Habeas corpus. Denegação

Publico, neste espaço, o voto que proferi, em face do HC nº 32153/2010, com a antecipação dos excertos abaixo.

Cumpre assinalar, ainda, que o ergástulo contra o qual se insurge o impetrante foi decretado em 19 de agosto de 2010. Considerando que a sua prisão em flagrante outrora decretada em maio do corrente ano foi relaxada, houve solução de continuidade no cômputo do prazo desde então.

Consigno, também, por puro amor ao debate, que o excesso prazal na instrução não se infere pela mera contagem dos prazos, isoladamente, de modo que, superados 81 (oitenta e um) dias, estaria configurado, em tese, o excesso de prazo.

O vetor exegético desta questão, como bem pondera a jurisprudência pacífica do STJ, é a razoabilidade, pois, determinadas circunstâncias fáticas podem justificar que este prazo seja superado, sem implicar, necessariamente, constrangimento ilegal.

A seguir, o voto, por inteiro.


 

PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL

Sessão do dia 16 de novembro de 2010.

Nº Único: 0000895-79.2010.8.10.0058

Habeas Corpus n. 032153/2010 – São José de Ribamar/MA

Paciente : R. F. P. de A.
Impetrante : R. F. de C.
Autoridade Coatora : Juiz de Direito da 1ª Vara Criminal
Relator : Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida

Acórdão n. _______

 

Ementa. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO SUFICIENTE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL POR EXCESSO DE PRAZO NA FORMAÇÃO DA CULPA. INOCORRÊNCIA. DEMORA NA INSTRUÇÃO ATRIBUÍVEL À DEFESA. ORDEM DENEGADA

1. O decreto de prisão preventiva que observa, rigorosamente, os requisitos do art. 312, do CPP, cuja imposição justifica-se em dados fáticos assomados dos autos, não padece de fundamentação insubsistente, devendo ser mantido.

2. A significativa quantidade de entorpecente encontrada em poder do paciente é motivo suficiente para manter-se a ergástula preventiva, para a garantia da ordem pública.

3. “Não constitui constrangimento ilegal o excesso de prazo na instrução, provocado pela defesa”. (Súmula n. 64 do STJ).

4. O prazo de 81 (oitenta e um) dias para a conclusão da instrução criminal é um indicativo para aferir-se eventual excesso de prazo, cuja superação não implica, necessariamente, a configuração de constrangimento ilegal, tendo em vista o princípio da razoabilidade.

5. Precedentes do STJ.

6. Ordem denegada.

 

Acórdão – Vistos, relatados e discutidos os presentes autos em que são partes as acima indicadas, ACORDAM os Senhores Desembargadores da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, por unanimidade e de acordo com o parecer da Procuradoria Geral de Justiça, em denegar a ordem impetrada, nos termos do voto do Desembargador Relator.

Participaram do julgamento os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Antonio Fernando Bayma Araújo (Presidente), José Luiz Oliveira de Almeida (relator) e Raimundo Nonato Magalhães Melo. Presente pela Procuradoria Geral de Justiça a Dra Domingas de Jesus Froz Gomes.

São Luís(MA), 16 de novembro de 2010.

 

DESEMBARGADOR Antonio Fernando Bayma Araújo

PRESIDENTE

 

 

DESEMBARGADOR José Luiz Oliveira de Almeida

RELATOR

 

Habeas Corpus n. 032153/2010 – São José de Ribamar/MA

 

Relatório – O Sr. Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida (relator): Trata-se de habeas corpus contra ato do MM. Juiz de Direito da 1ª Vara Criminal da Comarca de São José de Ribamar/MA, impetrado por R. F. de C., em favor de R. F. P. de A..

Ao que observo da inicial, o paciente está sendo processado pela prática, em tese, do delito previsto no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/06, c/c arts. 12 e 16, da Lei n. 10826/03.

