Sentença condenatória. Crime tentado.

Cuida-se de sentença condenatória, em face do crime de furto qualificado.

Em determinado excerto da decisão cheguei a seguinte conclusão, verbis:

  1.  O acusado, viu-se da prova consolidada iniciou a execução do crime, chegando, inclusive, a destruir a tela de proteção da bateria do carro, mas foi impedido por circunstâncias alheias à sua vontade.
  2. O acusado começou a realizar o fato que a lei define como crime, o comportamento punível, enfim, quando foi impedido pelo vigia da casa do ofendido, em razão do que, inclusive, foi preso em flagrante.
  3. Importa grafar que o acusado não se limitou a pensar, a cogitar a prática do crime. O acusado, ao reverso, pensou e iniciou a execução do projeto criminoso, sendo impedido, no entanto, pela ação do vigia da residência do ofendido, podendo-se afirmar, pois, estar-se aqui defronte de uma tentativa imperfeita.

 A seguir, a sentença, integralmente.

  

Processo  nº 144192007

Ação Penal Pública

Acusado: S. C. de M.

Vítimas: T. E. Q. da P. S.

 

 Vistos, etc.

 

Cuida-se de ação penal que move o Ministério Público contra S. C. de M., por incidência comportamental no artigo 155,§§1º e 4º, I, c/c artigo 14, II, do Digesto Penal, em face de, no dia 15 de junho de 2007, por volta das 04h30, no bairro Planalto Anil III, na Rua X, quadra 11, casa 11, ter tentado efetuar o furto de um veículo Celta cor prata, placa HPL 1309,  de propriedade de T. E. Q. da P. S.,  quando este se encontrava na garagem da vítima,  fato que não se consumou em face da ação do vigia D. M. C. M..

A persecução criminal teve início com a prisão em flagrante do (fls.07/12)

Auto de apresentação e apreensão às fls. 16

Recebimento da denúncia às fls. 47/48.

Laudo de exame de vistoria em veículo às fls. 57/58.

O acusado foi qualificado e interrogado às fls.81/83.

Durante a instrução foram ouvidas as testemunhas D.  M. C. M. (fls.134/136),  S. C. M. (fls.137/139) e T. E. Q. da P. S. (fls.151/152

O Ministério Público e a defesa não requereram diligências.(fls.158v. e 162)

O Ministério Público, em alegações finais, pediu a improcedência da ação com a conseqüente condenação do acusados nas penas do artigo 155,§4º, I, c/c artigo 14, II, ambos do CP.(fls.164/169)

A defesa, de seu lado, pediu a absolvição do acusado, por insuficiência de provas. (fls.186/188)

Laudo de exame de vistoria em veículo às fls. 57.

Relatados. Decido.

01.00.                         Ao acusado  S. C. de M. o Estado por seu órgão oficial, o  Ministério Público,  imputa a prática de  crime de furto qualificado e tentado, em face de ter tentado subtrair um veículo Celta, de propriedade de T. E. Q. da P. S., fato que teria ocorrido no dia  15 de junho de 2007, por volta das 04h30, no bairro Filipinho, nesta cidade,  pedindo, alfim, a sua punição, na forma da lei.

02.00.                         O fato descrito na inicial, evidencia, prima facie, uma conduta antijurídica do acusado, daí a razão pela qual foi recebida, observadas, ademais, as condições exigidas pela lei para o seu exercício pelo Ministério Público.

03.00.                         A conduta típica do crime de furto é subtrair, tirar, arrebatar coisa alheia móvel

04.00.                         O objeto material é a coisa alheia móvel.

04.01.                         Coisa, para o direito penal, é qualquer substância corpórea, material, ainda que não tangível,  suscetível de apreensão e transporte.

05.00.                         O elemento subjetivo do tipo é o dolo, que se traduz na vontade  de  subtrair, com a finalidade expressa no tipo, que é o de ter a coisa para si ou para outrem(animus furandi ou animus  rem sibi habend).

