Habeas corpus. Trabalho externo. Concessão

Cuida-se de habeas corpus impetrado em face do indeferimento do pedido de  trabalho externo,  ao argumento de que o paciente teria fugido do distrito da culpa..

Entendi devesse conceder a ordem, de cuja decisão antecipo os seguintes fragmentos:

“[…]Nada obstante, em detido reexame da matéria, observo que, de fato, o argumento central erigido pela autoridade coatora, condicionante ao indeferimento do pleito, não encontra fundamento adequado.

Com efeito, na esteira do que ponderado pela ilustre Procuradora de Justiça, em seu parecer conclusivo, não há nos autos efetiva demonstração de que o paciente teria se evadido do distrito da culpa, para frustrar a execução da pena, após o trânsito em julgado de sua condenação, o qual ocorreu em 22 de janeiro de 2007 (fls. 63).

O que pude constatar, do compulsar dos autos, em verdade, é que, após o trânsito em julgado da condenação, houve excessiva demora no cumprimento do mandado de prisão de fls. 68, expedido em 30 de maio 2007, não efetivado até o ano de 2009, quando, então, foi reiterado, durante a correição no juízo de base (fls. 69)[…]”.

Mais adiante ponderei:

“[…] a constatação do bom comportamento carcerário, aliado à concreta proposta de emprego, e primariedade do sentenciado, são requisitos suficientes para a autorização do trabalho externo[…]”.

A seguir, a decisão, integralmente.

PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL

Sessão do dia 26 de outubro de 2010.

Nº Único: 0016307-30.2010.8.10.0000

Habeas Corpus n. 026396-2010 – Imperatriz/MA

Paciente : J. P. M.
Impetrante : Adv. M. A. F. da S.
Impetrado : Juiz de Direito da 5ª Vara Criminal da comarca de Impertariz-MA
Incidência Penal : Art. 214, c/c 224, a, e art. 226, III, todos do CPB
Relator : Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida

Acórdão n.º ____________

 

Ementa. HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. TRABALHO EXTERNO. REQUSITOS PREENCHIDOS. PLEITO NEGADO. ILEGALIDADE. ORDEM CONCEDIDA

1. A concessão do benefício do trabalho externo deve preencher os requisitos constantes no art. 37, da Lei de Execuções Penais.

2. É inexigível o cumprimento de 1/6 da pena para autorizar a prestação de trabalho extramuros, na hipótese do apenado estar inserido no regime semiaberto, e de lhe serem benéficas as condições objetivas (proposta concreta de emprego) e subjetivas (boa conduta carcerária). Inteligência do art. 37, da LEP. Precedentes do STJ.

3. Não comprovada, quantum satis, a fuga do réu, logo após o trânsito em julgado de sua condenação, tal circunstância não autoriza, por si só, o indeferimento do trabalho externo, se os demais requisitos lhes são favoráveis.

4. Ordem concedida.

 

Acórdão – Vistos, relatados e discutidos os presentes autos em que são partes as acima indicadas, ACORDAM os Senhores Desembargadores da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, por unanimidade e de acordo com o parecer da Procuradoria Geral de Justiça, em conceder a ordem impetrada, para autorizar o paciente a prestar trabalho extra-muros, sob orientação e fiscalização do juízo da vara de execuções criminais, nos termos do artigo 37 da Lei de Execuções Penais, nos termos do voto do Desembargador Relator.

Participaram do julgamento os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Antonio Fernando Bayma Araujo (Presidente), José Luiz Oliveira de Almeida e Raimundo Nonato de Souza. Presente pela Procuradoria Geral de Justiça o Dr. Eduardo Jorge Hiluy Nicolau.

São Luís(MA), 26 de outubro de 2010.

 

DESEMBARGADOR Antonio Fernando Bayma Araújo

PRESIDENTE

 

 

DESEMBARGADOR José Luiz Oliveira de Almeida

RELATOR

 


 

Habeas Corpus n. 026396-2010 – Imperatriz/MA

 

 

 

Relatório – O Sr. Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida (relator): Trata-se de habeas corpus contra ato do MM. Juiz de Direito da 5ª Vara Criminal da comarca de Impertariz-MA, impetrado por M. A. F. da S., em favor de J. P. M..

