Revisão criminal. Crime de receptação qualificada.Desclassificação

O voto que publico a seguir decorreu de uma revisão criminal, em razão da qual entendi devesse desclassificar a imputação, em relação ao crime de receptação qualificada, em face de não ter sido demonstrado, quanto satis, que o réu tivesse praticado o crime em razão de atividade comercial ou industrial.

Em determinado fragmento, anotei, verbis:

Para que reste caracterizada a hipótese de condenação contrária à evidência dos autos, há de exsurgir da decisão combatida a total ausência de qualquer elemento probatório capaz de sustentar a condenação. Não se pode confundir revisão criminal, que tem requisitos específicos para o seu ajuizamento, com novo recurso de apelação.

Noutra senda, conquanto entendo não ser possível rescindir a sentença questionada, a fim de decretar a absolvição do requerente, à luz das razões supramencionadas, entrevejo ser cabível a desclassificação do crime de receptação qualificada para receptação culposa. Senão vejamos.

A seguir, o voto, por inteiro:

CÂMARAS CRIMINAIS REUNIDASSessão do dia 08 de outubro de 2010.

Nº único:0006205-80.2009.8.10.000

Revisão criminal nº 7210/2010 – Balsas

Requerente : G. R. F.
Advogado : E. C. P.
Requerido : Ministério Público Estadual
Incidência Penal : Art. 33, da Lei 11.343/2006 e art. 180, do CPB
Relator : Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida
Acórdão nº______    

Ementa. PROCESSUAL PENAL. REVISÃO CRIMINAL. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. RECEPTAÇÃO QUALIFICADA. CONTRARIEDADE À EVIDÊNCIA DOS AUTOS. INOCORRÊNCIA. TIPIFICAÇÃO DO CRIME DE RECEPTAÇÃO CULPOSA. DESCLASSICAÇÃO. ALTERAÇÃO DA REPRIMENDA. PEDIDO REVISIONAL PARCIALMENTE DEFERIDO.

1. A revisão criminal com fundamento no inciso I, do art. 621, do CPP, somente é admitida quando há evidente contrariedade à prova dos autos, traduzindo-se em vício de julgamento, não se prestando apenas para reexaminar o quadro de provas, já reavaliado em grau de apelação, inclusive.

2. Constatada a ocorrência de vício grave na adequação jurídica do tipo penal que embasou a condenação, afigura-se viável a desclassificação delitiva, através da revisão criminal, favorecendo-se o réu.

3. Revisão julgada parcialmente procedente.

Acórdão – Vistos, relatados e discutidos os presentes autos em que são partes as acima indicadas, ACORDAM os Senhores Desembargadores das Câmaras Criminais Reunidas do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, por unanimidade e de acordo com o parecer da Procuradoria Geral de Justiça, em dar parcial provimento à revisão criminal, nos termos do voto do Desembargador Relator.

Participaram do julgamento os Excelentíssimos Senhores Desembargadores José Luiz Oliveira de Almeida (relator), José Ribamar Froz Sobrinho, Maria dos Remédios Buna Costa Magalhães, José Joaquim Figueiredo dos Anjos, Raimundo Nonato de Souza, e Raimundo Nonato Magalhães Melo .

A sessão foi presidida pelo Desembargador Benedito de Jesus Guimarães Belo. Presente pela Procuradoria Geral de Justiça a Dra. Domingas de Jesus Froz Gomes.

São Luís (MA), 08 de outubro de 2010.

DESEMBARGADOR Benedito de Jesus Guimarães Belo

PRESIDENTE

DESEMBARGADOR José Luiz Oliveira de Almeida

RELATOR


Revisão criminal nº 7210/2010 – Balsas

Relatório – O Sr. Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida (relator): Cuida-se de revisão criminal, requerida por G. R. F., por meio do seu procurador, contra a sentença de fls. 105/115, que o condenou a uma pena definitiva de 08 (oito) anos de reclusão, a ser cumprida em regime inicialmente fechado, e 530 (quinhentos e trinta) dias-multa, pela prática dos crimes capitulados nos arts. 33, da Lei 11.343/2006 e 180, do CPB, em concurso material.

