Uma flagrante injustiça

No voto que publico a seguir há questões que valem a pena ser analisadas. Para que se tenha uma idéia da gravidade do que constatei no processo, antecipo alguns excertos da decisão, verbis:

“[…]Portanto, lamentavelmente, verifico que o princípio constitucional da razoável duração dos processos[1] não foi observado a contento, posto que a tramitação do presente recurso ultrapassou o lapso temporal compreendido desde a expedição da guia de recolhimento provisório (fls. 112), em 07 de abril de 2006, até a presente data, culminando com a extinção da pena, pelo seu cumprimento integral, sem o julgamento da apelação.

Observo, ainda, que, através da missiva de fls. 160, foi requisitada a devolução dos presentes autos para esta Corte, que se encontravam na instância a quo, desde maio de 2007, para cumprir a determinação contida no despacho de fls. 132 (baixa dos autos, para a intimação do réu e seu defensor da sentença condenatória). Ficou consignado no referido ofício a seguinte informação: “(…) haja vista a demora no retorno dos autos para este Tribunal (…)”.

A excessiva demora na tramitação de processos, talvez um problema ainda endêmico no Poder Judiciário (à despeito dos louváveis esforços na tentativa de erradicá-lo), acaba por estigmatizar a instituição como morosa, lenta e burocrática, gerando no jurisdicionado um sentimento de descrédito em relação à Justiça.

Vislumbrando, em tese, eventual provimento recursal no caso sob testilha, avultaria uma flagrante injustiça para com o apelante, posto que foi violentado em seu direito de ir e vir, compelido à cumprir integralmente a resposta penal, de forma absolutamente desnecessária[…]”.


Acho que, por tudo isso e muito mais, vale a pena ler o voto por inteiro, o qual publico a seguir.


PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL

Sessão do dia 26 de outubro de 2010

Nº Único: 0009088-05.2006.8.10.0034

Apelação Criminal Nº. 09088/2006 – Timon-MA.

Apelantes : E. B. de C.
Advogado : E. S.
Apelado : Ministério Público Estadual
Incidência Penal : Art. 14, da Lei 10.826/2003
Relator : Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida

Acórdão nº………………

 

 

 

 

Ementa: PENAL E PROCESSUAL PENAL. POSSE ILEGAL DE ARMAS. ABOLITIO CRIMINIS TEMPORÁRIA. ATIPICIDADE DA CONDUTA. APELO CONHECIDO E PROVIDO.

1. O porte ilegal de arma de fogo, entendido o núcleo típico na acepção “trazer consigo”, difere da mera posse, que se configura no âmbito residencial ou em local de trabalho.

2. É atípica a conduta de possuir arma de fogo em residência, porquanto albergada pela abolitio criminis temporária, operada pelo art. 32, da Lei 10.826/2003. Precedentes do STF e do STJ.

3. Apelo conhecido e provido, à unanimidade.

 

 

 

 

Acórdão – Vistos, relatados e discutidos estes autos, ACORDAM os Senhores Desembargadores da Primeira Câmara Criminal, por unanimidade, em desacordo com o parecer da Procuradoria Geral de Justiça, conceder provimento ao apelo, para que o apelante seja absolvido, nos termos do voto do Desembargador Relator.

Participaram do julgamento os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Antonio Fernando Bayma Araujo (Presidente), Raimundo Nonato de Souza e José Luiz Oliveira de Almeida.  Presente pela Procuradoria Geral de Justiça o Dr. Eduardo Jorge Hiluy Nicolau.

São Luís, 26 de outubro de 2010.


DESEMBARGADOR Antônio Fernando Bayma Araujo

PRESIDENTE

 

DESEMBARGADOR José Luiz Oliveira de Almeida

RELATOR

 

 


Apelação Criminal Nº. 09088/2006 – Timon-MA.

