Estelionato e uso de documento falso

Trata-se de apelação criminal originária da 1ª Vara da Comarca de Viana (MA), interposta por J. C. F. e D. F. em face de decisão do juízo criminal da referida unidade judiciária, que condenou os recorrentes pela prática dos crimes prescritos nos artigos 171 (duas vezes, Julio César) e 304 (Darly e Júlio César), ambos do Código Penal (fls.187/200)

Em determinado fragmento do voto condutor do improvimento do apelo, anotei, verbis:

Os delitos de uso de documentos falsos perpetrados pelo apelante J. C. avultam na espécie, pois, ao assinar os cheques na condição de emitente, cujas cópias encontram-se às fls. 153 e 154, utilizou o nome de J. V. P., o que denota, indubitavelmente, adequação à moldura típica constante no artigo 304, do Código Penal.

Com a primeira conduta ilícita, uso de documento falso (artigo 304, do CP), o recorrente iniciou a caminhada para a prática de duas outras infrações penais, focalizadas no artigo 171 do mesmo Codex, concretizando o que está previsto na lei penal, ou seja, a vantagem ilícita x prejuízo alheio.

De acordo com a decisão a quo (fls. 187/200), a autoria e materialidade do delito de uso de documento falso restaram evidenciadas, em face da apreensão de uma Carteira de Habilitação falsa em poder do recorrente, em nome de J. V. P., evidenciando, assim, conduta ilícita prevista no artigo 304, do CP.

Reafirmo que, desde meu olhar, e de cristalina constatação, também, os delitos de estelionato, que se materializaram com a emissão de dois cheques, pelo apelante, em nome de J. V. P., nos valores de R$ 483,00 (quatrocentos e oitenta e três reais) e de R$ 780,00 (setecentos e oitenta reais).

As vítimas da prática criminosa do apelante, A. B. e F. L. A., sofreram desfalque patrimonial, através dos meios fraudulentos utilizados pelo indigitado, uma vez que realizaram a tradição de bens para o apelante e receberam,  como contraprestação, cheques falsificados.

Em análise objetiva, norteada pela razoabilidade, quanto à repercussão da conduta praticada pelo recorrente no meio social, todas as referências postas no caderno processual conduzem-me a concordar com acerto do juízo a quo, ao julgar a pretensão ministerial em obediência aos parâmetros legais, inclusive, absolvendo os apelantes de delitos cuja configuração não restou satisfatoriamente evidenciada nos autos.

A seguir, o voto, por inteiro.


PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL

Sessão do dia 31 de agosto de 2010

Nº Único: 0009385-70.2010.8.10.0000

Apelação Criminal Nº. 009385/2010 – São Luís-MA.

Apelantes : J. C. F. e D. F.
Advogada : A. C. R. V.
Apelado : Ministério Público Estadual
Incidência Penal : Artigo 171, 297, 298 e 304, do Código Penal
Relator : Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida

Acórdão nº………………

 

Ementa: PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIMES DE ESTELIONATO. CONTINUIDADE DELEITIVA. CONFIGURAÇÃO. USO DE DOCUMENTOS PÚBLICOS E PRIVADOS FALSOS. COMPROVAÇÃO DAS CONDUTAS CRIMINOSAS. PROVAS DOS AUTOS CONSISTENTES. DESNECESSIDADE DE PROVA PERICIAL. CONFISSÃO EM JUÍZO E DEPOIMENTOS DE VÍTIMAS. CRIME DE FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTOS. NÃO-EXISTÊNCIA. IMPROVIMENTO DO APELO. SENTENÇA A QUO MANTIDA. UNANIMIDADE.

1. Provadas, quantum satis, a autoria e a materialidade delitiva, deve ser mantida a sentença condenatória, pelos seus próprios fundamentos.

2. Demonstrado, o quanto baste, a existência de mais de uma ação delitiva do ilícito de estelionato, e, uma vez presentes os requisitos legais, é de se reconhecer a continuidade delitiva (artigo 71, do CPB).

3. A comprovação da materialidade do crime de uso de documento falso prescinde a realização de exame pericial. Precedentes do STJ.