Da prefacial colhe-se que o requerente não se conforma com a condenação proferida pelo juízo monocrático, por considerar que este firmou sua convicção somente nos fatos albergados na denúncia, a qual está lastreada nas peças da investigação policial, descartando as suas declarações prestadas e demais provas dos autos.

Sustenta, ainda, que não se evidencia, nos autos, a comprovação da materialidade e autoria dos crimes pelos quais foi condenado.

Ao final de suas razões, G. R. de F. requereu:

  • a absolvição por ambos os crimes; ou
  • a absolvição pelo crime de receptação qualificada, para, com a diminuição da pena, modificar o regime inicial de cumprimento da pena para um menos gravoso.

Certidão de trânsito em julgado às fls. 172.

A d. Procuradoria de Justiça, às fls. 189/197, opinou pelo indeferimento do pedido revisional, por entender que pretende mero reexame de provas já avaliadas pelo juízo a quo, o qual conferiu interpretação razoável ao conjunto probatório, inexistindo a alegada contrariedade à evidência dos autos.

É o breve relatório.

Voto – O Sr. Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida (relator): Presentes os pressupostos de admissibilidade da presente revisão criminal, dela conheço.

Infere-se dos autos que G. R. de F. foi denunciado pelo Ministério Público Estadual por incidência comportamental nos artigos 33, da Lei 11.343/2006 e 180, do Código Penal, em razão de, em 12/09/2008, ter sido encontrada, em sua residência, certa quantidade de substância entorpecente de uso proibido, e objetos que supunham os policiais tratar-se de produto de crime.

Diante do conjunto probatório analisado, o MM. Juiz de Direito da comarca de São Domingos do Maranhão entendeu devesse condenar o requerente pelos crimes supracitados, em concurso material, estabelecendo como penas-base as mínimas previstas em lei para cada delito, perfazendo, assim, uma reprimenda final de 08 (oito) anos de reclusão e 530 (quinhentos e trinta) dias-multa, a ser cumprida em regime inicialmente fechado.

Irresignado, o requerente, por meio do seu advogado, pleiteia a revisão da condenação, com fulcro nos arts. 621, I, expendindo os seguintes argumentos:

I – que a denúncia circunscreve-se apenas nas provas produzidas em sede policial, sem que fossem confirmadas durante a fase judicial;

II – que o Ministério Público não formulou perguntas às testemunhas ouvidas em juízo, no que concerne à tese da existência de denúncias anônimas acerca da atividade ilícita do requerente, a fim de ratificá-la;

III – que as provas produzidas durante a instrução processual não oferecem a absoluta certeza que o requerente praticou os crimes;

IV – que a droga encontrada em sua residência não descaracterizam o fato de que era para consumo próprio, especialmente considerando a sua pouca quantidade;

V – que o crime de receptação não restou evidenciado, pela ausência de prova da ocorrência de crime anterior, e o desconhecido, por parte do requerente, da procedência ilícita dos objetos;

VI – que o d. julgador mostrou-se contraditório na sentença, ao afirmar que os objetos encontrados na residência do requerente eram furtados, para, ao mesmo tempo, determinar a devolução dos mesmos à sua companheira; e, por fim

V – que é forçoso concluir pela inexistência da materialidade e autoria dos crimes.

O peticionário visa a sua absolvição por ambos os crimes, ou, alternativamente, a absolvição por um deles, com a modificação do regime de cumprimento da pena, argumentando, para isso contrariedade à evidência dos autos.

É de ver-se, porém, que não assiste razão ao requerente em suas alegações, senão vejamos.

O instituto da revisão criminal, ao impugnar a coisa julgada, deve – exatamente por isso – restringir-se às hipóteses taxativamente arroladas pelo legislador, previstas no art. 621, do Código de Processo Penal, a fim de preservar a segurança jurídica.

Noutros termos, a sentença judicial transitada em julgado só deverá ser desconstituída se eivada de vícios muito graves, que reclamem a sua reforma, e prevaleçam sobre a certeza já estatuída pela entrega do provimento jurisdicional.

