Estelionato e ressarcimento do dano

Cuida-se de apelação criminal, em face do crime de estelionato, na qual enfrentei a tese do recorrente acerca das consequencias do ressarcimento do dano, anos do recebimento da denúncia, de cuja decisão destaco o seguinte excerto:

“[…]Passemos, em diante, a analisar a segunda tese da defesa atinente ao ressarcimento do dano, antes do recebimento da denúncia, como elemento apto a afastar a persecução criminal.

Inicialmente, devo dizer que, ao contrário do que afirmou a defesa do apelante, não vislumbrei, nos autos, qualquer prova do efetivo pagamento integral à ofendida, relativamente às parcelas que estavam sendo descontadas em seu benefício.

Ora, tratando-se de matéria aviada pela defesa, é seu ônus comprová-la, juntando aos autos os respectivos comprovantes de depósitos em favor da vítima, o que não ocorreu na espécie.

Entretanto, ainda que houvesse prova do efetivo pagamento, tal circunstância, por si só, não tem o condão de excluir a tipicidade, ou sequer a punibilidade, mas, tão somente, de reduzir a pena, em razão da incidência do art. 16, do CPB, como bem ponderou o Parquet em seu parecer conclusivo[…]”

Mais adiante, redimensionei a resposta penal, por entender que foram considerados, para majorar a resposta penal,  a guisa de maus antecedentes, processos e/ou inquéritos em andamento, como se pode ver dos fragmentos abaixo transcritos:

“[…]Todavia, apenas uma merece retoque, aquela atinente aos antecedentes do apelante, os quais foram negativamente valorados sem a necessária comprovação do trânsito em julgado.

Digo isso porque, à luz do entendimento pretoriano assente no STJ, a existência de processos ou inquéritos em curso não podem ser considerados antecedentes maculados, sob pena de vilipendiar o princípio constitucional da presunção de inocência, ou não culpabilidade, nos termos verbete sumulado n. 244, segundo o qual  “É vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base”.[…]”

A seguir, o voto, por inteiro.

PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL

Sessão do dia 15 de fevereiro de 2011.

Nº Único: 0024641-87.2009.8.10.0000

Apelação Criminal Nº. 024641/2009 – Chapadinha/MA

Apelante : E. S. G.
Advogado : A. L. M. F.
Apelado : Ministério Público Estadual
Incidência Penal : Art. 171, caput, do CPB
Relator : Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida

Acórdão nº____________

 

Ementa: PENAL E PROCESSUAL PENAL. ESTELIONATO. TIPO FUNDAMENTAL (CAPUT). ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE TIPICIDADE OBJETIVA. INOCORRÊNCIA. REPARAÇÃO DO DANO ANTES DO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. PRETENSA EXCLUSÃO DA TIPICIDADE. INVIÁVEL. PENA. ANTECEDENTES CRIMINAIS. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO TRÂNSITO EM JULGADO. REDIMENSIONAMENTO.

1. Demonstrados, quantum satis, a obtenção de vantagem ilícita, mediante ardil, em detrimento de prejuízo da vítima, é de rigor a condenação do agente pela conduta descrita no art. 171, caput, do CPB.

2. A reparação do dano antes do recebimento da denúncia, como causa obstativa da persecução criminal, é inaplicável ao tipo básico do estelionato, descrito no caput do art. 171, do CPB, incidindo na espécie, apenas, a causa de redução prevista no art. 16, do mesmo diploma, desde que devidamente comprovado o integral ressarcimento à vítima. Inteligência da súmula 554, do STF. Precedentes do STJ e STF.

3. Nos termos da súmula n. 444, do STJ, “é vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base”.

4. Apelo conhecido e improvido, e redimensionada a pena, ex officio, entretanto.

 


Acórdão – Vistos, relatados e discutidos estes autos, ACORDAM os Senhores Desembargadores da Primeira Câmara Criminal, por unanimidade e de acordo com o parecer da Procuradoria Geral de Justiça, adequado em banca, em negar provimento ao recurso, nos termos do voto do Desembargador Relator.