Colho, ainda, da prefacial da impetração:

I – que o paciente foi preso em flagrante delito em 05/05/2010, todavia, sua prisão foi relaxada pelo juízo da Vara de Entorpecentes de São Luís, em 05/08/2010 (fls. 112);

II – que o processo foi encaminhado à comarca de São José de Ribamar, onde está tendo seu regular processamento;

III – que durante a audiência de instrução (fls. 115/116), o Ministério Público requereu a decretação da prisão preventiva do paciente, alegando que houve falha em sua soltura, o que foi acolhido pelo juízo ora apontando como coator;

III – que está sofrendo constrangimento ilegal, pois, excluindo-se o período em que esteve em liberdade (catorze dias), permaneceu 136 (centro e trinta e seis) dias ergastulado, desde a data do flagrante;

IV – que os requisitos ensejadores da prisão preventiva não estão presentes no caso em tela;

V – que existem “[…] nulidades procedimentais, haja vista que, sem qualquer entendimento por parte do Juízo, fora substituído as testemunhas de defesa do paciente […]”;

VI – que ostenta condições subjetivas favoráveis à concessão da ordem; e

V – que não é o autor da imputação criminosa formulada pelo Ministério Público.

Pede ao final, que seja concedida a ordem, liminarmente, expedindo-se alvará de soltura em favor do paciente, sendo confirmada em julgamento final, relaxando-se sua prisão, bem como seja decretada a nulidade de todos os atos judiciais, praticados a partir de 14/05/2010.

Instruiu a inicial com a documentação de fls. 12/142.

Através da decisão exarada às fls. 147/150, indeferi a liminar vindicada, em razão dos requisitos ensejadores não terem sido demonstrados satisfatoriamente.

A autoridade judiciária apontada coatora prestou informações às fls. 152, instruída com a documentação de fls. 153/156, asseverando, em síntese:

I – que o paciente foi preso em flagrante delito, em 04 de maio de 2010, pela prática, em tese, dos crimes previstos no art. 33, a Lei n. 11.343/2006, e art. 12 e 16, caput, da Lei n. 10.826/2003; e

II – que a audiência de instrução, para a continuidade da oitiva de testemunhas de defesa está suspensa, em razão do patrono do paciente ter renunciado ao mandato procuratório.

A Procuradoria de Justiça opinou às fls. 259/162l, pela denegação da ordem, alegando:

I – que a periculosidade e a reprovável conduta social restaram demonstradas nos autos, “[…] demonstrando forte tendência ao crime […]”;

II – que a prisão cautelar foi decretada para a garantia da ordem pública e para “[…] de modo a assegurar a correta e completa instrução criminal e futura aplicação da lei penal […]”; e

III – que a alegação de excesso de prazo não subsiste, pois o processo está tendo regular processamento, apenas aguardando a nomeação de outro advogado pelo paciente.

Os autos vieram-me conclusos.

É o que cumpre relatar.


Voto – O Sr. Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida (relator): Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do presente habeas corpus.

A impetração circunscreve-se nas seguintes linhas defensivas:

I – ausência dos requisitos ensejadores para a decretação da prisão preventiva; e,

II – constrangimento ilegal por excesso de prazo na formação da culpa;

III – presença de condições subjetivas favoráveis ao paciente; e

IV – ocorrência de nulidade procedimental.

Após prestadas as informações, e colhido o parecer ministerial, devo dizer, à guisa de confirmação do que expus na decisão de indeferimento da liminar, que nenhum dos argumentos da defesa restaram-me suficientemente seguros a conceder a ordem.

Nesse passo, pondero, primeiramente, que o édito constritivo cautelar está, sim, devida e concretamente fundamentado, de acordo com dados factuais considerados pelo magistrado de base.