Os argumentos trazidos a lume pelo requerente, pode-se dizer, resumem-se na alegação de ausência de provas judiciais suficientes para a condenação, ao tempo em que o juiz de base desconsidera aquelas que implicariam na sua absolvição.

Entretanto, o que ocorreu, em verdade, é que o d. julgador, ante as provas produzidas, escolheu acolher aquelas que, por se mostrarem mais coerentes, ao seu olhar, apontavam para a condenação do réu, ora requerente.

Nessa moldura, o que se vê às fls. 105/115, é que as provas produzidas em sede judicial foram, sim, examinadas pelo juízo a quo, culminando com o desfecho condenatório, bem como reexaminadas por ocasião da apelação criminal interposta.

Portanto, malgrado o inconformismo do autor, estar-se-á diante de pleito que pretende uma terceira análise das provas produzidas, como se novo recurso de apelação fosse.

E, considerando ser a revisão criminal uma via estreita, cujas hipóteses de cabimento são taxativamente descritas em lei, o pedido do requerente não se enquadra, prima facie, em nenhuma das possibilidades de desconstituição da sentença de primeiro grau, inclusive na que alega estar presente.

Para que haja contrariedade à evidência dos autos, suficiente a ensejar uma revisão criminal, é necessário que o requerente demonstre, sem qualquer dúvida, o confronto existente entre a decisão condenatória e as provas coligidas, as quais devem, nesse contexto, ter tomado direção diametralmente oposta àquela, acarretando evidente injustiça. Significa dizer:

A fundamentação baseada apenas na fragilidade das provas produzidas não autoriza o e. Tribunal a quo a proferir juízo absolutório, em sede de revisão criminal, pois esta situação não se identifica com o alcance do disposto no art. 621, inciso I do CPP, que exige a demonstração de que a condenação não se fundou em uma única prova sequer, daí ser, portanto, contrária à evidencia dos autos (Precedentes desta Corte e do Pretório Excelso).[1]

Nessa linha de pensar é o escólio de Ada Pellegrini Grinover[2], do qual transcrevo o seguinte fragmento, verbis:

O segundo fundamento da revisão criminal consiste na contrariedade à evidência dos autos (art. 621, I, parte final).

Também nesse ponto, a contrariedade há de ser frontal, vista como divórcio dos elementos probatórios existentes nos autos. Somente essa interpretação resguarda o princípio do livre convencimento do juiz.

Reafirmo, portanto, não ser esta a hipótese dos autos. A sentença condenatória, por exemplo, analisou a documentação juntada aos autos, evidenciando a materialidade delitiva, às fls. 107.

Na mesma senda, definiu a autoria dos crimes na direção do requerente, cotejando o seu interrogatório – onde admite a propriedade da droga encontrada em sua residência – e os depoimentos das testemunhas arroladas na denúncia (fls. 108/110).

Convém destacar, por oportuno, o depoimento de J. N. S. dos S. (fls. 70), do qual extraio o seguinte excerto, literris:

[…]

– que no dia dos fatos o depoente estava de serviço e foi até a casa do acusado cumprir mandado de busca e apreensão;

– que na chegada, o acusado estava fugindo pelas porta dos fundos, sendo alcançado próximo a casa e em outra residência, escondendo-se no quarto onde havia uma mulher e uma criança;

– que foi feito a busca no interior da residência do acusado e lá foram apreendidos os objetos como bombas de águas, drogas, jóias, DVD(s) e televisão;

– que pelas informações de populares há muito tempo o acusado vende drogas em casa e inclusive com visitas em horários inconvenientes;

– que segundo populares a movimentação de pessoas era grande na casa do acusado;

[…]

A par desta e das demais provas carreadas aos autos, o MM. Juiz de Direito de primeiro chegou à conclusão da existência dos crimes e da autoria direcionada ao requerente, exercendo, plenamente, o seu livre convencimento.