06.00.                         O crime sob retina se consuma, segundo consagrou a jurisprudência, com a inversão da posse, id. est, quando o agente tem a posse mais ou menos tranqüila da res, ainda que por pouco tempo, ou que a res esteja  fora da esfera de vigilância da vítima.

07.00.                         O sujeito ativo do crime  pode ser qualquer pessoa, menos o seu proprietário, na medida em que o tipo exige que a coisa seja alheia. O sujeito passivo é o proprietário ou possuidor, ou até mesmo o detentor. É indiferente, ademais, a natureza da posse.

08.00.                         Sob essas diretrizes, passo ao exame das provas consolidadas nos autos, para, somente alfim e ao cabo do exame, concluir se o acusado, efetivamente, tentou subtrair coisa alheia móvel, atentaram, ou não, contra  a ordem pública, como pretende o Ministério Público   com a propositura da presente ação ou se, ao reverso, as provas não são suficientes para edição de uma decisão de preceito sancionatório, como pretende a defesa do acusado.

09.00.                         Pois bem, a primeira fase teve início com o auto de prisão em flagrante do acusado (fls.07/14)

10.00.                          Na fase administrativa o acusado negou a autoria do crime, dizendo que, no dia de sua prisão,  estava indo para o Banco do Brasil, no São Cristóvão,  onde trabalha como guardador e que, de repente, apareceram várias pessoas, do nada e que, quando viu isso,  correu e pulou o muro de uma casa de eventos, esperando a polícia aparecer e que quando foi preso não trazia nada consigno.(fls.12)     

11.00.                         Na mesma sede foi ouvido o vigia D. M. C. M.,  que disse que, por volta das 4h30 do dia do fato, foi avisado por um jornaleiro que havia um pessoa  dentro de uma garagem roubando um carro e que, diante dessa notícia, para o local se dirigiu, acompanhada dos também vigias I. C. e L. e que, ao chegar à casa da vítima, o indivíduo pulou o muro e saiu correndo na direção de um matagal.(fls.10)

12.00.                         A testemunha aduziu que procuraram o indivíduo dentro do matagal e que, ao amanhecer  arrastaram uma pia velha e debaixo dela, escondido, estava o acusado, que havia cavado um buraco na areia para se acomodar.(ibidem)

13.00.                         O acusado foi reinquirido, tendo reafirmado a sua inocência.(fls.36/37)

14.00.                         Na mesma sede foi produzida a prova pericial, tendo o experts concluído que o veículo objeto da tentativa de furto, apresentava danificação parcial da tela de proteção de sua bateria, fato ocorrido em data recente, provocado por ação humana intencional e com uso de instrumento de corte.(fls.57/58)

15.00.                         Com esses dados relevantes encerrou-se a fase administrativa da persecução criminal.

16.00.                         O Ministério Público, de posse dos dados colacionados na fase extrajudicial (informatio delicti), ofertou denúncia (nemo judex sine actore) contra   S. C. de M.,  imputando a ele o malferimento  do preceito primário ( preceptum iuris) do artigo 155 do Digesto Penal, com as qualificadoras dos §§ 1º e 4º, I, c/c artigo 14, II, ambos do  fixando, dessarte, os contornos da re in judicio deducta.

17.00.                         Aqui, no ambiente judicial, com procedimento arejado pela ampla defesa e pelo  contraditório, produziram-se provas, donde emergem, dentre outras,  o interrogatório do acusado  S. C. de M. (audiatur et altera pars) .

18.00.                         O acusado, nesta sede, mais uma vez negou a autoria do crime, dizendo que, no dia do fato, estava voltando para casa, pela avenida que fica por trás do 6ªº DP, na Cohab, quando apareceram sete vigias em motos, os quais lhe cercaram numa rua  e ameaçaram  lhe bater e que, por isso, correu.(fls.81/83)

19.00.                         O acusado seguiu declinando os motivos que o fizeram fugir e entrar num matagal, em que pese não tenha cometido nenhum crime.(ibidem)

20.00.                         Conquanto negasse a autoria o acusado, a testemunha D. M. C. M. narra os fatos de modo a não deixar a mais mínima dúvida acerca do crime e de sua autoria.