 

Ao que se colhe da inicial, o paciente está cumprindo pena privativa de liberdade de 06 (seis) anos de reclusão, em virtude de condenação transitada em julgado, pela prática delitiva tipificada no art. 214, c/c 224, a, todos do Código Penal.

 

Assevera o impetrante que no curso da execução, o paciente pleiteou o benefício do trabalho externo, no que foi negado pela autoridade apontada coatora, reputando, então, incorreta a fundamentação do aludido decisum denegatório, por ter considerado, apenas, a fuga do paciente como elemento condicionante desfavorável.

 

Prossegue o impetrante afirmando que o paciente possui proposta concreta de emprego, é primário, tem antecedentes imaculados, e residência fixa.

 

Distribuídos à minha relatoria, inicialmente, vislumbrei a necessidade de obter informações perante a autoridade indigitada coatora na impetração (despacho de fls. 102/103), as quais foram prestadas às fls. 107/109, com a documentação de fls. 110/134, do que se extrai, de relevo à impetração, o seguinte:

 

I – que após sua condenação ter transitado em julgado, em 22/01/2007, o paciente empreendeu fuga, sendo recapturado somente em 24/03/2010, ocasião em que a execução de sua reprimenda iniciou;

 

II – que em 19/05/2010, foi requerida autorização para o trabalho externo;

 

III – que foi concedida ordem de habeas corpus em favor do paciente, para iniciar o cumprimento da pena em regime semiaberto; e

 

IV – que a decisão denegatória de autorização para trabalho externo “(…) considerou que a possibilidade abstrata da concessão do trabalho externo àquele que inicia o cumprimento da pena em regime semiaberto e ainda não alcançou a fração de 1/6 é medida excepcional e que, no caso, não havia tempo de prova suficiente para aferição da conduta carcerária e das condições pessoais do apenado; que, em liberdade, ele poderia tentar frustrar os fins da pena imposta; e que a concessão do benefício, naquele momento, feria a inteligência da norma penal e do binômio adequação e necessidade, descrito nos princípios da proporcionalidade e razoabilidade. (…)”.

 

Após as informações, neguei a liminar vindicada às fls. 136/139, porquanto não me restaram suficientemente demonstrados, de plano, os respectivos requisitos ensejadores para tal desiderato, bem como a ilegalidade do ato ora fustigado.

 

A Procuradoria de Justiça, em parecer da lavrada da Dra. Maria dos Remédios F. Serra, acostado às fls. 142/146, opinou pela concessão da ordem, asseverando que:

 

I – a decisão que negou a autorização para trabalho externo do paciente não está devidamente fundamentada, posto que não demonstrou, de forma inequívoca, a sua suposta fuga; e

 

II – considerando que já foram admitidos, pelo juízo das execuções, o preenchimento dos demais requisitos em favor do paciente (comprovação de bom comportamento carcerário e proposta de emprego), deve ser afastada a sua condição de foragido, concedendo-se, pois, a ordem.

 

É o que cumpre relatar.

 

Voto – O Sr. Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida (relator): Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do presente habeas corpus.

 

O cerne da impetração, ao que observo das alegações encartadas nos autos, circunscreve-se no âmbito da insubsistente fundamentação do decisum de fls. 117/119, emanado da autoridade apontada coatora, que indeferiu o pedido de trabalho externo do paciente, por considerar sua fuga, logo após o trânsito em julgado de sua condenação, desfavorável à suas condições pessoais, descumprindo, assim, um dos requisitos constantes no art. 37, da LEP.

 

Num primeiro momento, ante a ausência dos pressupostos autorizadores da liminar, entendi por bem não concedê-la.

 

Nada obstante, em detido reexame da matéria, observo que, de fato, o argumento central erigido pela autoridade coatora, condicionante ao indeferimento do pleito, não encontra fundamento adequado.

