Tudo é uma questão de interpretação

As palavras são interpretadas de acordo com as conveniências de cada um. Se digo que uma pessoa é bonita e ela não o é fisicamente, o intérprete pode concluir que o faço com deboche, porque não foi capaz de entender que a beleza a que me reportei não era a beleza física, mas a beleza do bem proceder, do ser correto, do ser altruísta, do ser fraterno e fiel. É tudo, pois, uma questão de intepretação, que vai da cabeça de cada um. Eu posso, por exemplo, dizer que amo um amigo e, com essa afirmação, fazer os maledicentes imaginarem que eu estaria exteriorizando as minhas preferências sexuais. É que o interlocutor, quiçá por maldade, não foi capaz de entender – ou não quis entender – que o amor, nesse caso, transcende às questões meramente sexuais.

Na última sessão do ano do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, o presidente levou ao Pleno alguns dados interessantes. Dentre outras coisas, o presidente disse que o único desembargador que compareceu a todas as sessões do pleno no ano que se finda tinha sido o colega Raimundo Nonato de Souza. Pronto! O mundo quase desaba. Houve quem entendesse que, com essa afirmação, o presidente teria, por via obliqua, afirmado que os demais não teriam cumprido com esmero a sua missão, em que pese o presidente, ad cautelam, ter tido que os que não estiveram em todas as sessões tiveram a ausência justificada por doença, férias ou licenças. É dizer: não assacou nenhuma acusação contra nenhum desembargador. Mas, ainda assim, houve que desse uma segunda interpretação às afirmações – feitas de boa-fé, registre-se – do presidente do nosso sodalício.

A história registra casos similares, à farta. Exemplo. Quando a Assembléia Constituinte e Legislativa do Brasil inaugurou seus trabalhos em 03 de maio de 1823, D. Pedro disse que aceitaria e defenderia a Constituição, se fosse digna do Brasil e dele próprio. Pronto! As palavras foram entendidas de forma ambígua. Para alguns, como o padre Andrade de Lima, deputado por Pernanbuco, D. Pedro, com a frase, parecia dizer que a Assembléia podia prestar-se a elaborar um código que não fosse digno do Brasil e do imperador. Era o que faltava para acirrar os ânimos. Depois disso, os enfrentamentos entre o Dr. Pedro e a Assembléia foram inevitáveis. Tudo por causa de uma interpretação equivocada, de palavras que foram ditas sem nenhuma intenção de afrontar a Assembléia Constituinte do Império do Brasil.

O tempo passa e os homens parecem não evoluir nas suas relações mais comezinhas.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

3 comentários em “Tudo é uma questão de interpretação”

  1. O pior é que às vezes a gente faz um bem à pessoa e isto é interpretado como um mal. As relações humanas são extremamente fraudulentas.

  2. Olá Dr., parabéns pelo blog. Sou advogado criminalista em Cuiabá/MT, estou escrevendo meu primeiro livro de processo penal e posso garantir, também, que a interpretação é tudo principalmente no Direito.

    Aproveito para divulgar o meu blog pedir vênia para reproduzir trechos (citando a fonte) do que é postado aqui, uma vez que é de mta valia:

    http://www.criminalistanato.blogspot.com

  3. meu nome é patricia tenho 14 anos nunca tinha ouvido falar no SR. mais agora vou começar a visitar seu blog sempre pois quero ser juiza criminal e tenho fé que chego lá
    o SR. me abriu os olhos em relação ah interpretação pois agora vou começar a prestar mais ateçao na coisa para não entender de uma outra maneira tenho muito ogulho da sua profissão e sei que quando eu chegar lá vou dizer ah todo meu colegas de serviço se estou aqui foi graças aos post’s do SR.josé Luiz Oliveira de Almeida muito obrigada

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