Releitura: Inquietação, angústia, indignação…

O  presente excerto, apanhado  de uma das minhas muitas sentenças,   foi publicado, inicialmente, em setembro, no dia 23/09/2008.

Como,  a cada dia,  há mais pessoas acessando o meu blog, entendi devesse, a partir de agora, republicar alguns artigos,  algumas das minhas reflexões, para que  o novo  leitor conheça um pouco mais as minhas posições.

As pessoas que lidam comigo sabem da minha angústia, da minha inquietação com o funcionamento da Justiça. Em vista do pouco que posso fazer, muitas vezes me limito a um desabafo nesse ou naquele processo, na esperança de que faço eco.

Nos fragmentos abaixo, mais uma vez manifesto a minha indignação com o funcionamento capenga do Poder Judiciário, indignação formalizada nos autos do processo nº 44061999, cuja sentença acabo de prolatar.

Na sentença em comento, em determinado momento, afirmei, litteris:


  1. O processo sub examine, repito, traduz, à toda prova o que é o Poder Judiciário: Poder de fachada – não de agora, mas de sempre – que quando é chamado para resolver os conflitos sociais se mostra mais do que anódino, paregórico, medíocre

 

A seguir, todos os fragmentos, verbis:

 


 “(…)

01.00. O processo sub examine é o retrato, em cores vivas, do que é o PODER JUDICIÁRIO. Trata-se de um Poder burocratizado, ensimesmado, sem condições de atender aos reclamos da população.

02.00. A Justiça Criminal, especificamente, há muito caiu na descrença popular.

03.00. O processo sub examine, repito, traduz, à toda prova o que é o Poder Judiciário: Poder de fachada – não de agora, mas de sempre – que quando é chamado para resolver os conflitos sociais se mostra mais do que anódino, paregórico, medíocre.

04.00. De efeito, os autos sob retina albergam uma ação penal em face de um ilícito penal ocorrido no ano de 1999.

04.01. Hoje, passados quase oito anos da inauguração da ação penal, os autos vêm conclusos para que nele deliberemos.

04.01.01. Ao analisá-lo, constatei que o acusado, segundo prova pericial acostada, era, ao tempo do fato inimputável. Sendo inimputável, ou seja, irresponsável penalmente, ter-se-á que submetê-lo a tratamento especializado.

05.00. O grave, o que incomoda nesta decisão, o que estarrece, o que entristece, o que constrange, é que ter-se-á que determinar um tratamento a alguém que não se sabe, hoje, qual é a sua situação mental.

05.01. O acusado, com efeito, pode, perfeitamente, estar curado. Pode, inclusive, já ter constituído família.

06.00. E aí? O que fazer? Confesso que não sei. Ou melhor, sei. Diante das provas acostadas, terei que, alfim, absolve-lo (absolvição imprópria) , ainda que tenha cometido o crime, para, na mesma caminhada, repito, determinar a sua internação, para tratamento.

07.00. Em casos que tais, o PODER JUDICIÁRIO tinha que ter decidido com rapidez, sem demora, sem pachorra, sem vagareza.

07.01. A passos de cágado faz-se mais injustiça que Justiça. Mas como fazê-lo, se ainda somos um Poder artesanal, vivendo no século passado, antiguíssimo, ferrugento, bolorento, fazendo audiências à antiga – com juiz ditando e a Secretária digitando – quando, sabe-se, o PODER JUDICIÁRIO de outros Estados já se modernizaram, fazendo uso da estenotipia ou sistema de gravação, com posterior degravação, ad exempli.?

08.00. Devo dizer, a guisa de esclarecimento, que não há um responsável por essa situação. Todos somos, de certa forma, responsáveis pelo quadro de descrença que se vê diante dos nossos olhos.

08.01. Essa situação de degradação do PODER JUDICIÁRIO, de descrença, de incredulidade já vem há vários anos – não é culpa de uma, de duas administrações.

09.00. É uma pena que, ao que parece, essa situação não sensibilize muitos que, podendo fazer alguma coisa, deixaram de fazê-la.

10.00. Entendo que, essa decisão, de tão fora de órbita, pode ser, até, objeto de chacota, de chalaça. Mas, o que devo fazer? Esquecer o processo? Dar-lhe embargo de gaveta? Fingir que tudo é natural?

11.00. Vou cumprir a minha obrigação. Vou decidir, sejam quais forem as conseqüências, seja qual for a repercussão. (…)”

 

 

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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