 

Com efeito, na esteira do que ponderado pela ilustre Procuradora de Justiça, em seu parecer conclusivo, não há nos autos efetiva demonstração de que o paciente teria se evadido do distrito da culpa, para frustrar a execução da pena, após o trânsito em julgado de sua condenação, o qual ocorreu em 22 de janeiro de 2007 (fls. 63).

 

O que pude constatar, do compulsar dos autos, em verdade, é que, após o trânsito em julgado da condenação, houve excessiva demora no cumprimento do mandado de prisão de fls. 68, expedido em 30 de maio 2007, não efetivado até o ano de 2009, quando, então, foi reiterado, durante a correição no juízo de base (fls. 69).

 

A prisão do paciente só foi efetivamente cumprida em 24 de março de 2010 (fls. 86), após o TRE-MA ter informado o endereço atualizado do paciente (fls. 81/82).

 

Portanto, o que exsurge dos autos, em minha ótica, é a inércia do aparelho estatal, em fazer cumprir o comando normativo emergente do v. acórdão de fls.56/61, e não inequívoca tentativa de fuga perpetrada pelo paciente.

 

Anoto, ainda, à guisa de necessário esclarecimento, que, muito embora a autoridade policial tenha informado às fls. 87, que capturou o paciente, no endereço residencial situado à Av. Industrial, 746, bairro Bom Sucesso, Imperatriz, o respectivo mandado de prisão (fls. 86) contém o mesmo endereço do anterior, acostado às fls. 68 – Rua Paraíba, n. 1665, Nova Imperatriz.

 

Infere-se, portanto, que a prisão do paciente, num primeiro momento, não fora efetivada devido a diligências insuficientes ao seu cumprimento, já que os endereços indicados eram os mesmos.

 

Portanto, não assoma dos autos, de forma indiscutível, que o paciente estava empreendendo fuga, devendo tal justificativa ser afastada, na análise dos requisitos para o deferimento do pedido de autorização de trabalho externo.

 

A seguir, analiso a viabilidade do pleito formulado no presente writ.

 

O trabalho externo, como é ressabido, constitui-se medida de grande relevo no processo de ressocialização do apenado, permitindo-lhe reingressar, paulatinamente, ao convívio social, através do exercício de uma atividade produtiva, tanto para si, como para a sociedade.

 

Para a sua concessão, a LEP, em seu art. 37, exige o preenchimento de requisitos de ordem objetiva e subjetiva. Reza o dispositivo:

 

Art. 37. A prestação de trabalho externo, a ser autorizada pela direção do estabelecimento, dependerá de aptidão, disciplina e responsabilidade, além do cumprimento mínimo de 1/6 (um sexto) da pena.

 

Parágrafo único. Revogar-se-á a autorização de trabalho externo ao preso que vier a praticar fato definido como crime, for punido por falta grave, ou tiver comportamento contrário aos requisitos estabelecidos neste artigo.

 

Não obstante a expressa exigência no preceito legal do cumprimento do lapso temporal de 1/6 (um sexto), para a concessão do benefício, a jurisprudência assentou o entendimento segundo o qual não se exige a observância daquele lapso temporal, na hipótese do apenado já estar cumprindo sua reprimenda em regime semiaberto, e se as suas condições subjetivas lhe são favoráveis.

 

Esse é o entendimento sedimentado na no STJ, conforme se vê pelo aresto abaixo:

 

HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. REGIME INICIAL SEMIABERTO. BENEFÍCIO DO TRABALHO EXTERNO. DIREITO DO CONDENADO INDEPENDENTEMENTE DO CUMPRIMENTO DE PERCENTUAL DA PENA, DESDE QUE PRESENTES CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS, AINDA NÃO APRECIADAS PELO JUÍZO DAS EXECUÇÕES PENAIS. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. DESCABIMENTO. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA.

 

1. Admite-se a concessão do trabalho externo desde o início ao condenado em regime semiaberto, desde que verificadas condições pessoais favoráveis no caso concreto pelo Juízo das Execuções Penais. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça.

