Nas informações que prestei em face do hc nº 29652/2008, tive a oportunidade de, mais uma vez, consigar as razões pelas quais mantive a prisão de um assaltante.
Num fragmento das informações está consignado, verbis:
- Definitivamente, não faço concessões a meliantes perigosos. E, para mim, quem se arma e se une a outro meliante, igualmente perigoso, como fez o paciente, não pode ser colocado em liberdade.
Noutro excerto anotei, litteris:
- Tenho refletido muito acerca dos crimes de roubo. As conclusões que tenho é de que, de regra, o roubador, posto em liberdade, com a sensação de impunidade impregnando-lhe o espírito, volta a assaltar na primeira oportunidade.
A seguir, as informações, com destaque, também, para os argumentos com os quais enfrento o alegado excesso de prazo.
Excelentíssimo senhor
Desembargador José Bernardo Silva Rodrigues
Relator do hc nº 29652/2008 – São Luis(MA)
Paciente: Alisson da Silva Goiabeira
Impetrante: Vitório de Oliveira Ricci e Maria das Dores Muniz Silva
Colho o presente para prestar a Vossa Excelência as informações requisitadas, em face doa habeas corpus epigrafado.
A guisa de introdução, importa sublinhar que reconheço as críticas que fazem a mim – ora veladamente, ora às escâncaras – em face das informações presto, a propósito de habeas corpus.
Devo reafirmar, nesse sentido, que, para mim, fundamentar as razões de ter mantido uma prisão – ou para decretá-la – é mais que um deleite, é obrigação mesmo.
Portanto, ainda que seja incompreendido, ainda que seja criticado vou continuar agindo da mesma forma, com a certeza de que os meus pecados nunca decorrem de minha omissão, mas da busca incessante e frenética de fazer o melhor pela magistratura do meu Estado.
Pois bem. Do writ concluo que a sua ratio essendi está fincada em duas vertentes:
I) excesso de prazo para conclusão da instrução; e
II) não concessão de liberdade provisória.
A par dos argumentos albergados no mandamus, vou expender as informações que se seguem.
Primeiro, o excesso de prazo para conclusão da instrução.
A par desse argumento impende gizar, preambularmente, que a prisão em flagrante do paciente se deu no dia 09 de setembro do ano em curso (doc.01) e a impetração do writ, no dia 25 de novembro do mesmo ano.
De se inferir, pois, que o paciente, a considerar como marco inicial a data da medida restritiva de liberdade (carcer ante tempus) – de caráter eminentemente administrativo (art. 5º, LXI da CF) – e, como marco final, a data da impetração do mandamus, o paciente está encerrado há exatos 87 (oitenta e sete) dias.
A operação não exige esforços mentais.
É simples, como se vê a seguir.
21 dias/set. + 31 dias / out. + 25 dias/nov. = 87 dias
Veja, Excelência, que, conquanto se considerasse o tempo de prisão do paciente a partir da data da prisão administrativa, ainda assim não haveria excesso, a considerar o princípio da razoabilidade.
Se, noutro giro, se contar o tempo de prisão, equivocadamente, à conta do vetusto e bolorento critério aritmético, poder-se-ia, sim, concluir que excesso haveria
Mas, assim analisando a quaestio, incorrer-se-ia num gravíssimo erro de interpretação. Assim agindo, ter-se-ia que retroceder no tempo, para viver uma realidade de há muito superada.
É que, nos dias presentes, para os fins colimados no remédio constitucional sob retina, o tempo de prisão deve ser contado, como sói ocorrer, a partir da data do recebimento da denúncia.
O critério puramente aritmético, importa consignar, de há muito foi expungido do nosso ordenamento jurídico.
A razão (ratio) da contagem do prazo a partir da data do recebimento da denúncia é elementar: a autoridade judiciária não pode ser responsabilizada pelos excessos havido em sede administrativa, sob pena de transferir-se para autoridade policial – e, ipso facto, para o Ministério Público – o poder de decidir, ainda que por via oblíqua, acerca da manutenção da prisão de um determinado acusado.
À luz e a par dessa singela conclusão é que os Tribunais têm decidido, iterativamente, que o excesso de prazo verificado em sede administrativa restará superado com o recebimento da denúncia.
Cediço (cedizo), à luz do exposto, que excesso não haverá se o tempo de prisão for contado a partir da data do recebimento da denúncia.