21.00.                         A seguir, os principais excertos do depoimento da testemunha D. M. C. M., litteris:

 

Juiz – Domingos, você não é parente, amigo ou inimigo dos acusado?

Testemunha – não.

Juiz – Nem parente, amigo, inimigo da vitima?

Testemunha – não.

Juiz – Acerca dessa tentativa de furto que eu narrei aqui o que você pode nos informar?

Testemunha – eu trabalho cinco anos naquela área, nesse horário de 3 e 40 eu tava vindo de fazer um lanche ali no Cohatrac, ai vinha um jornaleiro na minha frente, ai o jornaleiro enrola o jornal e joga nas casas, quando o jornaleiro jogou o jornal o ladrão pulou de dentro pra fora com as ferramentas na mão, ai eu coloquei a moto em cima dele.

Juiz – quando ele pulou da casa ele estava com quais ferramentas na mão?

Testemunha – com uma chave de fenda, aquela de várias opções e um alicate de corte.

Juiz – Ele pulou da casa e você vinha de moto e bateu nele?

Testemunha – foi e ele se apoiou na moto e entrou no matagal ai eu pedi apoio dos outros meus colegas.

Juiz – dos outros vigias?

Testemunha – é. Ai eles vieram e nós pedimos apoio para viatura, cercamos a área próximo ali ao posto de gasolina, ai eu cheguei a entrar dentro do mato com o policial, a gente procurou e não achamos, mas tem uma pontizinha que dá acesso ao supermercado Alfa ele estava querendo passar por debaixo da ponte. Eu achei ele no matagal com uma água na altura dos peitos, ai eu gritei tá aqui ele voltou de novo, ai a gente procurou, procurou e não achou e amanheceu. Eu fiquei com isso na minha cabeça, eu chamei o outro vigia a gente saiu entrando nos outros quintal e achamos ele, umas duas carroçadas de areia , ele cavou e cobriu de novo e colocou na cara dele uma pia velha em cima.Nessa hora já tinham muitos populares na rua esperando, ele passou a mão no muro para dizer que ele tinha passado por lá, eu falei “é deixaram o cara escapulir”, quando o meu colega me da a mão para eu subir na laje, como o muro era alto eu falei “não deixa eu colocar a pia “, quando eu levantei a pia ele estava lá, ai eu torci o braço dele e amarrei ele com um fio telefônico atrás, nessa hora os populares já estavam lá, muita gente, botaram uma escada eu subi com ele, desci e a população tomou de conta.

Juiz – agrediram ele?

Testemunha – na verdade bateram muito, mas é porque não tinha como conter. Nessa mesma hora eu liguei para policia de novo, ai chegou o policial Solano, ai recolheram ele pro Cohatrac.

Juiz – e sobre o veículo o que ele tinha feito no veiculo?

Testemunha – abaixo do pára-brisa tem uma telazinha, ele quebrou aquela tela, na verdade eles usam o alicate de corte para cortar o cabo da bateria pra desligar o alarme.

Juiz – você suspeita que foi ele que fez isso porque ele pulou o muro e estava com as ferramentas na mão.

Testemunha – na mesma hora eu chamei o outro vigia e ele chamou o dono do carro e ele compareceu.

Juiz – Mas ele em algum momento teve oportunidade de se defender?

Testemunha – ele falou, mas ele pediu pra chamar a policia, ele estava com medo, já tinham muitos manifestantes.

Juiz – mas negar ele não negou nada?

Testemunha – não.(fls. 134/1360)

(Com a supressão de excertos tidos como irrelevantes para o deslinde da questão)

 22.00.                         A testemunha S. C. M. quase nada acrescentou, limitando-se a descrever apenas os fatos posteriores à ocorrência criminosa. (fls.137/139)

23.00.                         A vítima foi ouvida e confirmou a avaria no veículo, na tela de proteção da bateria, e a apreensão, em poder do acusado  uma chave de fenda e um  alicate.(fls. 151/152)

24.00.                         A par do patrimônio probatório que se amealhou nos autos sub examine, não tenho a mais mínima duvida de que o acusado tentou, sim, subtrair coisa alheia móvel, in casu o veículo Celta, de propriedade de  T. E. Q. da P. S..