4. A imputação do crime de uso de documento falso não implica, necessariamente, que seu portador seja, também, o autor da contrafação, devendo tal circunstância restar suficientemente provada no curso da instrução criminal.

5. O crime de estelionato se concretiza com a vantagem ilícita auferida pelo sujeito, em seu favor ou de terceiro, em prejuízo ao ofendido que sofreu o desfalque patrimonial decorrente da ação ludibriosa do agente.

6. Apelo que se conhece mas que se nega provimento.

 

Acórdão – Vistos, relatados e discutidos estes autos, ACORDAM os Senhores Desembargadores da Primeira Câmara Criminal, por unanimidade, de acordo com o parecer da Procuradoria Geral de Justiça, em negar provimento, nos termos do voto do Desembargador Relator.

Participaram do julgamento os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Antonio Fernando Bayma Araujo (Presidente), Raimundo Nonato de Souza e José Luiz Oliveira de Almeida. Presente pela Procuradoria Geral de Justiça o Dra. Domingas de Jesus Froz Gomes.

São Luís, 31 de agosto de 2010.

 

DESEMBARGADOR Antônio Fernando Bayma Araujo

PRESIDENTE

 

DESEMBARGADOR José Luiz Oliveira de Almeida

RELATOR


Apelação Criminal Nº. 009385/2010 – São Luís-MA.

 

RelatórioO Sr. Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida (relator): Trata-se de apelação criminal originária da 1ª Vara da Comarca de Viana (MA), interposta por J. C. F. e D. F. em face de decisão do juízo criminal da referida unidade judiciária, que condenou os recorrentes pela prática dos crimes prescritos nos artigos 171 (duas vezes, J. C.) e 304 (D. e J. C.), ambos do Código Penal (fls.187/200)

Da peça de acusação ministerial infere-se que os apelantes foram presos em flagrante delito no mês de outubro do ano 2005, na cidade de Viana (MA), quando portavam, e faziam uso, de documentos públicos e privados falsificados, e, assim munidos, praticaram atos de fraude em prejuízo de os terceiros identificados como L. P. M. F., A. B. O. e F. L. A..

O primeiro apelante, J. C. F., usava uma carteira nacional de habilitação, verdadeira, e outra CNH, na qual estava postada sua fotografia, mas, o nome, era José Valdenes Penha, cognome também usado nos talonários de cheques utilizados na prática de ilícitos fraudulentos (fls.49/50 e 52).

Semelhante atitude era desenvolvida pela segunda apelante, D. F., todavia, com o epíteto de J. de F. F., meio nominativo falso, constante da carteira de identidade emitida pela Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Estado do Ceará, e no talonário de cheques do Banco do Brasil, instrumentos usados para facilitar golpes no comércio do Município de Viana (MA), fls.51/54.

A denúncia foi recebida no dia 26 de outubro de 2005 (fls.57/58).

Regularmente citados, os recorrentes foram interrogados durante a audiência realizada no dia 03 novembro de 2005 (fls.61/66), e acostaram as defesas prévias, com rol de testemunhas (fls.113/116).

Continuação da audiência de instrução e julgamento para a oitiva das testemunhas arroladas pelo Ministério Público e defesa dos apelantes, ato processual que se realizou no dia 18 de novembro de 2005 (fls.117/125).

O parquet estadual requereu diligência (fls.126/128, 149.165).

Os apelantes nada requereram em forma de diligência.

O órgão ministerial, ratificando todos os termos da peça de começo juntou alegações finais, e pugnou pela condenação dos apelantes, pois que, pela sua ótica, indubitáveis a materialidade e a autoria dos delitos a eles imputados (fls.173/178).

Os recorrentes, com a juntada das alegações finais, negaram toda a acusação a si imputada, e por tais argumentos requereram a improcedência da denúncia ministerial, bem assim a absolvição que almejam neste apelo, por falta de provas que conduzissem a uma condenação segura e justa (fls.184/185).

O juízo a quo exarou decisão condenatória em desfavor dos apelantes, acolhendo, parcialmente, a pretensão do Ministério Público.