 

RelatórioO Sr. Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida (relator): Trata-se de recurso de apelação criminal interposto por E. B. de C., contra sentença oriunda da 1ª Vara Criminal da Comarca de Timon/MA, que o condenou por incidência comportamental no art. 14, da Lei 10.826/2003, à pena de 03 (três) anos de reclusão, e ao pagamento de 20 (vinte) dias-multa.

Da peça de acusação, colho o seguinte relato:

I – que no dia 25 de dezembro de 2004, policiais civis estavam investigando um crime de homicídio, ocorrido na madrugada, e dirigiram-se à residência do acusado, em razão de informações de que ele seria o provável autor; e

II – que ao chegarem à sua residência, “policiais civis apreenderam o acusado E. B. de C., portando arma de fogo, um revólver calibre 22, marca Rossi, tipo “Bereta”, com capacidade para dois projéteis, número D13798, acompanhado de um cartucho intacto (…)”.

A denúncia foi instruída com os autos do inquérito policial, notadamente com o auto de apreensão e apresentação de fls. 13, e auto de exame em arma de fogo às fls. 18/19.

Recebimento da denúncia às fls. 27.

O apelante foi qualificado e interrogado às fls. 33, ocasião em que confessou a prática delitiva.

Defesa prévia às fls. 36/38.

No curso da instrução, foram ouvidas três testemunhas arroladas pelo Ministério Público (fls. 47, 48 e 49). A defesa não arrolou testemunhas, conforme consignado no termo de audiência de fls. 46.

Na fase do art. 499, do CPP, o Ministério Público requereu informações sobre a existência de processos, em desfavor do apelante, em tramitação na 3ª Vara da comarca de Timon. A defesa, por seu turno, nada requereu (fls. 59).

O Ministério Público apresentou razões finais às fls. 63/66, pugnando pela condenação do apelante, como incurso nas sanções do art. 14, da Lei. 10.826/2003, tendo em vista que a autoria e a materialidade delitivas, segundo asseverou, restaram suficientemente demonstradas.

Nas derradeiras alegações às fls. 75/81, a defesa postulou a extinção da punibilidade do apelante, argumentando, em essência, que a sua conduta se amoldaria ao tipo previsto no art. 12, da Lei de Armas – posse -, e não porte, conduta aquela que estaria albergada pela anistia do art. 32, da citada lei.

Sobreveio a sentença de fls. 85/88, na qual o juízo de base condenou o apelante por incidência comportamental no art. 14, da Lei 10.826/2003, à pena de 03 (três) anos de reclusão, e ao pagamento de 20 (vinte) dias-multa.

Contra esta decisão, o apelante interpôs recurso, às fls. 91, com as inclusas razões às fls. 92/96, reiterando a linha argumentativa das razões finais, nos seguintes termos:

I – que as provas colhidas na instrução não apontam para a conduta de porte de arma, pois as testemunhas relataram que a arma estava na residência do apelante;

II – que ter a arma na residência não se enquadra ao tipo previsto no art. 14, da Lei de Armas, e sim, ao art. 12; e

III – que deve ser extinta a punibilidade do apelante, em razão da conduta de posse de arma de fogo ter sido albergada pela anistia, prevista no art. 32, da Lei 10.826/2003.

Em suas contrarrazões acostadas às fls. 106/107, o Ministério Público pleiteou pela manutenção da sentença ora fustigada, sob o argumento de que o porte ilegal de arma de fogo não se tornou atípico, com o advento da Lei 10.826/2003.

Foi expedida, às fls. 112, guia de recolhimento provisório do apelante.

A Procuradoria de Justiça opinou às fls. 120/126 pelo conhecimento e improvimento do apelo, forte nas seguintes razões:

I – que as provas coligidas nos autos confirmam que o apelante portava um revólver calibre 22, o que foi por ele, inclusive, admitido em seu interrogatório em juízo; e

II – que, na esteira dos argumentos expendidos nas contrarrazões, o advento da Lei 10.826/2003 não autoriza reconhecer a ocorrência de abolitio criminis, eis que os crimes então capitulados no art. 10, da lei revogada, continuam a constituir crimes.

