Mentecaptos não somos

Fui juiz eleitoral por mais de dezesseis anos; sou eleitor há quase quarenta anos.

Com a experiência acumulada, posso dizer que já vi de quase tudo no período eleitoral – e mais alguma coisa.

Como eleitor, de ontem e de hoje, posso manifestar a minha mais extremada desafeição, repugnância mesmo, às falsas promessas de alguns candidatos, com o claro objetivo de ludibriar – sem nenhuma convicção, sem idealismo e sem ideologia.

Noutro giro, como magistrado, vivi a desgastante experiência de tentar, quase sempre embalde, expungir as fraudes do processo eleitoral.

A verdade é que a administração de uma peleja eleitoral sem vícios tem sido uma luta inglória de tantos quantos pugnam para que das urnas brote apenas a verdade eleitoral.

É preciso reconhecer, com franqueza, que, sobretudo no que concerne ao abuso do poder econômico – que, por óbvias razões, desvirtua, sim, o resultado das pugnas, sobretudo porque o eleitor tende a ser fiel a quem lhe ajuda materialmente, disse inferindo-se que, entre a razão e a gratidão, esta termina por preponderar – , não tem sido possível fazer a devida assepsia nos pleitos eleitorais, conquanto se reconheça que já houve avanços nesse sentido.

A propósito das fraudes eleitorais, lembro que, certa feita, num programa de entrevistas, na Rádio Educadora, à época localizada num anexo da Igreja da Sé, centro de São Luis, ao tempo em que eu respondia pela 10ª Zona Eleitoral, na década de 1990, à indagação de um ouvinte/eleitor , eu disse da quase inviabilidade de expungirem-se as fraudes das pugnas eleitorais. E sintezei, numa frase, as razões da minha desesperança: enquanto os juízes eleitorais passam o dia inteiro tentando evitar as fraudes, os maus políticos passam a noite acordados procurando meios de nos enganar.

Vejo, agora, depois de tantos anos, a experiência se repetir, pelo menos no que se referem às falsas promessas.

Vejo, com efeito, das propagandas eleitorais, a mesma cantilena de sempre. Os oportunistas tentam, com elas, ludibriar o eleitor, com propostas absurdas – e, por isso mesmo, irrealizáveis -, como se fôssemos um bando de mentecaptos, incapazes de distinguir a mentira da verdade, o bem do mal, o justo do injusto, o certo do errado.

Os candidatos, quase sem exceção, prometem o que, sabem, não vão cumprir. Mas, ainda assim, prometem, mesmo porque nenhum delas se elegeria se resolvesse admitir que o que está em jogo são os seus própiros interesses e não o interesse público.

O objetivo das campanhas eleitorais – de extremo mal gosto, registre-se – é sempre o mesmo: vender ilusão, para colher votos.

Depois de eleitos…Bem, depois de eleitos, objetivo alcançado, às favas as promessas e os escrúpulos.

PS. Essas reflexões não se destinam a todos os canditados, pois que não desconheço que, entre eles, há exceções. Há, sim, os que ainda fazem política por ideal, conquanto admita tratar-se de um minoria.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

3 comentários em “Mentecaptos não somos”

  1. Com este sistema proporcional injusto, que elege espertalhões, a reforma política jamais acontecerá. Envelheceremos sob a mesma tenda, vendo o mesmo espetáculo da corrupção eleitoral repetir-se impunemente.

    Não dá pra contar com a força do voto, como elemento de mudança; falta-nos maturidade eleitoral.

    Penso que só a Justiça Eleitoral, composta de Juízes Eleitorais independentes, com alto grau de consciência política e ética, é capaz de evitar que estelionatários do processo eleitoral ascendam ao poder.

  2. Seria nosso desejo de bem-comum numa sociedade tão desilusória algo de romântico? Acredito no processo histórico como o próprio motor natural das coisas.Se eu parar de acreditar estarei perdido. Afinal, o que é o homem sem o sonho? Estamos em mutação constante: dialética da vida.
    Ficha limpa sim. princípio de inocência e morosidade processual não devem encontrar guarida no campo do Direito Eleitoral. A vontade popular e os valores numa perspectiva de vontade e representação schoupenhaueriana há de transmudar-se para conservar valores genuínos.

  3. Posto-me a favor do financiamento público e igualitário das campanhas políticas. Utopia?

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