O apelante J. C. F. foi condenado pela prática do crime prescrito no artigo 171, caput, por duas vezes, e no 304, ambos do Código Penal, às penas definitivas de 05 (cinco) anos 06 (seis) meses de reclusão, e ao pagamento de duzentos e dez dias-multa, no equivalente a um  trigésimo do salário mínimo vigente na época dos fatos.

No mesmo decreto condenatório, o recorrente J. C. F. foi absolvido da acusação dos crimes descritos nos artigos 297 e 298 do Codex repressor (fls.196).

A recorrente D. F. foi condenada pela conduta vedada pelo artigo 304 do Código Penal, à pena de 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão, e a cinquenta e quatro dias-multa, também no importe de um trigésimo do salário mínimo vigente na data do evento-crime.

Ocorreu, ainda no mesmo decisum a quo, a pena privativa de liberdade, impingida à apelante D. F., ser substituída por uma restritiva de direito, na modalidade prestação de serviço à comunidade (fls.200).

E, de igual modo, a exemplo do irmão J. C., também recorrente, restou absolvida dos ilícitos dos artigos 297 e 298 da lei penal substantiva (fls.196).

Em face do referido decreto condenatório, e devidamente intimados, os recorrentes se insurgiram, motivando suas razões recursais, e reiterando os motivos esposados em sede de alegações finais postadas perante o juízo a quo (fls.209/211).

Em contrarrazões recursais, o órgão ministerial se manifestou requerendo a confirmação do decisum a quo, suplicando pelo improvimento deste apelo (fls.219/220).

Aportado os autos nesta Corte de Justiça, com a devida conclusão ao relator, prontamente os autos foram encaminhados à Douta Procuradoria Geral de Justiça, que ofereceu parecer jurídico da autoria do Drº. Suvamy Vivekananda Meireles que opinou pelo conhecimento e o não-provimento do presente recurso (fls.232/237).

Os autos vieram-me conclusos no dia 02 do mês de junho do corrente ano (fls.238).

É o relatório.


VotoO Sr. Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida (relator): Presentes os pressupostos de admissibilidade dos recursos, deles conheço, e submeto a julgamento perante esta Augusta Câmara Criminal.

As teses de enfrentamento dos apelantes, em face da decisão a quo, cingem-se nos argumentos que seguem.

O apelante J. C. F. alega, em resumo, que não há provas aptas a sustentar a sua condenação pela prática do crime de estelionato, por duas vezes, e nem tampouco pelo delito de uso de documentos falsos, porque, em suas palavras, havia a necessidade de prova técnica que atestasse a falsidade documental, o que não ocorreu no curso do processo.

Consequentemente, ao entendimento do suplicante, não há razões que justifiquem a reprimenda imposta pelo juízo a quo, uma vez que as os preceitos penais correlatos – artigo 171, de forma dúplice, e artigo 304 -, ambos do Código Penal não foram violados.

Depreende-se, contudo, do interrogatório judicial do apelante J. C. F., o que se destaca (fls. 65), litteris:

“[…] que uma certa vez comprou um DVD de Aldo e como não prestou foi devolver e ao conversarem no momento da devolução Aldo lhe perguntou se o interrogado não queria ganhar um dinheiro fácil; que o interrogando disse que queria daí A. lhe pediu sua foto três por quatro e também da mulher do interrogando; que o interrogando não entregou a foto de sua mulher pois a mesma é menor de idade e entregou a de sua irmã; que passado alguns meses A. lhe trouxe a carteira de habilitação falsa constante às fls.49 do Estado do Ceará, a carteira de identidade também falsa constante às fls.51 do Estado do Ceará e os talões de cheques de fls.52, 53 e 54 e lhe explicou que para ganhar dinheiro fácil com os talões de cheques falsos bastava comprar o que quisesse com os cheques e documentos falsos e antes que os cheques fossem descontados o interrogando deveria resgatar os cheques; que tal procedimento não daria problema nenhum com a polícia; que sua irmã ficou sabendo do documento falsificado em seu nome no dia em que foi presa, pois o interrogando recebeu e não disse nada para a mesma…]”.