Em processamento nesta instância recursal, determinou-se, às fls. 132, a baixa dos autos ao juízo de origem, para a intimação do apelante e seu defensor, da sentença condenatória, o que foi efetivado às fls. 149.

Em seguida, redistribuídos à minha relatoria, determinei às fls. 169 o apensamento, aos presentes autos, do processo n. 2165/2004, referente à execução penal do apelante.

É o relatório.



Voto O Sr. Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida (relator): Presentes os pressupostos de admissibilidade do presente recurso de apelação, dele conheço.

Antes de examinar a impugnação recursal, cumpre tecer algumas observações acerca da tramitação deste processo.

Em detida análise do processo n. 2165/2004 em apenso, concernente à execução penal do apelante, constatei, às fls. 188, a seguinte decisão, do juízo das execuções penais da comarca de Timon:

“(…) Preso em estado de flagrância em 25/12/2004 e sentenciado em 28/07/2005. Dessa forma, verifico que computados os períodos de prisão provisória e em regime de cumprimento da pena, já se completou a integralidade da pena aplicada e, portanto, a declaro cumprida (…)”

(Sem destaques no original)

Portanto, lamentavelmente, verifico que o princípio constitucional da razoável duração dos processos[1] não foi observado a contento, posto que a tramitação do presente recurso ultrapassou o lapso temporal compreendido desde a expedição da guia de recolhimento provisório (fls. 112), em 07 de abril de 2006, até a presente data, culminando com a extinção da pena, pelo seu cumprimento integral, sem o julgamento da apelação.

Observo, ainda, que, através da missiva de fls. 160, foi requisitada a devolução dos presentes autos para esta Corte, que se encontravam na instância a quo, desde maio de 2007, para cumprir a determinação contida no despacho de fls. 132 (baixa dos autos, para a intimação do réu e seu defensor da sentença condenatória). Ficou consignado no referido ofício a seguinte informação: “(…) haja vista a demora no retorno dos autos para este Tribunal (…)”.

Observo, por oportuno, que o processo só foi a mim redistribuído em 09 de setembro do corrente ano, quando todas as providências pendentes já estavam ultimadas.

A excessiva demora na tramitação de processos, talvez um problema ainda endêmico no Poder Judiciário (à despeito dos louváveis esforços na tentativa de erradicá-lo), acaba por estigmatizar a instituição como morosa, lenta e burocrática, gerando no jurisdicionado um sentimento de descrédito em relação à Justiça.

Vislumbrando, em tese, eventual provimento recursal no caso sob testilha, avultaria uma flagrante injustiça para com o apelante, posto que foi violentado em seu direito de ir e vir, compelido à cumprir integralmente a resposta penal, de forma absolutamente desnecessária.

Não bastasse isso, observo, também, que a persecução penal não serviu aos propósitos a que se destina, porquanto o apelante não conseguiu obter do Poder Judiciário maranhense, em modo e em tempo, um pronunciamento definitivo acerca da imputação criminal formulada pelo Parquet.

Daí a aparente inutilidade do presente recurso de apelação.

Estas breves considerações prévias, que ora teço, se fazem necessárias, para consignar que, de fato, a inutilidade do presente apelo, face o cumprimento integral da pena, é apenas aparente.

Isto porque as razões do apelo, que serão doravante cuidadosamente analisadas, trilham a tese de atipicidade da conduta do apelante, denotando, pois, que ainda subsiste interesse do apelante no pronunciamento acerca do presente recurso.

Gizadas tais ponderações, passemos ao exame da irresignação recursal.

As razões do presente recurso de apelação concentram-se na tese de atipicidade da conduta do apelante, asseverando a defesa, o seguinte:

I – que as provas coligidas nos autos comprovam que a conduta do apelante enquadra-se no tipo previsto no art. 12, da Lei 10.826/2003 – posse ilegal de arma -, e não porte, como restou consignado na fundamentação do decisum ora fustigado; e

II – que, por conseguinte, o fato é atípico, pois está albergado pela anistia prevista no art. 32, da citada lei, devendo ser extinta a punibilidade do apelante.