Anoto, por amor à discussão, que os demais depoimentos, colhidos em juízo, também são indicativos de que o requerente tenha sido o autor dos crimes pelos quais foi condenado.

Assim sendo, expungida está qualquer possibilidade de rescindir a sentença para promover a absolvição do requerente, visto que, todas as provas já foram apreciadas pelo d. julgador, e reapreciadas em segundo grau. Nesse caso, repito,

Para que reste caracterizada a hipótese de condenação contrária à evidência dos autos, há de exsurgir da decisão combatida a total ausência de qualquer elemento probatório capaz de sustentar a condenação. Não se pode confundir revisão criminal, que tem requisitos específicos para o seu ajuizamento, com novo recurso de apelação.[3]

Noutra senda, conquanto entendo não ser possível rescindir a sentença questionada, a fim de decretar a absolvição do requerente, à luz das razões supramencionadas, entrevejo ser cabível a desclassificação do crime de receptação qualificada para receptação culposa, senão vejamos.

O requerente, como já exposto, foi condenado pela prática de dois crimes, tráfico ilícito de entorpecentes e receptação qualificada, este último constante do § 1º, do art. 180, do Código Penal.

Sucede que a figura típica do crime de receptação qualificada está restrita ao exercício da atividade comercial e/ou industrial, ou seja, é crime próprio, cujo sujeito ativo é sempre o comerciante ou o industrial, segundo preleciona a mais forte jurisprudência, da qual relevo o excerto de ementa abaixo transcrito:

Não há dúvida acerca do objetivo da criação da figura típica da receptação qualificada que, inclusive, é crime próprio relacionado à pessoa do comerciante ou do industrial. A idéia é exatamente a de apenar mais severamente aquele que, em razão do exercício de sua atividade comercial ou industrial, pratica alguma das condutas descritas no referido § 1°, valendo-se de sua maior facilidade para tanto devido à infra-estrutura que lhe favorece.[4]

No mesmo diapasão:

O delito de receptação qualificada, previsto no § 1º, do art. 180, do CP, admite o dolo eventual como elemento subjetivo do tipo, porque a conduta é praticada por comerciante, de quem se exige maior cautela na verificação da procedência dos bens que adquire, já que mais habituados à prática de negócios e responsáveis por repassar mercadorias à clientela.[5]

Na mesma alheta:

Tendo o réu, comerciante, confessado que adquiriu o bem sem verificar a sua procedência, devendo saber que se tratava de produto de crime em razão das circunstâncias do negócio, configura-se a prática de receptação qualificada, prevista no art. 180, §1º do Código Penal Brasileiro.[6]

Do que assoma dos autos, não se trata o requerente de profissional atinente ao comércio ou indústria, nada restando comprovado acerca disso, constando apenas que exerce a atividade de pintor (fls. 03, 07, 22, 55 e 68).

Indago, desse modo: como poderia o requerente ser responsabilizado pelo crime se não possui a qualificação necessária do sujeito ativo ao qual o delito se limita? Decerto que não há como.

Poderia sim, o d. julgador, ao analisar as provas, e, verificando a ocorrência do crime de receptação, como efetivamente ocorreu, ter tipificado a conduta do requerente no caput, ou no § 3º, do art. 180, do Código Penal, se constatada a forma dolosa ou culposa, respectivamente.

A existência do crime e sua autoria, na esteira do que decidiu o magistrado a quo, restou comprovada, ante a apreensão da bomba d’água (fls. 26) de origem ilícita (fls. 21), que foi restituída ao seu proprietário (fls. 27 e 36/37).

Quanto ao elemento subjetivo, a meu sentir, tenho que não há a convicção firme, pacífica, indene de dúvidas, de que o requerente tenha agido sob a modalidade dolosa, enfim, de que tenha pleno conhecimento da origem ilegal do objeto.