Nesse sentido:

“[…] Ademais, observa-se que o juízo titular homologou a prisão do acusado R. em estado flagrante delito e vislumbrou em seguida os requisitos e pressupostos da prisão preventiva (art. 311 e 312 do CPP), os quais, agora mais uma vez, entendo de igual modo configurados nos autos, especialmente a necessidade de se Garantir a Ordem Pública (em função da quantidade de drogas apreendidas, infração esta que requer uma certa habitualidade e, por conseguinte, reiteração delitiva, assim como também foram apreendidas armas de fogo). Acrescento, ademais, neste juízo cautelar e perfunctório, a gravidade do delito em que estamos examinando, afinal, as circunstâncias concretos do caso, tais como deter o agente outras informações da prática de tráfico e, repito, a quantidade de “cabeças” de droga encontrada, e grande quantidade de dinheiro, fazem crer que o Réu representa ameaça à ordem pública, o que revela a necessidade de sua prisão. […]”

Portanto, ao contrário do que afirma o impetrante, a exigência constitucional de fundamentação das decisões foi cumprida a contento.

Obtempero que a significativa quantidade de droga encontrada em poder do paciente foi o fator condicionante para a decretação de sua custódia cautelar, por considerar o juízo a quo tal circunstância nociva à ordem pública.

Sobre a questão, os pretórios já se manifestaram:

HABEAS CORPUS LIBERATÓRIO. PACIENTE PRESO EM FLAGRANTE E CONDENADO POR NARCOTRAFICÂNCIA (ART. 33, CAPUT DA LEI 11.343/06). APREENSÃO DE 47 PEDRAS DE CRACK. PENA APLICADA: 1 ANO E 8 MESES DE RECLUSÃO, NO REGIME INICIAL FECHADO. NEGATIVA DO DIREITO DE APELAR EM LIBERDADE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CONFIGURADO. RÉU QUE PERMANECEU PRESO DURANTE TODA A INSTRUÇÃO CRIMINAL. VEDAÇÃO À CONCESSÃO DA LIBERDADE PROVISÓRIA. PARECER DO MPF PELA DENEGAÇÃO DO WRIT. ORDEM DENEGADA.

1. Não há constrangimento ilegal na negativa do direito de aguardar em liberdade o julgamento do recurso de Apelação, por ocasião da prolação da sentença condenatória, daquele que foi preso em flagrante e assim respondeu a ação penal por tráfico de entorpecentes, uma vez que o art. 44 da Lei 11.343/06 veda a concessão da liberdade provisória. Precedentes do STJ.

2. Ademais, a manutenção da prisão preventiva para apelar restou embasada, principalmente, na necessidade de garantir a ordem pública, dada a expressiva quantidade (47 pedras) e a qualidade do entorpecente apreendido (crack), droga das mais perniciosas para a sociedade.

3. Parecer do MPF pela denegação do writ.

4. Ordem denegada.

(HC 174.655/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA, julgado em 21/09/2010, DJe 18/10/2010)

No mesmo norte:

PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. PRISÃO EM FLAGRANTE. LIBERDADE PROVISÓRIA. INDEFERIMENTO. SIGNIFICATIVA QUANTIDADE DE DROGA. RISCO PARA ORDEM PÚBLICA. EXISTÊNCIA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL.

INOCORRÊNCIA. RECURSO DESPROVIDO.

1. A necessidade da custódia cautelar restou demonstrada, com base em dados concretos dos autos, conforme recomenda a jurisprudência desta Corte, estando o decisum proferido na origem fundamentado no risco para a ordem pública, evidenciado na significativa quantidade de droga apreendida.

2. Recurso desprovido. (com voto-vencido).

(RHC 25.775/MG, Rel. Ministro NILSON NAVES, Rel. p/ Acórdão Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 15/12/2009, DJe 30/08/2010).

Por conseguinte, a medida constritiva, em minha compreensão, está embasada em dados concretos, considerados pelo juízo a quo, e suficientemente justificada e fundamentada, de acordo com os requisitos do art. 312, do CPP.

Prossegue o impetrante afirmando que o paciente estaria, supostamente, sofrendo constrangimento ilegal por excesso de prazo, argumento este que, desde já adianto, também, não merece guarida.

