O viés perigoso das prisões temporárias

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“Na realidade, quem está desejando punir demais, no fundo, no fundo, está querendo fazer o mal, se equipara um pouco ao próprio delinquente”

Evandro Lins e Silva

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Todos nós já ouvimos falar nas (antes?) famosas prisões “para averiguações” ou “correicionais”. Esses os nomes que se davam às prisões arbitrárias que se faziam, “justificadas” pela necessidade de levar a bom termo as investigações realizadas pelas Polícias Judiciáriais.

Em boa hora, entrou em vigor a Lei 7.069/1989, disciplinando a prisão temporária, exatamente para pôr freio às prisões feitas ao arrepio da lei, sob o argumento de sua imprescindibilidade para as investigações.

Inobstante a entrada em vigor da Lei 7.069/1989, o que tenho visto, preocupado, é que, ao argumento da imprescindibilidade da prisão para as investigações realizadas pela Polícia Judiciária, muitos são os magistrados que têm se decidido pela medida extrema, acatando os pleitos formulados pelos Delegados de Polícia, sem a devida fundamentação – pelo menos aqui no Maranhão.

Muitos magistrados, ao decidirem-se pela prisão temporária, ao que tenho constatado, na condição de integrante da 1ª Câmara Criminal, do Tribunal de Justiça do Maranhão, se limitam a “fundamentar” a decisão, repetindo, pura e simplesmente, as palavras da lei ,ou seja, decretam as prisões temporárias argumentando, simplesmente, que são imprescindíveis para as investigações, sem nenhuma base fática, ressuscitando, por via transversa, as famigeradas prisões para “averiguações”. E, quando isso ocorre, sobretudo quando se trata de prisão pelo prazo de cinco dias, ao investigado só resta esperar o transcurso do tempo, pois que não terá condições de alcançar sua liberdade, via habeas corpus, antes de fluido o prazo, em face, claro, da exiguidade do tempo; melhor sorte terá se o relator se dignar a conceder uma liminar, em face da flagrante ilegalidade do ergástulo, o que, no entanto, nem sempre acontece.

Não é demais consignar que a autoridade policial, ao representar pela prisão temporária, tem o dever de declinar os motivos dessa medida extrema; e o magistrado que recebe o pleito, da mesma forma, deve motivar a sua decisão, não sendo razoável que se limite a repetir ser a prisão imprescindível para as investigações. E nós, juízes de segunda instância, temos o dever de não fazer vista grossa diante dessas questões. Se despontar, a olhos vistos, a ilegalidade da constrição, temos que, sem mais tardança, restituir a liberdade do investigado, sem temer pela repercussão da decisão.

As prisões cautelares, dentre elas a temporária, não podem ser implementadas como uma antecipação da pena. Elas só devem ser decretadas, todos têm dito isso, na medida de sua real necessidade.

É verdade sabida que a liberdade é a regra; a prisão, exceção, em função do princípio da presunção de inocência encartado em nossa Carta Magna.

É preciso ter em mira que o investigado, como qualquer um de nós, é sujeito de direito, inobstante se tenha que admitir que, muitas vezes, tem sido mero objeto processual, sobretudo aos olhos dos que pouco se importam com o garantismo penal.

O magistrado não pode, reafirmo, sob qualquer pretexto, chancelar prisões descabidas, calcadas em conjecturas, sem base empírica fática, ainda que o seja para dar satisfação à sociedade.

Evandro Lins, a propósito, advertiu: “Na realidade, quem está desejando punir demais, no fundo, no fundo, está querendo fazer o mal, se equipara um pouco ao próprio delinquente”.

Nós, do Poder Judiciário, para nos fazer respeitar, não precisamos fazer o mal. Na nossa condição, o que importa mesmo é reparar as injustiças, e, no caso específico das prisões com a marca da ilegalidade, repará-las, restituindo ao investigado o seu sagrado direito de ir e vir, que só pode ser restringido à luz dos fatos que justifiquem o carcer ante tempus.


Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

4 comentários em “O viés perigoso das prisões temporárias”

  1. Fez-me Lembrar do julgamento do HC nº. 84.078-7 Minas Gerais da relatoria do inesquecível Ministro do Supremo, Eros Grau, que com a contundência que lhe é peculiar disse: “Essa desenfreada vocação à substituição de justiça por vingança denuncia aquela que em outra ocasião referi como estirpe dos torpes delinqüentes enrustidos que, impunemente, sentam à nossa mesa, como se fossem homens de bem”.