25.00.                         O acusado, para consecução dos seus objetivos, quebrou a tela de proteção da bateria do veículo, com o claro objetivo de cortar a corrente do alarme.

26.00.                         Não obstante, o acusado foi surpreendido pelo vigia D. M. C. M., o qual conseguiu evitar que a subtração fosse alcançada. É dizer, o acusado, por circunstâncias alheias à sua vontade, não alcançou os seus objetivos, aquilo que havia planejado, ingressando, no entanto, na fase de execução do ilícito.

27.00.                         Dos autos assomam com relevância o depoimento do vigia D. C. M., a prova pericial, que confirma as avarias no veículo, e a apreensão, em poder do acusado, de um alicate e uma chave de fenda, instrumentos com os quais pretendia realizar a conduta proibida.

28.00.                         O acusado, a roborar ainda mais a autoria do crime, foi preso em flagrante, depois de incessantemente perseguido, logo após a prática do crime.

29.00.                         O acusado, com sua ação, atentou contra a propriedade do ofendido, bem juridicamente tutelado, segundo a legislação vigente.

30.00.                         O acusado tentou subtrair coisa alheia móvel, de valor econômico  relevante,

31.00.                         O acusado tentou realizar a conduta típica,  com o fim especial de tê-la para si, para obter uma vantagem ilícita (animus lucrandi) desfalcando, no mesmo passo, o patrimônio do ofendido.

32.00.                         O crime foi cometido durante o repouso noturno. Ocorreu, no entanto, que o mesmo crime restou qualificado destruição de obstáculo, conforme se viu do exame pericial antes referido, razão pela qual não se pode, validamente, considerar a majorante do repouso noturno, que só incide no furto simples.

33.00.                         O acusado, viu-se da prova consolidada iniciou a execução do crime, chegando, inclusive, a destruir a tela de proteção da bateria do carro, mas foi impedido por circunstâncias alheias à sua vontade.

34.00                          O acusado começou a realizar o fato que a lei define como crime, o comportamento punível, enfim, quando foi impedido pelo vigia da casa do ofendido, em razão do que, inclusive, foi preso em flagrante.

35.00.                         Importa grafar que o acusado não se limitou a pensar, a cogitar a prática do crime. O acusado, ao reverso, pensou e iniciou a execução do projeto criminoso, sendo impedido, no entanto, pela ação do vigia da residência do ofendido, podendo-se afirmar, pois, estar-se aqui defronte de uma tentativa imperfeita.

36.00.                         O acusado, livre e conscientemente, queria praticar uma infração penal, i.e., um furto, tendo, inclusive, ingressado na fase de execução. Ocorreu, entrementes, que não conseguiu alcançar a consumação do ilícito, pelas razões algures mencionadas.

37.00.                         O acusado deve, agora, receber a reprimenda penal prevista no preceito secundário do artigo 155, reduzida em face do que prescreve o parágrafo único do artigo 14 do CP, majorada, ademais, em face da qualificadora suso mencionada.

38.00.                         É de relevo que se diga que o acusado não chegou a alcançar o esgotamento dos meios que  tinha ao seu alcance a fim de consumar o crime, daí, repito, dizer-se cuidarem os autos de tentativa imperfeita, em razão do que a redução da pena deve ser no seu grau máximo.

39.00.                         Vou repetir, sem temer pela exaustão. O acusado pensou e iniciou a prática do crime, id est, não se limitou a cogitar a prática do crime, tendo, ao reverso, praticado atos de execução, mas não logrou êxito na empreitada criminosa, por circunstâncias alheias à sua vontade.