A materialidade delitiva, à despeito de não ter sido objetada em sede recursal, é estreme de dúvidas, à vista do auto de apreensão e apresentação de fls. 13, e auto de exame em arma de fogo, às fls. 18/19.

A verificação da autoria delitiva, por seu turno, é de assaz importância ao deslinde da controvérsia, e nela me deterei, com maior vagar, porque esclarecerá, ipso facto, o adequado emolduramento típico da conduta do apelante, de modo a viabilizar, ou não, o acerto da tese defensiva.

Pois bem.

Ao ser qualificado e interrogado em juízo (fls. 33), o apelante confessou a prática delitiva. Nada obstante, ao relatar a sua versão dos fatos, acrescentou:

“(…) que no dia seguinte a polícia bateu na porta da casa de seu irmão procurando pelo acusado e pela arma; QUE o acusado não resistiu à prisão e os policiais apreenderam a arma que estava em cima da mesa da sala; (…)”

(Sem destaques no original).

Os agentes de polícia civil, H. R. S. R. (fls. 47) e M. A. C. da S. (fls. 48), ouvidos no curso da instrução, cujos trechos dos depoimentos adiante transcritos são idênticos, relataram o seguinte:

“(…) que  ao se dirigirem à residência do acusado procederam uma pequena busca e lá encontraram uma arma calibre 32 que estava escondida embaixo de um boné; (…)”

(Sem destaques no original).

Observo, outrossim, que a testemunha R. da R. S. (fls. 49) declarou:

“(…) que no dia dos fatos viu o acuado no Som Brasil, mas não sabe dizer se foi ele que deu os tiros nem mesmo viu se o acusado estava armado; (…)”

Ao lume de uma circunstanciada análise dos depoimentos supra, não entrevejo, em momento algum, que a arma de fogo apreendida (fls. 13) estava, de fato, em poder do apelante. É dizer, que ele trazia consigo o revólver.

Em sentido diametralmente oposto, constato que, em verdade, a arma foi apreendida na residência do apelante, cujo local exato não se soube, à míngua de informações precisas das testemunhas.

O que é certo e induvidoso, desde meu olhar, é que o apelante não estava portando a arma no momento da apreensão.

Neste ponto, vale transcrever as precisas lições doutrinárias sobre a objetividade típica dos crimes em apreço.

Acerca do delito previsto no art. 12, da Lei de Armas, assevera Guilherme de Souza Nucci:

14. Análise do núcleo do tipo: possuir (ter a posse de algo, deter) e manter sob sua guarda (conservar sob vigilância ou cuidado). O objeto das condutas é a arma de fogo, acessório ou munição de uso permitido. (…) A nova previsão, formulada no art. 12 desta Lei, apresenta apenas duas condutas, eliminando as demais. São elas, igualmente, alternativas, porém, bastaria mencionar, então, o verbo possuir. O termo manter sob sua guarda implica, automaticamente, na posse da arma, do acessório ou da munição. Não há possibilidade de se manter algo sob tutela sem ter a posse. Por outro lado, a utilização do verbo manter é restritiva, pois implica em habitualidade. Ninguém pode manter algo num único dia. A mantença demanda frequência, algo incompatível com o espírito da lei, afinal, quem tem a arma, ilegalmente, um único dia já pode e deve responder pelo delito. (…)”[2]

(Destaques do original).

Destaco, outrossim, acerca do tipo em análise, que a consideração do local em que a conduta ocorreu é de extrema importância, para a exata configuração delitiva. No caso em apreço, restou sobejamente demonstrado que a apreensão da arma de fogo ocorreu na residência do apelante.