  2. Realmente aqui no Maranhao nos deparamos cada vez mais com casos dessa natureza,onde pessoas (delegados de policia) na ansia de mostrar serviço e/ou justificativa para sociedade sem nenhuma prova mais conclusa pedem prisoes temporarias e o magistrado que recebe o pedido acata sem se quer averiguar os fatos ou pedir maiores esclarecimentos sobre tal pedido,na verdade a vontade de prejudicar muita das vezes é maior que a real necessidade de promover justiça e o ciclo de amizidade e/ou intimidade que uns(aqueles) tem com os outros(estes) facilita o entao pedido de prisao,promovendo assim cada vez mais injustiças contra os cidadãos de bem(aqueles que nao tem motivos para realizar ou promover desordens publicas)a ação é tao exacerbada que fazem voz de prisao em seu proprio local de trabalho nao dando ao cidadao oportunidade de defesa nem se quer de saber por qual motivo esta sendo realizada tal ação e a peucupação aumenta ainda mais quando se ve deparado com o local ao qual esta sendo encaminhado “presidio de segurança maxima”,ai nos perguntamos,como deixar pra tras esses dias mal vividos?como esquecermos que um ato de injustiça da propria justiça nos colocou em uma situação de risco onde pensamos sempre o contrario?o contrario que seriamos protejidos pela justiça?e se no ato de vandalismos daqueles que de fato cometem crime viessemos a perder a vida dentro de um sistema penitenciario falido?quem seria penalizado por isso?quem seria responsabilizado pelo ato dessa prisao injusta?
    A sociedade nao quer apenas justificativas a sociedade quer a verdade dos fatos quer acreditar no seu direito de ir e vir,quer acreditar que a justiça se faça valer no seu contexto como todo nao apenas em partes.

  3. Simplesmente esplêndido!

    Na minha pequenez e sempre recorrente a história e aos grandes pensadores que prestaram, e como exemplo contemporâneo o jornalista e jurista citado na crônica Evandro C.Lins e Silva e prestam contribuições valiosas à sociedade,bem como:Vossa Eminência.Vejo que está chegando ao fim a inalienabilidade dos direitos,salvaguardando tais direitos fundamentais a existência humana.
    Esse despertar que o senhor nos propõe nos remete à compreensão dessa garantia que são direitos conquistados historicamente,advindo de um longo processo de valiosas contribuições do pensamento humano.Portanto,devemos
    resguarda-los e respeitá-los tanto a iniciativas do poder público quanto nós cidadãos.
    Não tenho outra palavra para citar que não for FELICIDADE de perceber que ainda há uma luz,há luta pela garantia de conceder a existência digna das pessoas.
    A Organização da Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura relata a necessidade de:
    ” Uma proteção de maneira institucionalizada dos direitos da pessoa humana contra os excessos do poder cometidos pelos órgãos do Estado, e por outro, regras para se estabelecer condições humanas de vida e desenvolvimento da personalidade humana.” (UNESCO em 1978)

    Findo aqui com essa homenagem póstuma ao Evandro C.Lins e Silva e honrada e agraciada por Deus a fazer em vida ao eminente José Luiz Oliveira de Almeida.Vocês fazem parte dessa construção histórica pela garantia da dignidade humana.

    Então aos grandes Homens justos,íntegros,invioláveis:

    “Quem souber cantar que cante, quem souber tocar que toque, quem puder gritar que grite, quem tiver apito, apite – faça esse mundo acordar.”
    (Lupicínio Rodrigues)

    “Nada consegue impedir o homem que tem a atitude mental correta de atingir as suas metas; nada na Terra consegue ajudar o homem com a atitude mental errada.” (Thomas Jefferson)

    “Uma grande atitude faz muito mais que acender as luzes no nosso mundo; parece que ela magicamente nos conecta a todos os tipos de oportunidades casuais, que estavam de alguma forma ausentes antes da mudança.”

    (Earl Nightingale)

    “… não seja um Pôncio Pilatos. Lambuze em vez de lavar as mãos. Participe para evitar o massacre.”(Betty Milan)

    “Não creio no poder da repressão. Creio no homem. Creio no respeito ao homem. Creio na igualdade entre os homens. Creio na palavra. Creio no contato entre seres humanos, na possibilidade da comunicação entre o homem que está sendo processado e o homem que, eventualmente, está sendo o juiz de seu irmão. Creio, sem pieguismo, no amor. E mais ainda creio na justiça, como valor supremo.Espero o mundo novo. Espero a nova sociedade, sem oprimido e opressores. Espero por estruturas sociais onde a miséria não arme o braço do crime, onde não se faça de cada homem um simples número para as estatísticas da sociedade de consumo.As estruturas sociais e econômica que são criminosas.”(Do livro “Uma porta para o Homem no Direito Criminal” – Editora Forense, 2001)

  4. Esqueci de colocar a música de Gonzaguinha Semente do amanhã:
    Ontem um menino que brincava me falou
    que hoje é semente do amanhã…
    Para não ter medo que este tempo vai passar…
    Não se desespere não, nem pare de sonhar
    Nunca se entregue, nasça sempre com as manhãs…
    Deixe a luz do sol brilhar no céu do seu olhar!
    Fé na vida Fé no homem, fé no que virá!
    nós podemos tudo,
    Nós podemos mais
    Vamos lá fazer o que será.

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