É que, embora tenha sido encontrado na posse do produto furtado, em suas declarações de fls. 69, o requerente apresenta justificativa que o elide de ser sabedor da sua procedência, cujo trecho trago à colação, a seguir transcrito:

[…]

– que comprou a bomba e pediu a nota ao vendedor e este disse que iria trazê-la;

– que em sua casa não tem poço, apenas tem na casa da sua mãe que fica ao lado;

– que a bomba era pra usar na horta de melancia;

[…]

Ademais disso, não há, no bojo dos autos, qualquer outra prova tenha o autor adquirido o referido bem sabendo sê-lo produto de atividade criminosa. Pode até tê-lo sido – e acredito que o tenha – mas só por convicções íntimas não se pode condenar o requerente.

Seriam necessárias provas nesse sentido, sobretudo quando foram apreendidos outros produtos – por mera desconfiança da polícia – para os quais, depois, restou comprovado que pertenciam ao requerente, sendo-lhe devolvidos (fls. 35).

Sobre o assunto, compete registrar a lição de Celso Delmanto[7], da qual extraio o seguinte trecho:

Para a receptação dolosa, é imprescindível que o agente tenha certeza da origem criminosa da coisa (STF, mv – RT 599/434, TJDF, Ap 11.303, DJU 3.2.93, p. 2105, in RBCCr2/241; TJSP, RT759/592; TACrSP, RJDTACr20/156; TJMS, RT 606/396; TARS, RF 263/340; TJRJ, RF 260/326; TJBA, BF 36/157), devendo a prova a respeito ser certa e irrefutável (TRF da 5ª R. Ap. 219, mv – DJURT 812/657). A prévia ciência da origem criminosa não se presume e meras suspeitas não autorizam a decisão condenatória pelo art. 180, caput (TJPR, RT 780/688). 20.6.91, p. 14464; TJRJ,

[…]

Diante disso, para mim, o caminho inexorável é a forma culposa para o delito em questão, que admite, até mesmo, que o agente desconfie seja a coisa produto do crime, em que pese não tenha realizado as cautelas necessárias para certificar-se disso. No mesmo jaez:

Se há provas de que o agente adquiriu um animal que havia sido furtado, mas não restou demonstrado que era conhecedor da sua origem ilícita, deve-se afastar a condenação pelo crime previsto no art. 180, caput, do CP.[8]

Cumpre consignar que, desde o meu olhar, os argumentos trazidos pelo requerente ensejem, sim, a aplicação do art. 621, I, do Código de Processo Penal, em se tratando de sentença que guarda equívoco relevante na definição jurídica de uma das suas condutas, desfavorecendo-o, tornando-se, pois, imperiosa a sua adequação nesta sede revisional.

Na esteira desse entendimento têm decidido os nossos sodalícios, como se pode ver no julgado a seguir:

REVISÃO CRIMINAL – LATROCÍNIO – PEDIDOS DE NULIDADE DO PROCESSO E DE DESCLASSIFICAÇÃO DA CONDUTA – REANÁLISE DA PROVA – DESCABIMENTO – RECONHECIMENTO DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA E MENORIDADE – NECESSIDADE – PEDIDO PARCIALMENTE DEFERIDO. A revisão criminal não se presta ao reexame de provas, devendo ser manejada apenas na hipótese de flagrante ilegalidade ou equívoco, ou seja, em caso de sentença condenatória contrária ao texto de lei ou à prova dos autos, fundada em provas falsas, ou ainda, quando sobrevêm novos elementos hábeis a inocentar o requerente ou se descobertas circunstâncias que autorizem ou determinem a diminuição especial da pena do peticionário. Verificando-se que a r. sentença olvidou-se de aplicar as atenuantes da menoridade e da confissão espontânea, é mister aplicá-las mesmo em sede revisional, nos termos do art. 626 do CPP[9].

Na mesma alheta:

REVISÃO CRIMINAL. ALEGAÇÃO DE SENTENÇA CONDENATÓRIA DIVORCIADA DA EVIDÊNCIA DOS AUTOS. REAPRECIAÇÃO SEM NOVAS PROVAS. PENA. REINCIDÊNCIA.
Verificado o equívoco no reconhecimento de reincidência não comprovada nos autos, decota-se da pena o acréscimo atinente.
Revisão criminal julgada procedente em parte[10].

