Autofagia ministerial

DoPromotor de José Cláudio Cabral Marques, titular da 1ª Promotoria de Investigação Criminal, em São Luís, recebi o seguinte e-mail:

“Ingressei no Ministério Público Estadual em 1993, ou seja, 05 anos após a edição da Constituição de 1988, que deu uma nova feição ao órgão ministerial. Na minha mente estava acesa a visão que mais tarde o Ministro Ayres de Brito iria materializar em uma frase: “O serviço público não é um voto à pobreza e sim um veto à riqueza”.

Escolhi a carreira de Promotor de Justiça, a despeito de boa parte da minha família ter optado antes pela magistratura, por entender que daquela Constituinte havia brotado um órgão, na sua essência, revolucionário. Revolucionário, como todo jovem, no sentido de ser um órgão portador de instrumentos legais capazes de promover grandes mudanças na nossa sociedade, no nosso país.

Passamos a ter a legitimidade para defender em juízo, ou fora dele, o meio ambiente, o consumidor, a infância e a juventude, o idoso, o deficiente físico, a ordem econômica, dentre outros, além das tarefas já tradicionais na seara penal.

Sou de uma geração de Promotores de Justiça que tinha orgulho de dizer que era membro do Parquet maranhense, reconhecido nacionalmente como um dos que mais rapidamente avançaram no sentido de consolidar sua posição na sociedade, oriunda da Carta Política recém promulgada. Os nossos congressos, simpósios, posses, seja lá o que fosse, eram bastante concorridos. Dia de evento era sinônimo de auditório cheio. Associação e Procuradoria Geral, apesar das divergências naturais, andavam juntas na conquista de novos espaços e na consolidação do caminho já percorrido.

Não sei, e talvez ninguém saiba exatamente, aonde nós perdemos o elo de ligação da classe, a liga necessária para seguirmos coesos em um só objetivo: o engrandecimento da Instituição. Talvez por ser um órgão essencialmente democrático, onde há eleição direta para quase tudo, isso ao invés de ter sido um elemento salutar quedou-se a transformar-se em motivo de discórdias entre grupos que iam se formando a cada embate eleitoral, ora para a Associação do Ministério Púbico-AMPEM ora para o cargo de Procurador Geral de Justiça, e até mesmo para Corregedor Geral, Conselho Superior, etc.

Os almoços das sextas-feiras e os encontros nos sábados e domingos na Associação entre vários colegas da capital e do interior foram se escasseando até chegarmos a absurda situação de eventos (seminários, palestras, congressos) totalmente esvaziados, em que me sentia constrangido em explicar para uma autoridade convidada o motivo da desmotivação e ausência dos colegas.

Deixamos de nos reconhecer como colegas, amigos, parceiros, para nos enxergarmos como concorrentes ou adversários. Paralelamente a isso, nos bastidores ministeriais era travada uma guerra surda entre grupos com o escopo de retomar ou se manter no poder.

Nos últimos dois anos assistimos a repetição de representações da antiga Diretoria da AMPEM contra a atual Procuradora Geral de Justiça, junto ao Conselho Nacional do Ministério Público – CNMP, com publicização na imprensa local. Era o início da lavagem de roupa suja em público, sem qualquer preocupação em poupar a imagem da Instituição, tão bravamente conquistada pelos colegas que nos antecederam.

Estamos na efervescência de uma campanha para a eleição de Procurador Geral de Justiça e o imbróglio agora se dá em razão da construção e reforma do prédio das Promotorias de Justiça da Capital, e mais uma vez o assunto é trazido a público revelando as entranhas e os podres da Instituição, como se os promotores de Justiça de última entrância nunca tivessem realizado uma reunião com o setor de Engenharia da PGJ e com a Procuradora Geral de Justiça, encaminhando manifestações de insatisfação com a demora e o tipo de serviço executado naquele imóvel e até mesmo nos manifestado pela dispensa de licitação, tudo isso, felizmente, devidamente documentado.

No nosso entendimento essa providência era necessária dada a urgência para a conclusão da obra, em razão dos prejuízos que vínhamos sofrendo no exercício de nossas funções, assim como o prejuízo para a população, porquanto ficamos geograficamente localizados na contramão de todos os órgãos com atuação perante a Justiça, além do afastamento da população carente, alvo principal do nosso atendimento ao público.

Estamos há mais de 2 anos “acampados” no prédio do antigo Garden Shopping Lusitana, no retorno da Cohama, sem as mínimas condições de trabalho pois tudo é um improviso. Não fomos mudos e agora não somos surdos e, portanto, não necessitamos de esclarecimentos e muito menos de contendas públicos.

Poupem-nos, poupem a nossa instituição e a sociedade, já tão aviltada com os inúmeros escândalos que se sucedem na vida pública, promovam um debate salutar em torno de projetos para o Parquet gonçalvino, sejam altivos, demonstrem que podem ser os timoneiros dessa nau a singrar mares bravios, pois, caso contrário, estarei convencido de que entre esses candidatos não há nenhum projeto político institucional para o Ministério Público Estadual, ao revés, estariam em andamento projetos pessoais de poder que não interessam a nenhum dos integrantes da classe ministerial.

Espero que um dos principais projetos a serem apresentados pelos candidatos seja a pacificação da classe, tudo o mais vem com o tempo e a reboque.”

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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