Da análise do excerto transcrito, concluo que o apelante agiu voluntariamente para alcançar resultado e vantagem ilícitos, para si, em prejuízo alheio. Daí, amoldada a sua conduta, na forma dolosa, em conformidade com o que dispõe o artigo 171, do Código Penal.

A corroborar a minha compreensão, colaciono elucidativos fragmentos da testemunhas ouvidas no juízo a quo. A testemunha A. S. N., por exemplo, afirmou:

“[…] que abordaram o carro na altura do poço do pará e no mesmo se encontrava três pessoas, J. F. com sua esposa na frete e D. atrás; que convidaram as referidas pessoas para acompanharem até a delegacia de polícia para fazerem as averiguações ; que ao fazerem a revista encontraram talões de cheques do Banco do Brasil dentro do  envelope do Banco do Brasil; que dentro da bolsa de D. encontraram em compartimentos separados os documentos falsos e documentos verdadeiros pertencentes a mesma; que os documentos falsos do rapaz J. C. eram carteiras de habilitação com a mesma foto e nomes distintos e os documentos falsos de D. eram carteiras de identidade com a mesma foto e nomes distintos; que os talões de cheque do Banco do Brasil continham nomes os mesmos nomes dos documentos falsos de D. e J. C.; que as testemunha reconhece os documentos de fls. 49 a 55 como documentos apreendidos naquela data; que em função dos documentos falsos e das declarações do Senhor L. as duas pessoas ficaram detidas e a esposa de J. C. foi liberada, que inclusive é de menor idade; que depois da prisão de J.  C. e D. foram chegando algumas pessoas que identificaram Júlio César como sendo quem tinha passado cheques sem fundos anteriormente […]. (fls.118)”.

No mesmo direcionamento, em busca da verdade real, constato o depoimento da testemunha E. C. N. (fls. 122), verbis:

[…] que no carro estavam J. C. e sua namorada na frente e D. no banco detrás; que o senhor L. ao olhar o motorista titubeou um pouco mas logo depois reconheceu como sendo a pessoa que tinha lhe passado o cheque anteriormente; que na delegacia de polícia o depoente fez a revista Júlio e encontrou com o mesmo três carteira de habilitação, sendo duas com nomes diferentes; que S. N.  fez a busca em D. e como a mesma encontrou documentos falsos e talões de cheques do banco do Brasil na bolsa da mesma cujos nomes coincidiam com um dos nomes da carteira de habilitação; que chamou a atenção do agente que as folhas dos talonários de cheques aprendidos apresentavam números repetidos e estavam em nome do mesmo cheque que o Senhor  L. apresentou na delegacia como sendo o cheque falso; que não tem certeza mas acha que a cópia do cheque de fls.27 foi  a mesma que o Senhor L. apresentou na delegacia no dia do flagrante; que reconhece os documentos de fls.49 a 54 como sendo os documentos apreendidos no dia do flagrante […].”

Uma das vítimas, A. B., às fls. 123, discorre, com segurança, acerca do prejuízo que sofreu pela ação do apelante J. C. F., verbis:

[…] que no mês de julho de 2005 recebeu em sua loja o senhor J. C. F. o qual reconhece nesta audiência como sendo a pessoa que lhe fez uma compra no valor de quatrocentos e oitenta reais em camisas e calças e lhe pagou com um cheque, o qual o depoente foi informado no Banco do Brasil, ao tentar sacar, que se tratava de um cheque falso; que entregou cópia desse cheque e também o original na delegacia de polícia […]”.

A outra vítima, F. de L. A. (fls. 124), descreve como suportou os prejuízos resultantes da conduta do recorrente:

[…] que no mês de maio de 2005 estava na Feira de São Vicente Férrer, vendendo seus produtos feitos em couro, quando J. C. lhe comprou dois selim, dois arreios e ainda ganhou um chicote de brinde, no valor de setecentos e oitenta reais, o qual pagou em cheque ouro do Banco do Brasil; que reconhece nesta audiência como sendo J. C. a pessoa que lhe passou o cheque sem fundo […]”.

