A seguir, crônica da minha autoria, publicada no dia 02 do corrente, no Jornal Pequeno, publicada, antes, com algumas alterações, neste blog, com outro título.
JUIZ EM PAZ
José Luiz Oliveira de Almeida*
Tenho a inabalável convicção – todos temos, ou deveríamos ter, afinal – de que juiz não pode agir movido, motivado por questões pessoais ou por um sentimento perigoso chamado paixão.
Compreendo que todo magistrado deve ter a capacidade de, não estando com espírito desarmado, não estando em paz com a vida, evitar julgar os atos do semelhante. Isso é ser digno. Isso é ser nobre. Isso se chama altivez. Isso é cautela, precaução, prudência, comedimento, moderação, sobriedade. Isso é o que se espera, enfim, de um magistrado.
O juiz, para bem decidir, tem que estar em paz, tem que estar feliz. Juiz infeliz, juiz sem paz, juiz impregnado de sentimentos menores, juiz ambicioso, juiz excessivamente vaidoso, juiz presunçoso, juiz que se sente superior ao próprio jurisdicionado, que pensa que alimenta um rei na barrica, que se julga acima do bem e do mal, não é, de rigor, magistrado, na verdadeira acepção do termo; não passa, desde meu olhar, de um oportunista travestido, fantasiado de magistrado, que uso o poder que tem para fazer mal ao semelhante.
Eu tenho ido para as sessões do Tribunal com o espírito absolutamente desarmado, como o fiz ao tempo em que fui juiz de primeiro grau. Eu nunca fui ao fórum trabalhar sem estar feliz, em paz com a minha consciência. Os erros que cometi decorreram da minha falibilidade, da minha condição de gente.
Eu já disse, nas conversas informais – e até formais – que jamais reagirei a uma agressão verbal, enquanto juiz do segundo grau – se ela eventualmente ocorrer. Para o meu conforto, tenho recebido, da absoluta maioria dos meus colegas de confraria, tratamento absolutamente cortês – e tenho respondido na mesma medida. Algumas divergências que houve, envolvendo a minha pessoa, foram pontuais, sem nenhuma consequência prática, decorrentes apenas da excitação propiciada pelos debates, o que é mais do que natural num ambiente com tantas inteligências privilegiadas.
O dia que eu sentir, que me der conta que estou contaminado por um sentimento menor, que haja algo de podre em minha alma, não participarei da sessão do Tribunal de Justiça. Fico em casa. Assumo o risco da minha omissão. Assim o fazendo, creio, estarei me despindo da toga de pano, para me vestir com a toga da dignidade, indumentária dos homens de bem.
O dia que não tiver a capacidade de discutir as questões submetidas à minha apreciação com altivez, com espírito público – sem raiva, sem rancor, sem baixaria, sem pequeneza -, não participarei da sessão. Vou além: se me der conta que esse tipo de sentimento pode me tornar um homem injusto, aí, não tem apelo, volto pra casa, pendura a toga, saio da ribalta, afinal, não se julga bem com uma faca entre dentes, não se pode julgar com o fel escorrendo pelos cantos da boca. Quem julga nessas condições, pode ter certeza, julga mal. Devia, sim, ter a coragem de pendurar a toga.
Para julgar os atos dos semelhantes, repito, é preciso estar em paz. Digo mais, vou além: é preciso estar – e ser, se possível – feliz. Não precisa ser tão feliz quanto eu sou. Basta estar feliz. O homem feliz não faz mal ao semelhante. O homem feliz só irradia sentimentos benfazejos. O homem feliz é quase um super-homem. É quase inquebrantável. É altruísta, sereno, ponderado, equilibrado…
Eu vivo em paz. E reitero: sou feliz. Eu durmo e acordo feliz. A vida, para mim, é uma dádiva. Eu não vou desperdiçar o tempo que tenho de vida com questiúnculas, com amargura, com rancor, mágoa ou ódio.
Nessas condições, compreendo que estou preparado para julgar, conquanto tenha que admitir que, como ser humano que sou, errei, erro e errarei; e posso, sim, com muita probabilidade, não ter sido injusto em alguma das muitas decisões que prolatei ao longo da minha carreira.
Mas um dado é inquestionável: não julgo com espírito atormentado, não julgo para me exibir, não elaboro meus votos para impressionar, não aproveito o ato de julgar para exteriorizar as minhas fraquezas, as minhas inquietações, os meus conflitos com o mundo. Eu julgo porque esse é meu oficio. E o faço com a alma em estado de graça. E, por isso, também, sou feliz.
*Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão
E-mail: jose.luiz.almeida@globo.com
Blog: joseluizalmeida.com
Des. José Luiz, não tenho a menor dúvida da veracidade de suas palavras. Por algumas oportunidades tive o prazer de assistí-lo em ação na sala onde ocorrem as sessões da Primeira Câmara Criminal, onde percebi e em doses generosas a presença do bom senso, da sensibilidade e sobretudo do verdadeiro e despretencioso compromisso e respeito com que trata seus pares e conduz seus bem hidatados votos. A sociedade não precisa de juízes perfeitos, a sociedade precisa de juízes compromissados e Vossa Excelência, sem dúvida alguma é um deles. Abraços
Eminentissimo senhor Des.dr. josé Luiz, li o seu artigo a respeito de sua conduta como magistrado, e como os bons se sobrem diante daqueles que se sentem incomodados com as qualidades positivas daqueles que se posicionam como homens públicos_quando eles assim os são_sem se preocupar em agradar quem quer que seja , desde que ele esteja convicto de que está fazendo jusiça.Eu sei que a grande maioria dos cidadãos deste país tem dificuldades em acreditar na aplicação da lei e da justiça por parte de magistrados.As pessoas mais himildes, são aquelas que o peso da lei pesa muito mais sobre elas… fiquei feliz ao ler o seu artigo e até anotei algumas passagens as quais me detive:_o dia que eu não tiver a capacidade de discutir as questões submetidas a minha apreciação com altivez…sem raiva .sem rancor,sem pequeneza,nao participarei da sesão… não se julga com a faca nos dentes…com fel escorrendo pelo canto da boca.Caro amigo, permita amim dirigir-me ao senhor nesses termos… mas a maioria do povo não acredita neles exatamente porque eles são o oposto do Senhor. Creia: desta data em diante visitarei seu blog diariamente e quero mais novidades… se possível quero ser seu amigo e conhece-lo pessoalmente. Sou professor licenciado em Geografia e moro em Monção neste estado.