A guisa de reforço e para ilustrar, consigno que a proemial foi ofertada no dia 30/09/2008. (doc. 02)
A mesma prefacial foi recebida no dia 06(seis) de outubro, (doc. 03)
Curial (curialis), a par do exposto, que o paciente está preso, sob a chancela do signatário, há exatos 50(cinqüenta) dias, assim especificados:
25 dias/outubro + 25 dias/novembro = 50 (cinqüenta) dias
Resta indagar, depois do que acima expus: donde promana ( promonare) o excesso de prazo vislumbrado pelos subscritores do mandamus?
Claro que a resposta a essa indagação é nenhuma, pois excesso não há.
Acima consignei – e vou reafirmar agora – que o critério puramente aritmético de há muito foi expungido do nosso ordenamento jurídico. É que, nos dias atuais, em face da E.C. 45, o que norteia o tempo de prisão do paciente, para os fins buscados no mandamus, é o princípio da razoabilidade, como, aliás, da sabença comum.
Por óbvias razões e a par do princípio em comento é que posso afirmar, vênia concessa, que excesso não há, pois o tempo de prisão do paciente é mais do que razoável, a considerar a sobrecarga de trabalho e as incontáveis dificuldades que tem um juiz de primeira instância para desenvolver o seu trabalho.
Por compreender que essa questão é por demais elementar, não exigindo maiores reflexões (reflexionis), me permito, a seguir e sem delongas, analisar a segunda vertente do writ.
Pois bem. A outra vertente do mandamus condiz com o indeferimento do pedido de liberdade provisória.
A propósito, releva consignar que, ao fazê-lo, ou seja, ao decidir pelo indeferimento do pedido do favor legis, fi-lo no exercício das minhas atribuições legais e a partir da minha firme convicção (conviction) de que os autores de crimes praticados sob grave ameaça ou sob violência contra a pessoa não fazem por merecer o benefício de responder ao processo em liberdade.
É bem de ver-se, pois, que, ao negar o benefício, não o fiz hostilizando a ordem jurídica, daí e inocorrência de ilegalidade ou abuso de poder, a justificar a concessão do writ.
É preciso que se compreenda que, em nosso ordenamento jurídico, não há direito absoluto. Até mesmo a vida pode ser sacrificada em determinadas circunstâncias.
No despacho no qual indeferi o pedido de liberdade provisória estão elencadas, a mais não poder, as razões pelas quais entendi devesse manter o paciente preso.
Às razões consolidadas no despacho em comento, aduzo que não se pode, diante de crimes desse matiz, agir com pusilanimidade.
A violência bate à nossa porta. Os meliantes já não têm o menos apreço pelas instituições. Prende-se hoje; solta-se amanhã. O meliante, diante dessa frouxidão, se sente estimulado para, mais uma vez, assaltar.
Tenho dito e vou repetir que o roubo é crime praticado por um covarde, que se vale de uma arma para afrontar, para intimidar, achincalhar, menosprezar, humilhar a vítima – pouco importando se se trata de mulher, criança, adulto, ministro, juiz, desembargador, etc.
Tenho dito, e vou reafirmar, que o roubador, quando se decida pela consecução do plano urdido, podendo matar, não morre. É por isso que a crônica policial está prenhe de notícias acerca da morte dessa ou daquela vítima que, por instinto, tenha resolvido reagir ao assalto.
É claro que prisão não regenera. É claro que a prisão é medida extrema. É claro que a prisão avilta. Mas é claro, também, que a sensação de impunidade não é boa conselheira.
O réu que assalto hoje e que é colocado no dia seguinte em liberdade, sentem-se estimulado a, outra vez, profanar a ordem pública.
Não se pode, por isso, desde meu ponto de observação, fazer vista grossa, agir com insensibilidade, eqüidistantes, como se não fosse nossa a responsabilidade de combater a criminalidade.
Definitivamente, não faço concessões a meliantes perigosos. E, para mim, quem se arma e se une a outro meliante, igualmente perigoso, como fez o paciente, não pode ser colocado em liberdade.
Tenho refletido muito acerca dos crimes de roubo. As conclusões que tenho é de que, de regra, o roubador, posto em liberdade, com a sensação de impunidade impregnando-lhe o espírito, volta a assaltar na primeira oportunidade.
Essas, Excelência, as informações em face do writ epigrafado.
Coloco-me a vossa disposição para qualquer informação complementar.
Atenciosamente,
Juiz José Luiz Oliveira de Almeida
Titular da 7ª Vara Criminal
Acerca dessa questão tive a oportunidade de, noutra feita, em face de outro habeas corpus, expender as seguintes considerações, verbis:
Antes das informações propriamente ditas, desejo fazer um esclarecimento.