Mais adiante, ao comentar sobre os núcleos do art. 14, o mestre obtempera:

14. Análise do núcleo do tipo: o antigo art. 10 da Lei 9.437/97 foi desdobrado. A mera posse ilegal de arma concentrou-se no art. 12 da Lei 10.826/2003, enquanto o porte ilegal, com pena mais severa, passou ao art. 14 da mesma Lei. Portar (carregar consigo), deter (conservar em seu poder), (…) O objeto das condutas, constitutivas de tipo misto alternativo (tanto faz praticar uma delas, como várias, cometendo-se somente um delito), é a arma de fogo, o acessório e a munição, de uso permitido (quando há possibilidade legal de se obter a propriedade). Entretanto, as inúmeras condutas somente ganham contorno penal quando praticadas sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar.[3]

(Destaques no original).

Neste ponto, registro que a diferença nuclear dos tipos previstos nos arts. 12 e 14, da Lei de Armas, é de visceral relevância para o desate da controvérsia, haja vista que o legislador, com o advento da nova regência legal da matéria, quis punir, em tipos penais autônomos, condutas distintas: mais gravemente, aquela de portar arma de fogo, e, de forma mais branda, a posse.

Considerando a manifesta gravidade do porte ilegal de armas, em comparação com a mera posse, o legislador optou por albergar na chamada anistia, prevista no art. 32[4], da Lei de Armas, somente a segunda conduta (posse), presumindo-se de boa-fé aqueles que possuíssem armas de fogo durante determinado lapso temporal, acarretando, por conseguinte, a atipicidade da conduta.

O entendimento assente do STJ acerca da abolitio criminis temporária segue este norte:

HABEAS CORPUS. PACIENTE DENUNCIADO POR POSSE ILEGAL DE ARMA DE FOGO COM NUMERAÇÃO SUPRIMIDA (ART. 16, PAR. ÚNICO, IV DA LEI 10.826?03). ATIPICIDADE.  EXISTÊNCIA. VACATIO LEGIS DOS ARTS. 30 E 32 DA LEI 10.826?03, PRORROGADO PELAS LEIS 10.884?04, 11.118?05 E 11.191?05. PRECEDENTES DO STJ. WRIT CONCEDIDO.

1.O paciente fora denunciado, por fatos ocorridos em outubro de 2004, como incurso no art. 16, parágrafo único, inciso IV da Lei 10.826?03 c?c art. 29 do CPB (posse ilegal de arma de fogo de uso restrito em concurso de pessoas).

2.Esta Corte firmou o entendimento de ser atípica a conduta no concernente ao crime de posse irregular de arma de fogo, tanto de uso permitido (art. 12) quanto de uso restrito (art. 16), no período estabelecido nos arts. 30 e 32 da Lei 10.826?03, prorrogado pelas Leis 10.884?04, 11.118?05 e 11.191?05. Precedentes do STJ.

3.Ordem concedida, em consonância com o parecer ministerial.[5]

(Sem destaques no original).

No mesmo diapasão, em recente julgado:

HABEAS CORPUS. ART. 16, PARÁGRAFO ÚNICO, IV, DA LEI Nº 10.826/2003.

ABOLITIO CRIMINIS. INCIDÊNCIA SOMENTE SE A ARMA ESTIVER NA RESIDÊNCIA OU NO TRABALHO DO ACUSADO. HIPÓTESE DIVERSA. SÍTIO UTILIZADO PARA DESMANCHE DE VEÍCULOS. REVÓLVER QUE SERVIU PARA O COMETIMENTO DE ROUBO. ORDEM DENEGADA.

1. É pacífica a compreensão do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que, com o advento da Lei nº 10.826/2003, operou-se a abolitio criminis temporária para os crimes de posse de arma de fogo, assim entendidos aqueles em que a arma estava guardada na residência ou no local de trabalho do acusado.

(…)

3. Ordem denegada.[6]

(Sem destaques no original).