Em face do conjunto probatório, importa dizer que não há como reconhecer-se a tese albergada no recurso de apelação do recorrente J. C. F., ou seja, de que não há provas que assegurem a sua condenação pelos crimes de estelionato, por duas vezes, e a ação delituosa do uso de documentos falsos.

Com efeito, às fls. 52 e 153 do caderno processual, observo um canhoto e a cópia da folha de um cheque, ambos no valor de R$ 483,00 (quatrocentos e oitenta e três reais), o que corrobora a afirmação da vítima A. B., acima transcrita.

Naquele mesmo talonário, também verifico, pelo valor anotado no canhoto do cheque – R$ 800,00 -, ser a quantia aproximada da emissão do falso cheque, cuja cópia se encontra às fls.154, ação delituosa que vitimou F. L. A., quando efetuou a venda de objetos ao apelante.

Quanto à este último cheque, uma pequena ponderação: a diferença entre os valores constantes no canhoto (R$ 800,00) e na cártula (R$ 780,00) é irrelevante, tendo em vista que a vítima F. L. A., em seu depoimento, corroborou que o valor do cheque recebido do apelante J. C. F., de fato, era R$ 780,00 (setecentos e oitenta reais), conforme transcrevemos linhas acima. À guisa de ilação, creio que o apelante, muito provavelmente, anotou o valor diferente em seu controle de cheques, o que, reafirmo, não altera a conclusão aqui esposada, ou seja, que o apelante incorreu na prática delitiva de estelionato por duas vezes, mediante a emissão de dois cheques falsos, um no valor de R$ 480,00 e outro, na quantia de R$ 780,00.

Os delitos de uso de documentos falsos perpetrados pelo apelante J. C. avultam na espécie, pois, ao assinar os cheques na condição de emitente, cujas cópias encontram-se às fls. 153 e 154, utilizou o nome de J. V. P., o que denota, indubitavelmente, adequação à moldura típica constante no artigo 304, do Código Penal.

Com a primeira conduta ilícita, uso de documento falso (artigo 304, do CP), o recorrente iniciou a caminhada para a prática de duas outras infrações penais, focalizadas no artigo 171 do mesmo Codex, concretizando o que está previsto na lei penal, ou seja, a vantagem ilícita x prejuízo alheio.

De acordo com a decisão a quo (fls. 187/200), a autoria e materialidade do delito de uso de documento falso restaram evidenciadas, em face da apreensão de uma Carteira de Habilitação falsa em poder do recorrente, em nome de J. V. P., evidenciando, assim, conduta ilícita prevista no artigo 304, do CP.

Reafirmo que, desde meu olhar, e de cristalina constatação, também, os delitos de estelionato, que se materializaram com a emissão de dois cheques, pelo apelante, em nome de J. V. P., nos valores de R$ 483,00 (quatrocentos e oitenta e três reais) e de R$ 780,00 (setecentos e oitenta reais).

As vítimas da prática criminosa do apelante, A. B. e F. L. A., sofreram desfalque patrimonial, através dos meios fraudulentos utilizados pelo indigitado, uma vez que realizaram a tradição de bens para o apelante e receberam,  como contraprestação, cheques falsificados.

Em análise objetiva, norteada pela razoabilidade, quanto à repercussão da conduta praticada pelo recorrente no meio social, todas as referências postas no caderno processual conduzem-me a concordar com acerto do juízo a quo, ao julgar a pretensão ministerial em obediência aos parâmetros legais, inclusive, absolvendo os apelantes de delitos cuja configuração não restou satisfatoriamente evidenciada nos autos.

Por isso, em tudo o que foi objeto de exame, nenhum reparo a ser feito na sentença criminal condenatória dimanada do juízo a quo, devendo ser mantida, em todos os seus termos, a resposta penal dirigida ao suplicante J. C. F..

Nas razões consignadas em seu apelo, D. F. postula sua absolvição, limitando-se à alegação de que, a conformação do tipo penal cuja sanção foi incursa demanda a realização de perícia, o que, como já registramos, não foi feito no curso do feito em 1ª instância.