Tenho entendido, desde sempre, que o magistrado apontado como autoridade coatora, tem a obrigação – repito, obrigação – de demonstrar, quantum satis, que não abusou da autoridade e tampouco atuou de forma ilegal.
Numa e noutra hipótese – abusando da autoridade ou agindo de forma ilegal – o magistrado exerce o mister, claro, em desacordo com a lei. É por isso que, desde meu olhar, o magistrado a quem se imputa (imputare) a condição de autoridade coatora, tem a obrigação de se justificar. Limitando-se, no entanto, a fazer um relato do processo, como tenho visto, fica aquém do que se espera de um magistrado garantista. É pena que muitos emprestem a sua aquiescência a essa verdadeira tergiversação profissional.
Se assim não fosse, ou seja, se não fosse a autoridade coatora compelida a justificar a sua ação, bastaria que o magistrado a quem se requisitam as informações, se limitasse a encaminhar ao juiz requisitante apenas cópias do processo.
O magistrado tem o dever de exercer o poder com retidão, prestando contas de sua atuação aos cidadãos, considerados em sua individualidade, e à comunidade em geral.
O magistrado não tem a faculdade de agir com desvelo, tem obrigação de fazê-lo. Assim como ao magistrado é defeso agir de forma ilegal, ele não pode, ademais, fazer cortesia com o direito alheio.
Além do dever de probidade, o magistrado tem o dever de eficiência, no sentido de que ao magistrado se impõe a obrigação de realizar as suas obrigações com presteza e rendimento funcional, máxime a se considerar que o magistrado é um dos poucos agentes públicos que não tem a quem dar satisfação – a não ser a sua própria consciência.
Conquanto não tenha o magistrado a quem prestar contas dos seus atos, tem o dever , reafirmo, de prestar contas de suas ações, ainda que o faço por via obliqua, como em casos que tais, quando se lhe requisitam informações acerca do seu atuar num caso específico.
O uso do poder, todos sabemos, é prerrogativa da autoridade. Mas o poder não pode ser exercido de forma abusiva. E abusar do poder é agir fora da lei, sem utilidade pública, ultrapassando o agente os limites de suas atribuições, desviando a sua finalidade.
O poder é, sim, todos sabemos, para ser exercido em benefício do interesse público, mas dentro de certos limites. A utilização desproporcional do poder, o emprego arbitrário da força, a violência contra o administrado (rectius: jurisdicionado), constituem formas abusivas de utilização do poder jurisdicional.
Nessa linha de pensar, consigno que, quando me aprofundo, às vezes à exaustão, no exame da quaestio posta a minha intelecção, como um pedidos de informações em face de habeas corpus, não o faço por arrogância nem movido por um sentimento menor. O faço, sim, em respeito a quem me requisita as informações e, também, porque entendo que tenho a obrigação de justificar porque mantive esse ou aquele paciente preso. Cediço, assim, que, ao me aprofundar o exame das questões, ao me esmerar nas informações, o faço com humildade, na certeza de que não faço nenhum favor; apenas cumpra as minhas obrigações.
Não se pode deslembrar que o abuso de autoridade é crime e que ao juiz, num regime garantista, é defeso praticar ilegalidades.
Quem imagina que pretendo dar aulas com as minhas informações está muito longe de saber o que é humildade. Quem assaca contra mim críticas acerbas em face das minhas posições, decerto está muito mal informado do quando me sinto obrigado a prestar conta dos meus atos.
Sempre que me esmero em informações em face de habeas corpus, o faço com o sentimento de quem tem o dever de prestar contas dos seus atos.
Sempre que me aprofundo no exame das questões postas à minha intelecção, o faço na certeza de que não posso ser superficial (superficialis). O magistrado, tenho a exata noção, não pode ser do tipo “não tou nem aí”. Ele tem que fundamentar as suas posições. Isso é dever constitucional. Não se trata, pois, de mera faculdade.
As minhas reflexões acerca dos crimes violentos podem ser sintetizados nos excertos a seguir transcritos, todos públicos das no meu blog:
1º excerto.
