Primeiro mundo – sonhar é preciso.

O sonho de todo povo, mesmo inconscientemente, é pertencer ao Primeiro Mundo. Ninguém quer ser terceiro-mundista. Parece pejorativo, parece até um pecado. Terceiro Mundo, para os sonhadores, é sinônimo de sujeira, pobreza, doenças contagiosas, feiúra, barbárie, injustiças, guerras tribais, ditadura, violência, confronto, etc; Primeiro Mundo, aos olhos desses mesmos sonhadores, é paz, é alegria, é saúde, é cultura, é lazer, é espetáculo, é Poder Judiciário funcionando a contento, é Polícia eficiente – é tudo de bom, enfim.

É claro que essa análise é equivocada. Nem o Terceiro Mundo é só pobreza e miséria, nem o Primeiro Mundoé só riqueza e paz, beleza e harmonia. Aqui mesmo no nosso país, sob os nossos olhos, há dois brasis absolutamente distintos. Um, nadando em opulência; o outro, convivendo com níveis alarmantes de miséria. Um com a quase totalidade da riqueza; o outro, onde está a imensa maioria, donde avultam os miseráveis, os discriminados, os sem direito, os sem alimentos, os sem saúde, os sem segurança, os sem justiça, os sem saneamento básico, os sem acesso aos bens de consumo, os sem tetos, os sem salários – os desamparados, os abandonados pelo Estado, afinal.
Mas não custa nada sonhar. Nada é mais democrático que sonhar. A ninguém é dado o poder de proibir que se sonhe. Sonho e pensamento vão juntos numa simbiose que nos leva ao mundo encantado, ao mundo de sonhos. Quando tudo parece ruir, quando tudo parece fenecer, quando estamos perdendo a esperança, sonhamos – dormindo ou acordado, todavia, sonhando, sem perder a esperança.
Sonhar, muitas vezes, renova as nossas energias – e como renova! Todo mundo gosta de viver um sonho bom. Eu sonho – e muito. Sonho acordado, em pé, no carro, na cama, no trabalho. Vivo sonhando. Contudo, o faço com os pés fincados no chão. Não sou dos que sonham levitando. Triste de mim não fosse o sonho bom. Mas que fique claro, não sou do tipo que obscurece a realidade. Sonhar não significa perder o norte, o rumo. Sonhar é preciso. Todavia, ser realista – sem ser pessimista – é necessário, também.
Mas a verdade é que sonho. Todos sonhamos. Sou um sonhador diferente, porque sou contumaz nessa prática, sou reincidente, empedernido; nesse sentido tenho péssimos antecedentes. Eu sonho, sim, com uma sociedade mais justa. Sonho, sim, com o dia em que todos possam ter direito a saúde, a educação, a um prato de comida, roupa e moradia, dentre outras conquistas básicas.
Ninguém deve perder a capacidade de sonhar. Sonhar com coisas boas faz bem à saúde. Mas é preciso, repito, ser realista. É preciso, rapidamente, colocar os pés no chão, retomar o caminho, procurar o rumo, não perder a direção, para, só depois, voltar a sonhar.
É possível, sim, que, mais dia menos dia, viveremos mais dignamente, com a qualidade de vida que se tem num país de Primeiro Mundo. A minha geração não terá mais essa oportunidade. Mas as futuras gerações podem, sim, viver essa experiência. Mas, para realizar esse sonho é preciso mudar o rumo, seguir noutra direção em face de algumas questões básicas, de algumas posturas enviesadas.
Do meu ponto de observação, numa análise bem singela, vejo que algumas posturas elementares, dentre outras tantos, impossível de ser numeradas, nos afastam do primeiro mundo.
Não consigo compreender, por exemplo, como alguém que more em um condomínio, ache natural deixar dejetos dos animais de estimação nas áreas comuns do prédio. Isso é ser incivilizado. Essa e outras atitudes de igual matiz nos mostram o quanto estamos distantes das sociedades civilizadas.
Não consigo compreender, lado outro, como pode alguém morar em um condomínio e jogar, pela janela, para as áreas de uso comum, cotonetes usados, cascas de banana, bituca de cigarro, dentre outras coisas. Esse comportamento incivilizado não é compatível com o Primeiro Mundo. Assim não chegamos lá. Isso é básico.
Mas não são só esses gestos de absoluta falta de educação que nos fazem apenas sonhadores e nos distanciam das ditas sociedades civilizadas.
Como se pode pretender ser civilizado, se não somos capazes sequer de cumprir um compromisso na hora marcada?
Como podemos ser Primeiro Mundo com uma Justiça discriminadora e que mantém as portas fechadas para as camadas mais humildes da sociedade, sem serviço eficiente de assistência judiciária ao hipossuficiente?
Como podemos ser Primeiro Mundo com uma Justiça Criminal que só tem olhos para a pequena criminalidade?
Como podemos ser Primeiro Mundo, se o acesso à Justiça é negado aos mais carentes?
Como podemos ser primeiro mundo se as pessoas que exercem cargos públicos vivem de esnobação e de mordomias, sem nenhuma preocupação com o bem comum?
Como podemos ser primeiro mundo se as pessoas enriquecem no exercício do poder e nada lhes acontece?
Como podemos ser primeiro mundo se os ricos cada dia ficam mais ricos e os pobres, cada vez mais pobres?
Como podemos ser primeiro mundo se a regra é o enriquecimento ilícito dos alcaides municipais, sem que sejam perturbados pelos órgãos persecutórios?
Como podemos ser primeiro mundo se as pessoas continuam morrendo nas filas de atendimento dos hospitais públicos?
Como podemos ser primeiro mundo, se a mentalidade das nossas elites está voltada para manutenção do status quo?
Como podemos ser primeiro mundo contaminados por doenças há muito erradicadas em outros países?
Como podemos ser primeiro mundo, se somos uma das cinco nações mais corruptas do mundo?
Como podemos ser primeiro mundo, se as eleições são contaminadas por todo tido de impureza?
Ou mudamos a nossa postura nas mais variadas questões, ou refluímos diante de determinadas condutas ou seremos sempre aspirantes a primeiro mundo.
Ou reavaliamos as nossas práticas ou veremos se perpetuar a existência de dois Brasis. Um deles, de Primeiro Mundo, ocupando posição de vanguarda nas pesquisas genéticas e o outro, o Brasil do Terceiro Mundo, onde se convive com a dengue e outras doenças tropicais, onde assistimos, estarrecidos, as pessoas morrendo nos corredores dos hospitais, em busca de atendimento médico, para ficar apenas nos exemplos eloqüentes.

 

 

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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