A apelante D. F., mediante uso do epíteto de J. de F. F., nominativo assente em documentos falsos apreendidos em seu poder (carteira de identidade e talonários de cheques), os quais utilizou para perpetrar golpes no comércio do Município de Viana (MA), em seu interrogatório em juízo, às fls. 62, facilitou a identificação de sua conduta contrária a lei, in verbis:

[…] que seu irmão J. C. F. em data a qual não se recorda pediu a carteira de identidade, CPF e uma foto da interroganda; que posteriormente em menos de dum mês depois seu irmão lhe devolveu seus documentos originais, os quais a interroganda guardou; que estavam indo de Bacabeira para São Luís e ao pararem em Matinha após comprarem remédios na farmácia para sua cunhada C. que está gestante e estava passando mal foram abordados pela polícia que fez vistoria no carro e nos denunciados e encontraram dentro da bolsa da depoente um envelope e a carteira de identidade falsa fls.51 e os cheques falsos de fls.52 a 54; e que também estavam em poder da depoente os cartões de fls. 55; que a carteira de identidade falsa parece que estava junto com o talonário falso de cheques dentro do envelope da bolsa do interrogando; que este envelope lhe foi entregue pelo seu irmão J. C. F.; que não pode afirmar que foi seu irmão que falsificou os documentos mais foi ele que  lhe pediu para guardar o envelope do banco do Brasil dentro da bolsa onde estavam os cheques e os documentos falsos […].”.

A simples leitura do trecho do interrogatório acima transcrito é suficiente, para verificar que não se sustentam os argumentos defensivo expendidos no apelo.

Foi constatado o cognome J. de F. F., meio nominativo falso, na carteira de identidade emitida pela Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Estado do Ceará, e no talonário de cheques do Banco do Brasil, os quais, inclusive, continham o mesmo número de série daqueles utilizados por seu irmão J. C. F..

Todos esses documentos falsos encontrados com a apelante (fls.51/54) foram por ela utilizados para aplicar golpes no comércio local de Vian-MA. São elementos de prova que, ao meu olhar, e em consonância com o juízo de base, tornam desnecessária a aferição, via exame de corpo de delito ou qualquer outra perícia, a materialidade delitiva. Nesse norte, a jurisprudência vaticina:

HABEAS CORPUS. ESTELIONATO E USO DE DOCUMENTO FALSO. NATUREZA DO DELITO PREVISTO NO ARTIGO 304 DO CÓDIGO PENAL. INEXISTÊNCIA DE PEDIDO DE PERÍCIA NA FASE INSTRUTÓRIA. CONDENAÇÃO LASTREADA EM PROVA DOCUMENTAL E TESTEMUNHAL. AUSÊNCIA DE EXAME PERICIAL. POSSIBILIDADE.

1. O crime de uso de documento falso é formal, consumando-se com a simples utilização do documento reputado falso, não se exigindo a comprovação de efetiva lesão à fé pública.

2. Inexistindo manifestação da defesa no sentido da necessidade de realização de exame pericial na fase instrutória, não se vislumbra qualquer ilegalidade na condenação do paciente pelo delito previsto no artigo 304 do Código Penal fundamentada em documentos e testemunhos constantes do processo.

3. É desnecessária prova pericial para a comprovação da materialidade do crime de uso de documento falso. Precedentes.[1]

(Sem destaques no original).

Acrescente-se, ainda, a riqueza de detalhes com que a apelante narrou a sequência do fato criminoso, demonstraram que era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito de sua conduta, e, não obstante, de tal maneira ousou determinar-se.

Doutrina e jurisprudência estão assentes no enfrentamento de fatos desta natureza, de autêntica reprovação social, no que me permito realçar este voto invocando o que segue.