Na mesma alheta, trago à colação precedentes do Supremo Tribunal Federal:

EMENTA: HABEAS CORPUS. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO. LEI N. 10.826/03. TRANSPORTE DA ARMA PARA O LOCAL ONDE SERIA REGULARIZADA. IRRELEVÂNCIA PARA A ALEGAÇÃO DE ATIPICIDADE DA CONDUTA. INEXISTÊNCIA DE DECRETO REGULAMENTADOR AO TEMPO DA AÇÃO. MATÉRIA NÃO SUBMETIDA A EXAME DO STJ. NÃO-CONHECIMENTO. VACATIO LEGIS. ATIPICIDADE. INOCORRÊNCIA. MUNIÇÃO AO ALCANÇE DO AGENTE. CONDUTA TÍPICA. 1. A alegação de que a arma estaria sendo transportada para o local onde dar-se-ia a regularização não tem a virtude de tornar a conduta atípica. 2. Inexistência de regulamento. Matéria não submetida ao Superior Tribunal de Justiça, implicando supressão de instância seu conhecimento nesta Corte. 3. A vacatio legis de que tratam os artigos 30 e 32 da Lei 10.826/03 diz respeito à posse e à propriedade da arma de fogo; não ao crime de porte ilegal. Precedentes. 4. Estando a arma próxima a um pente carregador provido de oito cartuchos intactos, a possibilidade de rápido municiamento é evidente, não cabendo, portanto, falar-se em atipicidade da conduta. Habeas Corpus conhecido em parte e, nessa extensão, indeferido.[7]

Ainda, no mesmo norte:

EMENTA: Habeas corpus. Porte de arma de fogo sem autorização e em oposição à determinação legal (artigo 14 da Lei nº 10.826/03 – Estatuto do Desarmamento). Vacatio legis especial. Atipicidade temporária apenas para o crime de posse. Inexistência de abolitio criminis para o crime de porte. Precedentes. 1. A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que as condutas “possuir” e “ser proprietário” foram abolidas, temporariamente, pelos artigos 30 e 32 do Estatuto do Desarmamento, mas não a conduta de portar arma de fogo (fora da residência ou do local de trabalho). Ausente, portanto, o pressuposto fundamental para que se tenha por caracterizada a abolitio criminis. 2. Habeas corpus denegado.[8]

(Sem destaques no original).

Portanto, sou compelido a reconhecer, como de fato reconheço, que o patrimônio probante encartado nos autos, na linha argumentativa da defesa, demonstrou que o ato comissivo do apelante, ocorrido em 25/12/2004, enquadrou-se, a rigor, no tipo previsto no art. 12, da Lei n. 10.826/2003, ao tempo em que tal conduta deixou de ser típica, em decorrência da abolitio criminis temporária, operada pelo art. 32, da citada lei.

Ao lume dessas considerações, conheço do presente recurso de apelação, para, em desacordo com o parecer da Procuradoria Geral de Justiça, dar-lhe provimento, para absolver o acusado das imputações previstas no art. 14, da Lei 10.826/2003, por não constituir o fato infração penal, o que faço com base no art. 386, III, do CPP, e art. 32, da Lei n. 10.826/2003.

É como voto.

Sala das Sessões da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, em São Luís, 26 de outubro de 2010.


DESEMBARGADOR José Luiz Oliveira de Almeida

RELATOR




[1] LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

[2] NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penas e Processuais Penais Comentadas. RT, 2008, p. 78-79.

[3] Ob. cit., p. 83.

[4] Art. 32.  Os possuidores e proprietários de arma de fogo poderão entregá-la, espontaneamente, mediante recibo, e, presumindo-se de boa-fé, serão indenizados, na forma do regulamento, ficando extinta a punibilidade de eventual posse irregular da referida arma. (Redação dada pela Lei nº 11.706, de 2008).

[5] HABEAS CORPUS Nº 106.230 – SP (2008?0102615-0). Rel.: MINISTRO NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO. 5ª T. DJ: 20/10/2008.

[6] HC 87.569/RJ, Rel. Ministra  MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 09/02/2010, DJe 08/03/2010;

[7] HC 91193, Relator(a):  Min. EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em 20/10/2009.

[8] HC 94213, Relator(a):  Min. MENEZES DIREITO, Primeira Turma, julgado em 18/11/2008.



 

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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