depoimento do acusado, verbis:

 

Processo nº.218882008

Depoimento de D. F. C.

Promotor – É verdade que você, armado com uma faca, assaltou a sra. F. e a sra. D., na Praça da Ressurreição, lá no Anjo da Guarda?

Acusado – Eu não tava armado não.

Promotor – E quem estava armado?

Acusado – Foram os populares que deram lá pro policial e ele apresentou.

Promotor – E o que aconteceu nesse dia na Praça da Ressurreição?

Acusado – Eu não cheguei a roubar ela não. O rapaz que tava comigo que pegou os dois pertences dela.

Promotor – Me conta então como aconteceu a coisa, desde o princípio.

Acusado – Eu tava dormindo, ai eu acordei pra comprar o pão. Ai eu encontrei com o rapaz no caminho da padaria.

Promotor – Como é o nome desse rapaz?

Acusado – Xandeco.

Promotor – Você conhece o Xandeco lá do bairro?

Acusado – É.

Promotor – E aí? O que aconteceu?

Acusado – Ai ele me chamou pra ir com ele fazer o assalto. Ai chegou lá eu agarrei a menina e ele pegou os dois pertences dela.

Promotor – O que ele pegou dela, da vítima?

Acusado – Os dois pertences celular.

Promotor – Dois celulares?

Acusado – Isso.

Promotor – E depois?

Acusado – Ai a gente correu. Ele correu por uma rua e eu por outra. Ai nós se encontramos na avenida, ai um carro parou na nossa frente. Ai os cara da moto chegaram, me agarraram e me levaram pros policial.

Promotor – Quem são os caras da moto? São motoqueiros da polícia.

Acusado – Não, são populares.O cara do táxi.

Promotor – Mototaxista?

Acusado – Não, o cara do carro da frente.

Promotor – Ah, o carro que interceptou vocês era um táxi?

Acusado – Era.

Promotor – Depois foram motoqueiros que pegara vocês?

Acusado – Isso.

Promotor – Ai vocês foram levados pra onde?

Acusado – Pro trailer.

Promotor – As duas moças que foram assaltadas por vocês, reconheceram vocês? Apontaram vocês?

Acusado – Sim.

Promotor – Você foi reconhecido?

Acusado – Sim.

Promotor – E depois? O que aconteceu?

Acusado – Ai veio uns populares lá e entregaram uma lâmina pro policial pra dizer que eu tava com ela, e apresentou. Ai eles mandaram eu assinar o “fragrante” lá na delegacia. Ai eu disse que eu só ia assinar na presença da minha mãe, ai eles pegaram e forçaram eu assinar.

Promotor – Você foi levado para qual delegacia?

Acusado – Pra da Vila Embratel.

Promotor – Os celulares das vítimas foram recuperados e devolvidos pra elas?

Acusado – Ai eu não sei não.

Promotor – Xandeco também foi preso nesse dia ou só você?

Acusado – Só eu porque ele tem raiva de mim.

Promotor – Xandeco tinha raiva de você?

Acusado – Não, o policial. Ai ele soltou ele. Só deu umas porrada nele e soltou ele, e me levou.

Promotor – Xandeco foi pego e o policial soltou Xandeco logo em seguida?

Acusado – Isso.

Promotor – E você não? Você foi levado pro plantão ser autuado em flagrante.

Acusado – Foi. Ai eu fui pra cadeia nova, fui pra triagem e ai lá eles me colocaram na CCPJ do Anil.

Promotor – Satisfeito, Excelência.

Juiz – Dr. G., o senhor tem perguntas?

Defensor – Tenho, Excelência.

Juiz – Com a palavra, a defesa.

Defensor -D., diante dessa situação ai que tu narrou, você está arrependido?

Acusado – Eu tô porque eu não me sinto muito bem preso não.

Defensor -Esse tempo e prisão tem causado sofrimento pra ti ou pra tua família?