39.01.                         Nessa linha de argumentação, anoto que haverá início de execução, quando o autor do fato penetra no núcleo do tipo. E o acusado, efetivamente, chegou a romper obstáculo, visando a subtração do veículo do ofendido.

39.01.01.                    Haverá início de execução, lado outro, sempre que há correspondência formal dos atos executados com a realização parcial do delito, como se deu, induvidosamente, no caso presente.

40.00.                         A nossa lei, é forçoso convir, não definiu o que seja começo de execução, contudo, não se tem dúvidas, que começar a executar um crime é começar a realizar uma conduta típica, como o fez o acusado.

41.00.                          Crime tentado é crime truncado, começado, inacabado. É a realização incompleta do tipo. É fragmento de crime.

42.00.                         Crime tentado é quando há, repito, início de execução e este ocorre quando se inicia o ataque ao bem jurídico tutelado e quando começa a realização do tipo.

43.00.                         No caso sub examine o acusado iniciou o ataque ao bem jurídico penalmente protegido (o patrimônio), mas o processo executivo foi interrompido por circunstâncias alheias à sua vontade.

43.01.                         Entenda-se por circunstâncias alheias à vontade do autor do fato qualquer causa interruptiva, desde que estranha à vontade do agente.

43.01.01.                    In casu, viu-se acima, a causa interruptiva do iter criminis foi a pronta intervenção da testemunha  D. M. C. M..

44.00.                         O acusado, ao dirigir-se ao local onde se encontrava o carro do ofendido, ao romper a tela de proteção da bateria,  o fez com a clara intenção de subtrair coisa alheia móvel, desfalcando o patrimônio do ofendido.

44.01.                         O acusado, portanto, agiu dolosamente em relação ao crime total.

45.00.                         O acusado, entremostram as provas amealhadas, queria, sim, um resultado mais lesivo do que o que realmente alcançou.

46.00.                         Iniciada a execução do plano criminoso, a agressão, enfim, do patrimônio do ofendido, ela foi interrompida antes da consumação do intento criminoso, sem vínculo com a vontade do ofendido.

47.00.                         O acusado não teve a posse tranqüila nem desvigiada da res furtiva, ainda que por pouco tempo, daí a conclusão de que aqui se cuida de crime de furto na sua forma tentada.

48.00.                          O conceito de subtração exige  o rompimento do poder material de detenção sobre a coisa e o estabelecimento de um novo poder, o que, é bem de ver-se, não se deu no caso sub examine.

49.00.                         O acusado, agora, em face de sua ação réproba, deverá se submeter à inflição de penas, as quais estão previstas no preceito secundário do artigo 155 do CP.

50.00.                         O acusado, com sua ação tentou subtrair (surrupiar, tirou às escondidas) coisa alheia  móvel de valor econômico relevante, do que se infere que subsumiu a sua ação no preceito primário do artigo 155, caput,  do Digesto Penal.

51.00.                         Definido que o acusado, com sua ação, afrontou a ordem pública, fazendo subsumir a sua ação no artigo 155 do CP.

52.00.                         Definido, ademais, que o crime não se consumou por circunstâncias alheias à vontade do acusado e que, ademais, restou qualificado pelo rompimento de obstáculo, devo, a seguir, deter-me na análise das circunstâncias judiciais do artigo 59 do CP, para efeito de definição das penas-base.

53.00.                         O réu responde a vários processos – nºs 49272008. 264662006 e 21132005, nas 8ª, 3ª e 9ª varas criminais.

54.00.                         A conclusão, a par do exposto, é que o acusado tem maus antecedentes – lato sensu -, em razão do que, desde minha avaliação, deve suportar a majoração da resposta penal básica.

55.00.                         Desde o meu ponto de vista, só tem bons antecedentes (lato sensu, repito) que ostenta vida pregressa limpa, quem não tem envolvimento com crimes.

56.00.                         É verdade que o acusado goza da presunção de inocência. Não é menos verdadeiro, no entanto, que não se hostiliza contra a Carta Política, quando se conclui que quem responda a vários processos-crime tenha maus antecedentes, para efeito de fixação da reprimenda penal básica.

