Miséria e cidadania

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e-mail: jose.luiz.almeida@globo.com

Mais uma eleição se encerra, exceto, claro, a de Presidente da República, levada ao segundo turno.

Qual a lição que fica?

Para mim não fica uma lição; fica uma constatação, qual seja, a de que a liberdade de escolha de grande parte de nossa população, máxime do Maranhão, ainda é uma quimera, pois que obliterada, vilipendiada, desrespeitada, afrontada, desde as mais priscas eras, pelo abuso do poder econômico e pelo discurso de ocasião (rectius: demagogia), decorrência lógica do grau de miserabilidade e da ignorância do povo.

Quem foi juiz eleitoral por tantos anos, morando nas comarcas e vivendo próximo dessa realidade como eu, pode afirmar, como o faço agora, que a vontade do eleitor que vive nos rincões de miséria do Maranhão, em face das eleições, é nenhuma, não passa de uma falácia; é uma quimera, posso dizer.

Só pensa diferente que não vive – ou viveu – essa realidade, quem prefere dourar a pílula, quem, para se enganar, prefere crer que o resultado de uma eleição é a tradução da vontade e da consciência do eleitor.

A verdade é que a situação de miséria de um povo mascara, sim, a resultado de uma pugna eleitoral. Só não vê quem não quer, pois está diante dos olhos. É só abrir os olhos, ou melhor, a mente, pois os olhos não visualizam o que a mente não quer ver.

Do que afirmo só discordará quem, vivendo no mundo de fantasia, desconhece o verdadeiro sentido da palavra necessidade, em face das coisas mais simples, como um pão sobre a mesa para o desjejum ou um simples analgésico, para aliviar uma cefaléia.

A constatação a que chego, depois de tudo o que vi e vivi, na condição de magistrado e promotor de justiça, depois de ter trabalhado em tantas eleições, é que a vontade (?) do eleitor que sobrevive nos bolsões de miséria é nenhuma, pois que está sob o determinismo, sob o comando, sob a vontade, enfim, dos cabos eleitorais, os quais, inescrupulosos, sem pejo e sem pudor, negociam, em seu nome, o valor do voto que supõe lhe pertencer – e que, afinal, lhes pertence mesmo.

Nesse condição , sem horizonte, envolto em miséria, soçobrando diante de tantos infortúnios, com a barriga vazia, com os filhos implorando por um pedaço de pão para saciar a fome, vivendo em condições subumanas, sem perspectiva de futuro, com a consciência manipulada por um espertalhão, o eleitor(?) dirige-se à cabina indevassável, para, suprema ironia, exercer a sua cidadania, já com a vontade eleitoral viciada.

Com a consciência manipulada, sem ter noção da importância do voto, o eleitor miserável sai de casa, com a sua melhor vestimenta ( quando a possui), sem se dar conta de que, rigorosamente, compõe apenas um dado estatístico, para, em nome do espertalhão, depositar na urna o voto que não traduz a sua vontade, contribuindo, tão-somente, para o quociente eleitoral que levará ao poder um candidato – ou canditados – que nem mesmo conhece – e jamais conhecerá – , de quem sequer teve a chance de ouvir as propostas – ou as falsas promessas – , mesmo porque, se as ouvisse, é provável que sequer as assimilasse – ou as levasse na devida conta – , em face do “compromisso” já assumido com o líder político, esse, sim, o verdadeiro “proprietário” de sua “vontade”.

É nesse mundo de desventuras e infelicidades, nesse cenário de miséria, diante desse caos e de tantas adversidades e ignomínias – que, não se há de negar, desvirtua o conceito de cidadania – que encontra campo fértil para agir, para pôr em prática as suas maquinações, o todo poderoso alcaide municipal ( o cabo eleitoral ao qual fiz menção acima), o qual, não raro, usa o dinheiro público como se fosse propriedade particular, para, com ele, fazer mesuras, amealhar adesões, comprar consciências, e delas fazer uso em benefício próprio ou de outro líder político qualquer.

É ele, sim, o prefeito municipal – ressalvadas as exceções -, quem mais tem condições de corromper as consciências miseráveis e degradadas pelas adversidades. Nesse contexto, não se há de negar, é quem, com singular esperteza, paga, por exemplo, as contas de luz e água, uma dose de cachaça ou fornece um remédio para aliviar uma dor de cabeça, dentre outras gentilezas feitas com o dinheiro público, para, sem pudor, cobrar a conta, na primeira oportunidade; e a oportunidade é, sempre, a próxima eleção – e a contraprestação é, sempre, o voto, que é, afinal, o que interesse mesmo.

Por tudo isso – e mais alguma coisa – é que é ele, sim, o chefe do executivo municipal – e outras lideranças menos expressivas -, sobretudo nos municípios mais pobres, o proprietário absoluto dos votos dos miseráveis, dos incautos, dos que sobrevivem enfrentando toda sorte de intempéries, nos grotões miseráveis que têm servido apenas para essas finalidades.

Diante desse quadro, não se pode mesmo esperar liberdade de escolha e idealismo. Nesse contexto, falar-se que o pleito eleitoral é resultado da vontade do eleitor, é, para dizer o mínimo, um escárnio.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

2 comentários em “Miséria e cidadania”

  1. Caro Desembargador, lendo suas reflexões acerca do resultado das eleições, onde V. Excia diz que o mesmo não exprime essencialmente a vontade popular, pelas razões, de quem conhece tão profundamente a triste realidade brasileira discorreu. Eu pergunto: O que devemos fazer para mudar tal realidade? Pois no dia da eleição, estava sentada na porta da minha casa, quando dois jovens me chamaram e perguntaram qual a “proposta” do meu candidato, pois ainda não tinham votado. Confesso que fiquei chocada, entristecida, pois até então pensava nos jovens insatisfeitos, sedentos por mudanças, com uma certa rebeldia diante da situação de miséria, de pobreza que impera no País provocada pelos maus políticos. Será que um dia veremos essa realidade transformada?

  2. Ao ler essa crônica, sinto meus sentimentos,sensações e indignações sobre o processo eleitoral traduzidos em palavras. Parabéns!

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