Acusado – Tem muito pra mim, porque ali naquela cadeia nova eles torturam muito as pessoas.

Defensor – E se fosse em outra cadeia, que não houvesse tortura, tu não estarias arrependido?

Acusado – Eu ia ficar arrependido sim, porque eu não fico muito tempo assim, longe de casa.

Defensor – Se tu viesse a ser solto, tu ia fazer o quê?

Acusado – Eu ia trabalhar pra ajudar meu pai e minha mãe.

Defensor -E se tu tivesse uma nova oportunidade, um novo assalto pra ti ganhar dinheiro fácil, tu faria de novo?

Acusado – Não senhor.

Defensor – Só isso.

Juiz- depoimento encerrado.(fls. 78/81)(com a supressão dos excertos irrelevantes para o deslinde da questão)

 

Com esses dados encerrou-se a instrução.

Provar, conceitualmente, é a atividade realizada, em regra, pelas partes, com o fim de demonstrar a veracidade de suas alegações.

Provar é iluminar o espírito do julgador para que ele possa exercer o poder jurisdicional que tem. A prova é, enfim, a alma do processo.

Posso afirmar, a par do exposto, que o processo sub examine restou iluminado em face das provas produzidas, deixando transparecer, quantum satis, que o acusado, efetivamente, com sua ação, malferiu o preceito primário do artigo 157, do CP.

O acusado, com Xandeco, com arma branca, assaltaram as ofendidas F. C. F. e D. de J. C.das quais subtraíram os aparelhos celulares que traziam consigo.

Com efeito, da ofendida F. C. F. Amorim foi subtraído um aparelho celular Samsung, cor prata, enquanto que de D. de J. C. foi subtraído um aparelho celular marca Nokia, cor preta.

Os bens subtraídos, é de relevo que se diga, desfalcaram o patrimônio das ofendidas definitivamente, razão pela qual se pode afirmar que os dois crimes restaram consumados.

Como se pode inferir da prova produzida, o acusado – e comparsa – , com a mesma ação, dividida em dois atos, praticou dois crimes – um contra o patrimônio de F. C. F. A. e outro, contra o patrimônio de D. F. C., daí a caracterização do concurso formal.

Na lição de Mougenot “o resultado da atividade probatória deve levar o juiz a um estado de certeza. Somente este,obtido por meio da valoração da prova, é que poderá fundamentar uma condenação ou uma absolvição com fundamento no artigo 386, I, III, IV ou VI, 1ª parte do CPP”.

A par da lição de Mougenot, posso afirmar que o processo sub examine, como instrumento de retrospecção, de reconstrução de um fato histórico, alcançou os fins a que se propunha, pois que, após a valoração das provas, se pode concluir, sem a mais mínima hesitação, sem dúvidas, que o acusado – e comparsa – fez subsumir a sua ação no preceito primário do artigo 157 do CP.

Nessa linha de pensar, não se pode esquecer que “O processo penal é um instrumento de retrospecção, de reconstrução aproximativa de um determinado fato histórico. Como ritual, está destinado a instruir o julgador, a proporcionar o conhecimento do juiz por meio da reconstrução histórica de um fato.”

As provas produzidas, repito, proporcionaram o reconhecimento, a certeza, enfim, de que o acusado atentou, duas vezes, seguidamente, contra a ordem jurídica, razão pela qual deve, agora, suportar as conseqüências da ação réproba.

No caso presente está tipificado o crime de roubo próprio, pois que a ameaça contra a pessoa para subtração da res mobilis foi exercida durante a execução da subtração, como meio utilizado para a sua efetivação.

O acusado, importa grafar, queria o resultado que acabou por alcançar, id est, queria desfalcar o patrimônio das ofendidas, para ter a res substracta para si, daí o fim especial da subtração (dolo específico)

O acusado, agora, em face de sua ação, terá que suportar a inflição de penas, merecida em face de um fato concreto, ou seja, dos crimes que praticou.