57.00.                         Compreendo que não se pode dispensar o acusado que responde a outros processos-crime, o mesmo tratamento que se dispensa a quem tem  apenas uma incidência penal.

57.01.                         O acusado, por isso, deve suportar a inflição de penas exacerbadas, em face dos seus péssimos antecedentes, ainda que não haja em seu desfavor sentença criminal transitada em julgado.

58.00.                         Definido que o acusado tem maus antecedentes e que as penas-base devem ser majoradas por isso, ex vi legis, devo anotar, agora, que, com as ponderações acima realizadas, restou enfrentada a tese da defesa, no que com ela conflita com esta decisão, sendo  desnecessário, pois, a adição de qualquer outro argumento.

59.00.                         Resulta do exposto que, conquanto não se tenha enfrentado,  ponto a ponta, a tese da defesa, aqui não se está a editar sentença nula

60.00.                         Os Tribunais não estão infensos a esse entendimento, como se colhe das ementas abaixo, verbis:

 

PROCESSUAL PENAL – HABEAS CORPUS – ART. 12 DA LEI Nº 6.368/76 – SENTENÇA – NULIDADE – NÃO APRECIAÇÃO DE TESE DA DEFESA – ILICITUDE DE PROVAS – I – A sentença que, ao acolher a tese da acusação, contém satisfatória menção aos fundamentos de fato e de direito a ensejar o Decreto condenatório, não é nula, apenas pelo fato de não se referir explicitamente à tese da defesa, mormente se, pela sentença condenatória, restou claro que o Juiz adotou posicionamento contrário. (Precedentes). II – In casu, se a r. Sentença penal condenatória reputou válido o flagrante, nos termos do do art. 5º, XI da Constituição Federal, automaticamente afastou a tese da defesa de ilicitude das provas obtidas, em razão da ausência de mandado judicial. Writ denegado.

 

No mesmo sentido:

 

PENAL E PROCESSUAL PENAL – HABEAS CORPUS – ART. 214, C/C 224, “A”, DO CP – SENTENÇA CONDENATÓRIA – NULIDADE – OMISSÃO – EXAME DE TESE DA DEFESA – DESCLASSIFICAÇÃO PARA O ART. 61 DA LCP – Não é omissa a decisão que, fundamentadamente, abraça tese contrária à da defesa. No caso, reconhecido o atentado violento ao pudor com violência presumida, a rejeição da tese de desclassificação para a contravenção do art. 61 da LCP, por redundância, não precisava ser formalmente explicitada Precedentes do STJ e do Pretório Excelso). Ordem denegada.

 

61.00.                         Tudo de essencial posto e analisado, julgo procedente a denúncia, para, de conseqüência, condenar o acusado  S. C. de M., brasileiro, solteiro, serviços gerais, filho de I. R. de M. e S. M. C. de M., residente e domiciliado á Rua 04, Quadra 03, casa 07, Conjunto São Raimundo, por incidência comportamental no artigo 155, §4º, I, cujas penas-base fixo em 04(quatro) anos e 20(vinte)DM, à razão de 1/30 do SM vigente à época do fato, sobre as quais faço incidir menos 2/3, em face da causa geral de diminuição de pena prevista no parágrafo único do artigo 14, do CP, totalizando, definitivamente, 01(hum)ano e 04(quatro)meses de reclusão e 07(sete)DM, devendo a pena privativa de liberdade ser cumprida, inicialmente, em regime semi-aberto, em face do que estabelece o §3º, do artigo 33, do Digesto Penal.

63.00.                         O réu responde a vários processos – nºs 49272008. 264662006 e 21132005, nas 8ª, 3ª e 9ª varas criminais – razão pela qual a ele não foi concedido nenhum benefício.

64.00.                         Malgrado os antecedentes do acusado, entendo que o mesmo deve ser mantido em liberdade, em face do regime de cumprimento de pena definido.

62.00.                         P.R.I.C.

63.00.                         Com o trânsito em julgado desta decisão, lançar o nome do réu no rol dos culpados e extrair Carta de Sentença.