Portanto, se nada há nos autos que demonstre o prévio e inequívoco conhecimento, pelo requerente, da origem ilícita da coisa, e, readequando-se a figura típica ao real intento subjetivo do réu (culpa) a alteração da reprimenda imposta é consequência indelével.

Nesse passo, hei por bem substituir a pena-base de 03 (três) anos de reclusão, outrora aplicada ao crime de receptação qualificada, agora afastado, para 01 (um) mês de detenção, referente ao delito de receptação culposa, então incidente na espécie.

Considerando o concurso material do referido delito, com o crime previsto no art. 33, da Lei 11.343/2006, ao qual foi atribuída a resposta penal de 05 (cinco) anos, passo ao cúmulo das penas, o que resulta em 05 (cinco) anos de reclusão e 01 (um) mês de detenção.

Diante do quantum aplicado, e com fulcro no art. 33, §2º, b, da Lei Material Penal, modifico, ainda, o regime inicial de cumprimento, estabelecendo o semiaberto, para o crime tipificado no art. 33, da Lei de Drogas, e aberto, para a receptação culposa.

Com relação à pena de multa, mantenho-a apenas no que tange ao crime de tráfico, excluindo sua aplicação, portanto, do crime de receptação culposa, a teor do que dispõe o §3º do art. 180, do Codex Penal.

Ante as considerações supra, conheço da presente ação revisional, para, diversamente do parecer ministerial, julgá-la parcialmente procedente, e, nessa balada, desclassificar o crime de receptação qualificada para receptação culposa, alterando-se, assim, a pena corporal para 05 (cinco) anos de reclusão, mais 01 (um) mês de detenção, e 500 (quinhentos) dias-multa, em caráter definitivo.

A pena de reclusão será cumprida, inicialmente, em regime semiaberto, e a de detenção, em regime aberto, nesta ordem[11].

É como voto.

Sala das Sessões das Câmaras Criminais Reunidas do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, em São Luís, 08 de outubro de 2010.

DESEMBARGADOR José Luiz Oliveira de Almeida

RELATOR



[1] STJ – REsp 1111624/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 20/08/2009, DJe 16/11/2009.

[2] Recursos no Processo Penal. 6 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 250.

[3] STJ – REsp 1022546/SP, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 16/04/2009, DJe 18/05/2009.

[4] STF – RE 443388, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 18/08/2009, DJe-171 DIVULG 10-09-2009 PUBLIC 11-09-2009 EMENT VOL-02373-02 PP-00375.

[5] TJDFT – 20060710148876APR, Relator ARNOLDO CAMANHO DE ASSIS, 2ª Turma Criminal, julgado em 27/05/2010, DJ 09/06/2010 p. 156.

[6] TJMG – 0005683-67.2005.8.13.0628 – Relator: VIEIRA DE BRITO, julgado em 06/02/2007, publicado em 24/02/2007.

[7] Código Penal Comentado. 8 ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 656.

[8] TJDFT – 20040510035554APR, Relator ARNOLDO CAMANHO DE ASSIS, 2ª Turma Criminal, julgado em 27/05/2010, DJ 09/06/2010 p. 152.

[9] TJMG – 4553439-17.2007.8.13.0000 – Relator: VIEIRA DE BRITO – Data do Julgamento: 07/10/2008- Data da Publicação: 07/11/2005.

[10] TJDFT – 20080020170542RVC, Relator MARIO MACHADO, Câmara Criminal, julgado em 30/03/2009, DJ 29/04/2009 p. 23.

[11] Art. 69 – Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplicam-se cumulativamente as penas privativas de liberdade em que haja incorrido. No caso de aplicação cumulativa de penas de reclusão e de detenção, executa-se primeiro aquela.





Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

Um comentário em “Revisão criminal. Crime de receptação qualificada.Desclassificação”

  1. Dr José Luiz, gostaria de saber daquela pesquisa sobre a questão dos recursos criminais interpostos antes do inicio da contagem do prazo, que o senhor mencionou em outro post… Att. Anete.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.