Troca de sinais
Zuenir Ventura
Tom Jobim dizia que o mapa do Brasil é de cabeça pra baixo não por acaso. Aqui as coisas estão sempre invertidas, fora do lugar, às avessas. O desvio é a norma.
É o país que chama a raposa para tomar conta do galinheiro. Ou que escolhe para presidir a Comissão de Constituição e Justiça, a mais importante da Câmara, justamente um deputado que é réu no processo do mensalão.
É a terra onde um juiz, que devia ser exemplo de obediência à lei, vive transgredindo-a. Ao ser flagrado dirigindo sem carteira e sem placa no carro, dá ordem de prisão à funcionária que o flagrara na blitz da Lei Seca. Já fizera o mesmo com um policial rodoviário, além de outras condutas indevidas, como comer em restaurantes sem pagar.
A última dele foi desacatar hóspedes que reclamaram da barulhenta festa que ele organizara no quarto de um hotel em Búzios. Há um ano sendo investigado, mas, enquanto isso, continua aprontando impunemente.
O Rio está cheio de casos de inversão de sinais, como ficou demonstrado pela Operação Guilhotina (guilhotina é uma metáfora enganosa, tanto quanto “cortar na própria carne”. Trata-se de hipérboles, isto é, exageros. Ela não vai cortar cabeça alguma e nem a carne, ainda que podre).
A gente dorme acreditando que finalmente está sob a proteção de uma polícia honesta e acorda vendo o chefe de uma delas acusado por uma testemunha de receber gordas propinas de bandidos e camelôs. E o subchefe sendo preso por negociar armas com milicianos e traficantes.
Sei que não se deve condenar sem provas, mas nem absolver, como é costume. O homem público tem como ônus não apenas parecer honesto, mas dar provas de que é. Portanto, cabe a Allan Turnowski, já indiciado, convencer a Justiça de que é inocente.
Ele nega também ter vazado informação para um policial preso pela Operação Guilhotina. Curiosamente, outro episódio de vazamento aparece no capítulo XVI do livro “Elite da tropa 2”. Ali, sem os nomes, o “superintendente da Polícia Federal” chama o “chefe da Polícia Civil e seu subchefe” para uma reunião em que é anunciada sigilosamente uma operação na Rocinha para prender o traficante Rouxinol (na vida real, Roupinol).
“Ninguém mais além dos senhores deve ser avisado”, adverte o diretor da PF. Dez minutos depois, um grampo grava a fala de Roupinol: “A Federal tá em cima. Tá preparando a festa pra cair em cima da gente. Querem me pegar.”
Para terminar, mais uma troca de sinais. Turnowski caiu por ter perdido a confiança dos seus superiores, o que não impediu que saísse coberto de elogios do secretário de Segurança e do governador. Antes, ele teria anunciado que, se caísse, cairia atirando.