64.00.                         Remetam-se os autos principais, depois de expedida a necessária carta de sentença, ao arquivo, com a baixa em nossos registros.

65.00.                         Façam-se as comunicações necessárias, especialmente à distribuição, para os devidos fins.

66.                              Custas, na forma da lei.

 

São Luis, 20 de novembro de 2008.

 

Juiz José Luiz Oliveira de Almeida

         Titular da 7ª Vara criminal

 


  “Lembremos, ainda, que o monopólio de distribuição de justiça e o direito de punir cabem, como regra, ao Estado, vedada a autodefesa e a autocomposição. Evita-se, com isso,  que as pessoas passem a agredir umas as outras, a pretexto de estarem defendendo seus direitos” (Guilherme de Souza Nucci, in Manual de Processo e Execução Penal, Editora revista dos Tribunais, 2005, p.157) 

“Como se sabe, a aplicação de sanções é, hoje, função privativa do Estado, isto é, o Estado é o único autorizado a impor uma pena a um infrator, ainda que essa pena seja determinada por lei.

     Dessa forma, é preciso assegurar um meio pelo qual a ocorrência do crime chegue ao conhecimento do Estado. Se isso não ocorrer – se um órgão do Estado não vier a conhecer com mínima precisão o autor e as circunstâncias da prática delituosa – abre-se oportunidade para que ocorram inúmeras injustiças, consubstanciadas na condenação de pessoas inocentes, ou na impunidade de que seja culpado”.( Edílson Mougenot Bonfim, Curso de Processo Penal, 4ª edição, Editora Sraiva,  2008, p.97)

“O sistema acusatório por nós adotado coloca o juiz na verdadeira função de órgão estatal eqüidistante do conflito de interesse entre as partes. O juiz julga e aplica a lei, porém quem assume o papel de manifestar a pretensão punitiva é o Ministério Público”( Paulo Rangel, Direito Processual Penal, Lúmen Júris, 2001, p.287) 

O inquérito policial tem conteúdo e informativo, mas as provas nele albergadas podem, sim, ser buscadas para compor, integrar fortalecer o conjunto probatório. Os princípios do contraditório e da ampla defesa, é verdade, não se aplicam no inquérito policial, mas nem por isso se pode deixar de buscar dados nele  coligidos para composição da prova judicial. O que não se pode, sob qualquer pretexto, é decidir com base exclusivamente em provas extrajudiciais. 

“O Estado e o titular exclusivo do direito de punir que só se efetiva mediante o processo legal, o qual tem início com a propositura da ação penal. Segue que, em regra, cabe aos órgãos do próprio Estado a tarefa persecutória. Entre nós, atribui-se a investigação prévia à autoridade policial (polícia civil ou polícia federal, CF, art. 144, incisos e parágrafos) ou àquelas autoridades administrativas a quem a lei  cometa a mesma função, qual, a de polícia judiciária(CPP, art. 4º parágrafo único), ao passo que a ação penal pública fica a cargo exclusivo do Ministério Público” (CF, art.129, I) (Fernando Capez,  Curso de Processo Penal, 13ª edição, Saraiva, 2005, p.117) 

“Dos mais importantes no processo acusatório é o princípio do contraditório (ou da bilateralidade da audiência), garantia constitucional que assegura a ampla defesa do acusado (artigo 5º, LV).  Segundo ele, o acusado goza do direito de defesa sem restrições, num processo em que deve estar assegurada a igualdade das partes” (Júlio Fabbrini Mirabete, Processo Penal, 17ª edição, Editora Atlas, 2005, p. 47). 

STJ – HC 34618 – SP – 5ª T. – Rel. Min. Felix Fischer – DJU 13.12.2004 – p. 00388) JCF.5 JCF.5.XI ) STJ – HC 35917 – MS – 5ª T. – Rel. Min. Felix Fischer – DJU 08.11.2004 – p. 00261) JCP.214 JCP.224 JCP.224.A JLCP.61

 

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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