A pena, todos sabemos, “é a perda de bens jurídicos imposta pelo órgão da justiça a quem comete crime”. É o direito penal em sua essência retributiva, “operando um mal ao transgressor”.

O acusado, em face de sua ação, têm que se submeter à sanção penal, traduzindo em penas privativa de liberdade e multa, consistindo estas “num mal imposto ao transgressor em virtude da violação da norma jurídica”.

Como anotei acima, ligeiramente, na ação do acusado restou configurado o concurso formal de crimes, devendo, por isso, suportar as conseqüências da exacerbação da resposta penal, vez que segundo a dicção do artigo 70 do CP, “Quando o agente, mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplica-se-lhe a mais grave das penas cabíveis ou, se iguais, somente uma delas, mas aumentada, em qualquer caso, de um sexto até metade”

A propósito do concurso formal, importe consignar que “não pode receber a mesma pena quem rouba uma única pessoa e aquele que assalta duas ou mais, em face do resultado plúrimo da ofensa”.

Na mesma linha de pensar grafo que “embora haja pluralidade de eventos, em seqüência, quando se apresentem fundidos como resultado de uma conduta material e subjetivamente única, configura-se um concurso ideal de infrações e não crime continuado”.

Vou adiante no raciocínio, ainda sob o mesmo tema, para dizer que “configura-se o concurso formal de crimes se o agente, mediante uma só ação, ainda que por vários atos, comete dois ou mais crimes, com ofensa a dois ou mais bens jurídicos”.

Nessa mesma linha de argumentação, releva gizar que ” configura-se concurso formal de delitos e não crime continuado na conduta de quem subtrai vários objetos pertencentes a pessoas diversas, de forma simultânea, eis que inexistente na espécie uma pluralidade de ações autônomas, mas sim de atos componentes de uma única ação”.

Sem me afastar do tema, consigno, finalmente, que “na aplicação das penas privativas de liberdade, o atual Código Penal, como o antigo, determina, quando idênticas, a adoção de uma só, aumentada de um sexto até a metade”.

Definido cuidar-se concurso formal de crimes, impende consignar que o reconhecimento do concurso em comento não maltrata o princípio da correlação e nem nos compele à adoção de qualquer providência tendente a ouvir a defesa, tendo em vista que aqui se cuida de emendatio libelli, ou seja, aqui se cuida apenas de dar nova definição jurídica ao fato, ex vi do artigo 383 do Digesto de Processo Penal.

Nessa linha de argumentação anoto que o réu não se defende da capitulação dada ao crime na denúncia, “mas sim da sua descrição fática, dos fatos narrados”.

O Supremo Tribunal Federal, ao exame de questão similar, já proclamou que “a nova tipificação emprestada pelo juízo, em face da instrução processual, não constitui cerceamento de defesa ou oblívio do devido processo legal, porquanto o acusado se defende dos fatos narrados na denúncia e não do delito nela qualificado. Hipótese em que a falta de intimação do acusado, em face da desclassificação do delito, não configura cerceamento de defesa”.

Tudo de essencial posto e analisado, julgo procedente a denúncia, para, de conseqüência, condenar D. F. C., por incidência comportamental no artigo 157 do Digesto Penal, cujas penas-base fixo em 04(quatro) anos de reclusão e 10(dez)DM à razão de 1/30 do SM vigente à época do fato, sobre as quais faço incidir mais 1/3, em face das causas especiais de aumento de pena previstas nos incisos I e II, do §2º, do artigo 157 do CP, totalizando 05(cinco) anos e 04(quatro)meses de reclusão e 13(treze)DM, sobre as quais faço incidir, finalmente, mais 1/6, em face da causa geral de aumento de pena prevista no artigo 70 do CP, perfazendo, 06(seis)anos, 02(dois) meses e 20(vinte)dias e 15(quinze)DM, devendo a pena privativa de liberdade ser cumprida, inicialmente, em regime semi-aberto, ex vi legis.