 

2. Ordem parcialmente concedida para, afastada a necessidade de cumprimento de percentual mínimo da pena no regime intermediário, determinar ao Juízo das Execuções Penais que prossiga na análise dos requisitos subjetivos necessários para a concessão do benefício do trabalho externo ao ora Paciente[1].

 

Na mesma senda:

 

EXECUÇÃO PENAL. RECURSO ESPECIAL. ROUBO CIRCUNSTANCIADO. REGIME SEMIABERTO. TRABALHO EXTERNO. CUMPRIMENTO DE 1/6 DA PENA. DESNECESSIDADE. RECURSO PROVIDO.

 

1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que é desnecessário o cumprimento mínimo da pena, de 1/6, para a concessão do benefício do trabalho externo ao condenado a cumprir a reprimenda no regime semiaberto, desde que satisfeitos os demais requisitos necessários, de natureza subjetiva.

 

2. Recurso provido para restabelecer a decisão singular.[2]

 

Neste ponto, oportuno uma digressão.

 

É consabido que os estreitos lindes cognitivos do writ inviabiliza o revolvimento de matéria fático-probatória, o que, no caso vertente, refletiria na análise das condições subjetivas e objetivas para a autorização do trabalho externo pleiteado pelo paciente.

 

Nada obstante, em atento olhar ao caderno processual, pude observar que a própria autoridade judiciária impetrada, na decisão de fls. 117/119, asseverou que “[…] a documentação anexada aos autos comprova que o sentenciado possui proposta de trabalho (fl. 90) e bom comportamento carcerário (fl. 137). […]”. Nada obstante, negou o pleito, arrimado na fuga do paciente, como elemento decisivo para tanto.

 

Por conseguinte, infiro que os requisitos objetivos e subjetivos já foram analisados, e, considerados aptos pelo juízo das execuções.

 

Com efeito, a constatação do bom comportamento carcerário, aliado à concreta proposta de emprego, e primariedade do sentenciado, são requisitos suficientes para a autorização do trabalho externo, na esteira do que já assentado pela jurisprudência:

 

EMENTA: AGRAVO EM EXECUÇÃO – TRABALHO EXTERNO – CONCESSÃO AOS SENTENCIADOS QUE INICIAM O CUMPRIMENTO DA PENA EM REGIME ABERTO – REQUISITOS SUBJETIVOS – PRIMARIEDADE, BOA CONDUTA CARCERÁRIA E PROPOSTA DE TRABALHO – AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. 1. Ao sentenciado que inicia o cumprimento de sua reprimenda no regime semiaberto, independentemente, do requisito objetivo de cumprimento de um sexto da pena, deve ser concedida autorização para o trabalho externo. 2. Concede-se o trabalho externo, desde que comprovados os requisitos subjetivos para a concessão de tal benesse, devendo o reeducando juntar aos autos documentos comprobatórios da sua primariedade e boa conduta carcerária, além da efetiva proposta de trabalho.[3]

 

(Sem destaques no original).

 

Portanto, se o único óbice remanescente à concessão do pedido foi afastado nesta sede, conforme já explicitamos linhas acima, a concessão da ordem é medida que se impõe, haja vista estarem presentes os requisitos necessários ao deferimento do pedido de trabalho externo.

 

Ao lume das considerações supra, conheço do presente habeas corpus, para, de acordo com o parecer da Procuradoria de Justiça, conceder a ordem, e, nesse rumo, autorizar o paciente a prestar trabalho extramuros, sob a orientação e fiscalização do juízo das execuções criminais, nos termos do art. 37, da Lei de Execuções Penais.

 

É como voto.

 

Sala das Sessões da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, em São Luís, 26 de outubro de 2010.

 

 

 

DESEMBARGADOR José Luiz Oliveira de Almeida

 

RELATOR


 


[1] HC 133.350/RS, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 18/03/2010, DJe 12/04/2010

 

[2] REsp 1087248/MG, Rel. Ministro  ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 19/08/2009, DJe 28/09/2009.

 

[3] TJ-MG: Agravo de Execução Penal N° 1.0000.09.512689-2/001 – relator: Exmo. Sr. Des. Eduardo machado. DJ: 28/04/2010.

 

 

 

 

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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