As vítimas do desprezo estatal-II

O presente artigo foi publicado com vários erros de redação, em face da minha falta de tempo para revisá-lo. Terminei, ainda agora, de fazer um rápida revisão. Mas, imagino, devem surgir novos erros. Na próxima leitura espero afasta-los por inteiro.

A seguir, o artigo, com uma chamada em destaque.

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“[…]Poucas, raras, isoladas são as vozes que se levatam contra essa ignomínia. As que se levantam. os que erguem a voz contra esse estado de coisas, parecem, ao olhos dos que estão entorpecidos e acomodados diante desse quadro, radicais, sonhadores.

É claro que quando afirmo que a polícia mata e que ainda se arranca confissões à base de tortura, não estou generalizando. Mas essa é uma realidade que não se pode obscurecer. É claro, ademais, que quando afirmo que aos presos se dispensa tratamento desumano e degradante, estou, sim, generalizando, pois, quanto a isso, não há exceções[…]”

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O corpo humano guarda a vida. A agressão ao corpo humano é uma agressão à vida. A integridade física é um bem vital do homem. É, por isso, um direito fundamental do indivíduo. Não é por outra razão que a lei penal pune o crime de lesão corporal, nas suas mais variadas formas.

Quem pratica uma agressão física está sujeito aos rigores da lei. Pelo menos é isso que se espera. É isso que está escrito no Código Penal. E é isso que, às vezes, acontece, quando os órgãos persecutórios têm noticia da ocorrência de uma lesão corporal que possa ser tipificada como crime, vez que as lesões de pouca monta, irrelevantes por isso mesmo, devem passar à ilharga dos órgãos de persecução.

A Constituição Federal, no que se refere, especificamente, aos enclausurados, assegura, expressamente, por exemplo, o respeito à sua integridade física( art. 5º, XLIX). A Constituição vai mais longe. Além da garantia à integridade física dos presos, declara que ninguém será submetido a tortura ou a tratamento desumano ou degradante (art. 5º, III).

Por que, então, a polícia mata tanto? Por que, então, nos dias atuais, sob a égide de uma Constituição tão avançada, ainda arrancam confissões a fórcepes? Por que, ainda hoje, a olhos vistos, se submetem os presos a situações desumanas e degradantes? Por que, nesse contexto, quase não se pune os agentes transgressores? Por que as notícias veiculadas acerca de maus-tratos a presos e de execução de suspeitos passa, de regra, ao largo dos órgãos persecutórios?

Para mim, do meu ponto de observação, tudo isso ocorre em face da timidez – às vezes, covardia – das nossas instâncias persecutórias. Desde meu olhar, isso ocorre porque, de regra, os maus-tratos e as execuções têm uma vitima preferencial: o pobre, o egresso das classes desfavorecidas.

A verdade é que a polícia mata, arrancam-se confissões à base de tortura e se submete a população carcerária a tratamento desumano e degradante, porque as vítimas da prepotência estatal são os desvalidos da sorte.

Poucas, raras, isoladas são as vozes que se levatam contra essa ignomínia. As que se levantam, os que erguem a voz contra esse estado de coisas, parecem, ao olhos dos que estão entorpecidos e acomodados diante desse quadro, radicais, sonhadores.

É claro que quando afirmo que a polícia mata e que ainda se arrancam confissões à base de tortura, não estou generalizando. Mas essa é uma realidade que não se pode obscurecer.

É claro, ademais, que quando afirmo que ao encarcerado se dispensa tratamento desumano e degradante, estou, sim, generalizando, pois, quanto a isso, não há exceções.

Aos que eventualmente se indignarem com as minhas reflexões, concito a visitar os cárceres e a ler os jornais. Assim procedendo, decerto concluirão que não estou sendo leviano.

Tenho o maior respeito pelas Polícias. Todos temos. Mas não se pode deixar de admitir que há, sim, como em todas as corporações, os que desviam a conduta. E, desviando-a, praticam toda sorte de desatinos. E pelos desatinos, só raramente são punidos.

O que importa mesmo para os fins almejados nessas reflexões não é assacar acusações contra nenhuma instituição. O que importa mesmo é o que nós, instâncias de poder, estamos fazendo para mudar esse quadro. Eu, de minha parte, pelo menos, estou concitando à reflexão. É pouco, sim. Pior, no entanto, é a aquiescência, o silêncio criminoso.

Mas de uma coisa tenho a mais absoluta certeza: se os órgãos persecutórios, se as instâncias penais a todos alcançassem, se a prisão tivesse por destinatários todos os cidadãos, indistintamente, não haveria tratamento desumano e degradante nos cárceres, a polícia não praticava execuções sumárias e nem se arrancaria confissões à base de tortura. Tortura, tratamento degradante e execuções são destinadas apenas às vítimas do desprezo estatal. Simples, assim.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

Um comentário em “As vítimas do desprezo estatal-II”

  1. Caro Desembargador,
    Anos atrás cantavamos uma música ( se nao estou enganadom de autoria de pe. Zezinho) com um trecho que dizia: ” menores abandonados… são o fruto do mal que floriu num país que jamais reapartiu. O seu artigo vai ao ponto central da questão da tortura e da execução praticadas por agentes do Estado (de Direito).O silêncio cúmplice de quem cabe a guarda desse Estado de Direito se dá porque, como membros da elite deste país, tb acha necessária uma limpeza social capaz de devolver o espaço público aos seus pares. Preferem considerar os pobres uma classe social perigosa, sempre suspeita até que sob torturas confesse o crime, a obrigar o ESTADO a Constituição: Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil. Art. 3º Sao objetivos fundamentais da República Federativa do Brsil:
    I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;
    II – garantir o desenvolvimento nacional;
    III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
    IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

    A miséria nas ruas é a acusação mais grave contra o Estado.

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