Consigno que os crimes resultaram de apenas um desígnio, daí por que as penas não foram aplicadas cumulativamente, como estabelece a parte final do artigo 70 do Digesto Penal.

Para lembrar, anoto, também, que “para configurar-se o concurso formal é necessário que se pratique dois ou mais crimes mediante uma única ação. Duas ações sucessivas induzem ao concurso material”.

Importa assinalar que “O aumento decorrente de concurso formal não deve incidir somente sobre a pena-base, mas sobre a pena acrescida em virtude da circunstância qualificadora”.

As penas foram fixadas no mínimo legal, daí por que deixei de considerar eventuais circunstâncias atenuantes.

O acusado está preso desde 20 de agosto do corrente.

Concluída a instrução, posso compreender que o acusado, conquanto tenha praticado um crime de especial gravidade, não deva mais ficar preso, em face de ser possuidor de bons antecedentes e, também, em razão do regime inicial de cumprimento de pena.

Com as considerações supra, concedo ao acusado liberdade provisória, para que o mesmo aguarde, em liberdade, o trânsito em julgado desta decisão.

Expeça-se o necessário Alvará de soltura.

P.R.I.C.

Com o trânsito em julgado desta decisão, expedir Carta de Sentença.

Lançar, antes, o nome do réu no rol dos culpados.

Expedida a Carta de Sentença, dê-se baixa em nossos registros e remetam-se os autos para o arquivo, com a baixa em nossos registros.

Custas, na forma da lei.

 

São Luis, 03 de dezembro de 2008.

 

Juiz José Luiz Oliveira de Almeida

Titular da 7ª Vara Criminal

 

 

Excerto capturado no blog http://www.wordpress.com – de responsabilidade do juiz da 7ª Vara Criminal.

JSTF 235/376-7

Art. 149. Quando houver dúvida sobre a integridade mental do acusado, o juiz ordenará, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, do defensor, do curador, do ascendente, descendente, irmão ou cônjuge do acusado, seja este submetido a exame médico-legal.

Guilherme de Souza Nucci, Código de Processo Penal Comentado, Editora Revista dos Tribunais, 2008, p.331

Guilherme de Souza Nucci, ibidem

RT 596/337

Ibidem

No sistema acusatório brasileiro “a persecutio criminis apresenta dois momentos distintos: o da investigação e o da ação penal. Esta consiste no pedido de julgamento da pretensão punitiva, enquanto que a primeira é a atividade preparatória da ação penal, de caráter preliminar e informativo” (Fernando da Costa Tourinho Filho, Manual de Processo Penal, editora Saraiva, 2001, p.7)

Art. 5º omissis

LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;

Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

I – promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;

Artigo 5º. omissis.

LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

Concurso formal

Art. 70 – Quando o agente, mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplica-se-lhe a mais grave das penas cabíveis ou, se iguais, somente uma delas, mas aumentada, em qualquer caso, de um sexto até metade. As penas aplicam-se, entretanto, cumulativamente, se a ação ou omissão é dolosa e os crimes concorrentes resultam de desígnios autônomos, consoante o disposto no artigo anterior.(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

Edílson Mougenot Bonfim, Curso de processo Penal, 4ª edição, editora Saraiva, 2008, p.309

Aury Lopes Jr. Direito Processual Penal e sua conformidade constitucional, Vol.I, Lúmen Júris, 2008, p.489

Heleno Cláudio Fragoso, in Lições de Direito Penal, Parte Geral, 16ª edição, Edotora forense, 2005, p.348

Heleno Cláudio Fragoso, ibidem

Heleno Cláudio Fragoso, ibidem

JUTACRIM 56/2008

JUTACRIM 56/208

JUTACRIM 36/323

TJRJ – AC 10.448

Júlio Fabbrini Mirabete, in Código de Processo Penal Interpretado, 8ª edição, Atlas, p.382

RT 738/535

RT 561/323-4

STF – Rel. Octávio Galloti – JUTACRIM 84/476

 

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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