De acordo com as informações prestadas pela autoridade indigitada coatora (fls. 152), a instrução criminal está tendo regular prosseguimento, pois “[…] no dia 19/08/10 foram ouvidas algumas testemunhas, tendo marcada data para continuação do referido ato por requerimento da defesa, visando a apresentação de testemunhas substitutas às ausentes. […]”

Prossegue o juízo apontado coator relatando que “[…] posteriormente, o Defensor constituído renunciou ao mandato, motivo pelo qual foi suspensa a realização da audiência marcada para 20/10/10, sendo determinada a intimação do réu para constituir no (sic) advogado, em três dias. O feito encontra-se aguardando o cumprimento da referida determinação. […]”

De fato, ao detido exame do termo de audiência acostado às fls. 153, observo que a defesa postulou a substituição das testemunhas faltosas naquela ocasião, e, logo em seguida, o advogado do paciente renunciou ao mandato procuratório, inviabilizando a realização do ato processual.

Neste ponto, cabe afastar, por oportuno, o descabido argumento da defesa de suposta “nulidade procedimental”, pois, é evidente que a substituição de testemunhas foi requerida pelo advogado que até então representava o paciente, e não fora determinada ex officio, pelo juízo a quo, como quer fazer crer o impetrante.

Como é notório, a instrução processual encontra-se suspensa, temporariamente, por causa atribuível única e exclusivamente à defesa, não sendo lícito ao impetrante arguir, nesse contexto, a ocorrência de excesso de prazo em favor do paciente.

A corroborar o argumento aqui exposto, trago à lume o entendimento consolidado pela súmula n. 64 do STJ:

“Não constitui constrangimento ilegal o excesso de prazo na instrução, provocado pela defesa.”

(Sem destaques no original)

Portanto, não subsiste a alegação de constrangimento ilegal por excesso de prazo.

Cumpre assinalar, ainda, que o ergástulo contra o qual se insurge o impetrante foi decretado em 19 de agosto de 2010. Considerando que a sua prisão em flagrante outrora decretada em maio do corrente ano foi relaxada, houve solução de continuidade no cômputo do prazo desde então.

Consigno, também, por puro amor ao debate, que o excesso prazal na instrução não se infere pela mera contagem dos prazos, isoladamente, de modo que, superados 81 (oitenta e um) dias, estaria configurado, em tese, o excesso de prazo.

O vetor exegético desta questão, como bem pondera a jurisprudência pacífica do STJ, é a razoabilidade, pois, determinadas circunstâncias fáticas podem justificar que este prazo seja superado, sem implicar, necessariamente, constrangimento ilegal.

À guisa de ilustração, colho excerto do voto abaixo transcrito:

[…] 8. O período de 81 dias, fruto de construção doutrinária e jurisprudencial, não deve ser entendido como prazo peremptório, eis que subsiste apenas como referencial para verificação do excesso, de sorte que sua superação não implica necessariamente um constrangimento ilegal, podendo ser excedido com base em um juízo de razoabilidade. […]”

(HC 103.638/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA, julgado em 27/11/2008, DJe 19/12/2008)

Ressalto, como reiteradamente venho fazendo, que as propaladas condições subjetivas favoráveis ao paciente não tem o condão, por si sós, de ilidir o decreto de prisão preventiva, quando presentes os requisitos ensejadores, exatamente a hipótese vertente dos autos.

Por derradeiro, reitero os argumentos outrora expendidos quando indeferi a liminar pleiteada, relativamente à manifesta inadequação da via eleita para suscitar discussões atinentes à autoria delitiva, por sobejarem os estreitos lindes cognitivos do writ, pois demandaria inviável revolvimento de matéria fático-probatória, e, de viés, indevida supressão de instância do juízo competente.

Ao lume dessas considerações, conheço do presente habeas corpu, para, de acordo com o parecer da Procuradoria de Justiça, denegar a ordem.

É como voto.

Sala das Sessões da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, em São Luís, 16 de novembro de 2010.

 

 

DESEMBARGADOR José Luiz Oliveira de Almeida

RELATOR

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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