Nesse sentido, Rogério Greco[2]:

“Sendo a fraude o ponto central do delito de estelionato, podemos identificá-lo, outrossim, por meio dos seguintes elementos que integram a sua figura típica: a) conduta do agente dirigida finalísticamente à obtenção de vantagem ilícita, em prejuízo alheio; b) vantagem  ilícita pode ser para o próprio agente ou para terceiro; c) a vítima é induzida ou mantida em erro; d) o agente se vale  de um artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento para a consecução do seu fim”.

 

No escólio de Guilherme de Souza Nucci:

“Fazer uso significa empregar, utilizar ou aplicar. Os objetos são papéis falsificados ou alterados constantes nos arts. 297 a 302. Exigi-se que a utilização seja feita como se o documento fosse autêntico, além do que a situação envolvida há de ser juridicamente relevante. Trata-se de tipo remetido, aquele que indica outros tipos para ser integramente compreendido. Neste caso, a amplitude do conceito de “papel falsificado ou alterado” depende da verificação do conteúdo dos arts. 297 e 302”.[3]

E, na trilha de precedentes da Cortes brasileiras, verbis:

“O estelionato é crime material e de dano, que se consuma com a vantagem ilícita patrimonial, fim visado pelo agente. Fraude, o engano, é apenas o meio de que serve o meliante para alcançar o ilícito objetivo […][4]

APELAÇÃO CRIMINAL – USO DE DOCUMENTO FALSO – DOCUMENTO NÃO-APREENDIDO – FALTA DE PERÍCIA TÉCNICA POR FORÇA DO DESAPARECIMENTO DOS VESTÍGIOS DO CRIME – DOCUMENTO DESTRUÍDO PELA RÉ – FALSO, AINDA ASSIM, CABALMENTE COMPROVADO PELOS DEMAIS ELEMENTOS DE CONVICÇÃO COLACIONADOS AOS AUTOS – DADO PROVIMENTO AO RECURSO. I. Devidamente comprovadas autoria e existência do crime de uso de documento público falso praticado pela acusada e ausentes quaisquer circunstâncias que afastem sua responsabilidade penal, imperiosa sua condenação. II. Mesmo que o documento falso não tenha sido submetido a exame pericial, houve justificativa idônea para tanto, pois seus vestígios desapareceram diante de sua destruição pela ré. III. Inadmissível refutar a falsidade do documento utilizado pela agente quando essa circunstância tenha sido devidamente demonstrada por força não apenas de sua própria confissão espontânea, mas, também, pela prova testemunhal e documental constante nos autos. IV. Dado provimento ao recurso.[5]

Com efeito, o conjunto das provas coligidas nos autos, aliada a confissão espontânea da apelante, permitiu-me concluir, sem hesitação, pelo acerto da decisão do juízo a quo, em face da recorrente.

Desta forma, nenhum dos argumentos esposados pelas defesas restaram-me suficientemente seguros a provê-los, de modo que, com a mais absoluta convicção, entendo que a sentença condenatória exarada pelo juízo de base deve ser mantida, em todos os seus termos.

Com essas considerações, em consonância com o parecer da Procuradoria Geral de Justiça, conheço dos recursos de apelação, para, no mérito, negar-lhes provimento, mantendo in totum a decisão do juízo a quo.

É como voto.

Sala das Sessões da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, em São Luís, 31 de agosto 2010.

 

DESEMBARGADOR José Luiz Oliveira de Almeida

RELATOR

 



[1] STJ – HABEAS CORPUS Nº 133.813 – RJ (2009?0069119-4). Rel.: Min. Jorge Mussi. 5ª T. DJ: 02/08/2010.

[2] Código Penal Comentado. 4ª edição, revista, ampliada e atualizada. Editora Impetus, 2010, p. 134.

[3] Guilherme de Sousa Nucci. Código Penal Comentado, 10ª edição, revista, atualizada e ampliada – 2010. Página 1.081. Editora Revista dos Tribunais.

[4] TJPR, AC 0212977-1, Paraíso do Norte, 4ª Câm. Crim. [TA], Rel. Des. Lauro Augusto Fabrício de Melo, um., j. 6/2/2003

[5] TJMG, 0228988-31.2006.8.13.0024, Relator JANE SILVA, julgado em 22/09/2009, DJ 14/10/2009

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.