Os efeitos de uma violência sobre as vítimas, ao que parece, nunca foram considerados por aqueles que têm o dever de resguardar a ordem pública. Fala-se muito em direitos dos acusados e pouco se pensa na situação das vítimas. Os acusados – que, ao que parece, têm sido a única preocupação dos órgãos persecutórios – empertigados, ufanosos, continuam, depois do crime, levando a mesma vida de sempre: batendo papo na esquina, tomando um cerveja com os amigos e dançado reggae; as vítimas, acabrunhadas, melancólicas, passam a temer a sua própria sombra: evitam sair de casa, deixam freqüentar as rodas de bate-papo, têm pesadelos, perde a paz e a tranqüilidade . Os acusados, depois de colocados em liberdade – ou ainda que presos permaneçam – comparecem às audiências de cabeça erguida, imodestos, petulantes, soberbos; as vítimas, deprimidas, desalentadas, são obrigadas a comparecer às audiências sob disfarce, sorrateiramente, com as mãos sobre o rosto, amedrontadas. Depois das audiências, os réus deixam o Fórum, sobranceiros, verticais; as vítimas, de seu lado, deixam o prédio do Fórum sub-repticiamente, dissimuladamente, com as mãos no rosto, deprimida. Pena que essa situação não seja objeto de preocupação de muitos que, ao que parece, perderam, de vez, a sensibilidade.
2º excerto.
É ressabido que cada um reage de uma forma diante de uma situação de perigo. Algumas pessoas mantém a calma; outras, reagem. As que reagem são exatamente aquelas podem sucumbir diante da arma de um assaltante. Durante uma situação de violência, uma pessoa pode se manter fria e sob controle, outra pode entrar em desespero e pânico. Dois modos diferentes, pessoais, de lidar com a mesma situação de estresse intenso. Diante de um roubador a vítima, para não morrer, tem que se manter calma e fria, ainda que essa não seja a sua natureza. Triste daquela que, sem poder controlar o seu impulso, reage. Essa tem fortíssimas possibilidades de fenecer, de ter a sua vida (seu mais valioso bem), subtraída por um assaltante. E muitas foram as que, por isso, morreram. Os criminosos, muito provavelmente, estão à solta, para, mais uma vez, roubar e, se preciso, matar. É que a sensação de impunidade é uma fortíssima aliada da criminalidade; e a quase certeza da impunidade estimula a prática de crimes.
3º excerto.
O roubador, armado, fragiliza a vítima, a miniminiza enquanto cidadã, vilipendia o seu sagrado direito de ir e vir que se lhe assegura a Constituição. O roubador, de arma em punho, não mede as conseqüências e, se preciso, mata a vítima para alcançar o seu desiderato. O roubador, na rua, de arma em punho, não é o “santo” que se posta à frente de um juiz na sala de audiência. Ao reverso, é um homem destituído de todo e qualquer sentimento em relação ao semelhante. A vítima, para ele, é apenas um obstáculo que se coloca entre ele e a res furtiva e que precisa ser superado a qualquer custo, ainda que esse custo seja a sua morte (dela, vítima). O roubador, diante de uma vítima indefesa, se torna um monstro, um aberração capaz de qualquer coisa para tornar a sua ação vitoriosa, ainda que para isso tenha que trucidar a vítima e quem mais se interpuser à sua frente.
4º excerto.
Vivemos uma quadra difícil. A violência bate à nossa porta. As vítimas fatais da violência se multiplicam. Os meliantes estão cada dia mais ousados. Eles nada temem. Eles não respeitam ninguém – nem pai, nem mãe, nem polícia, nem promotor, nem juiz e nem o papa. Esse falta de respeito decorre do fato de que eles não acreditam em nossas instituições. Eles não acreditam na repressão. Tudo para eles é superável. Tudo para eles é irrelevante. A impunidade os estimula a pensar assim. Até a vida do semelhante, se necessário, eles subtraem para consecução do seu intento. Para eles tudo é menor, tudo é insignificante. O que lhes importa mesmo é o bem da vítima, porque, de posse, dele, realizam alguns dos seus desejos mais prementes – o uso de drogas e de álcool. E o que é pior, com o comprazimento, com a complacência de muitos.
Nós todos – juizes, promotores, polícias, etc – temos que sair da inércia. O promotor de justiça tem que deixar o gabinete à procura de provas. O juiz tem o dever de agir com rigor e sofreguidão. Nós não podemos ficar aguardando que as provas caiam do céu como por encanto. Não podemos, desalentados, desanimados, deixar que os meliantes nos intimidem. Nós não podemos, entorpecidos, estagnados e sonolentos esperar que apenas a parte interessada pela liberdade do acusado traga provas aos autos. Essa letargia, essa paralisia, essa tibieza nos apresentam fracos, anêmicos e covardes diante do meliante e da opinião pública. Em face da nossa aparente (?) frouxidão, da nossa timidez, o meliante se sente mais forte, mais ousado, mais destemido.