Participaram do julgamento os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Antonio Fernando Bayma Araujo (Presidente), Raimundo Nonato Magalhães Melo e José Luiz Oliveira de Almeida. Presente pela Procuradoria Geral de Justiça a Dra. Domingas de Jesus Froz Gomes.

São Luís, 15 de fevereiro de 2011.

 

DESEMBARGADOR Antônio Fernando Bayma Araujo

PRESIDENTE

 

DESEMBARGADOR José Luiz Oliveira de Almeida

RELATOR


Apelação Criminal Nº. 024641/2009 – Chapadinha/MA

 

RelatórioO Sr. Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida (relator): Trata-se de recurso de apelação criminal interposto pela defesa de E. S. G., contra sentença oriunda da 1ª Vara Criminal da Comarca de Chapadinha, que o condenou por incidência comportamental no art. 171, caput, do CPB, à pena de 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão, bem como ao pagamento de 20 (vinte) dias-multa.

Da peça de acusação, colho o seguinte relato:

[…] que no dia 08 de julho de 2007, o indiciado apoderou-se do cartão de benefício da vítima, a Sra. M. J. DA C. P., alegando que o cartão estava vencido e precisava ser trocado por outro. De posse do cartão, o ora denunciado fez um empréstimo no terminal eletrônico do Banco Bradesco, no valor de R$ 400,00 (quatrocentos reais), sem autorização da vítima, apoderando-se do numerário, sendo cada prestação no valor de R$ 32,49 (trinta e dois reais e quarenta e nove centavos). O indiciado já havia feito antes um empréstimo com autorização da vítima, há aproximadamente um ano atrás.

Com o intuito de ludibriar a vítima o denunciado passou a depositar o valor das prestações, todos os meses, em sua conta para que a mesma não percebesse que havia sido feito um empréstimo em seu benefício.

A denúncia foi instruída com os autos do inquérito policial n. 47/2007 – 2º DP de Chapadinha, notadamente, com os extratos mensais de movimentação da conta bancária da ofendida, do banco Bradesco (fls. 13/22).

Recebimento da denúncia às fls. 37.

Defesa preliminar às fls. 64/68.

No curso da instrução, foi ouvida a vítima, M. J. da C. P., às fls. 77, e inquiridas as testemunhas R. P. de F. (fls. 77), I. V. M. (fls. 77v.), e R. P. O. (fls. 77v.), a primeira, arrolada pelo Ministério Público, e as duas últimas, pela defesa. Em seguida, o apelante foi qualificado e interrogado, às fls. 79/79v..

Nas razões finais acostadas às fls. 83/85, o Ministério Público requereu a condenação do apelante como incurso nas sanções do art. 171, caput, do CPB.

A defesa, em suas derradeiras alegações, às fls. 87/91, postulou a absolvição do apelante, asseverando, em síntese, a fragilidade do suporte probante, e ausência de vantagem ilícita em prejuízo alheio.

Em manifestação, às fls. 114, o Ministério Público de base requereu a devolução do prazo recursal ao advogado, tendo em vista que os fatos articulados em suas razões recursais encartadas às fls. 102/106, não dizem respeito a este processo.

Deferida promoção ministerial, a defesa aviou novas razões recursais, assentadas às fls. 119/122, argumentando, em sinopse, o seguinte:

I – que não houve a devida conformação do tipo objetivo do delito previsto no art. 171, caput, do CPB, asseverando que não restou demonstrado nos autos a ocorrência de vantagem ilícita auferida pelo apelante, concomitante ao prejuízo sofrido pela vítima; e

II – que o apelante, supostamente, depositou na conta bancária da ofendida os valores correspondentes às prestações que eram descontadas no benefício previdenciário dela, conduta esta que, no seu entender, obsta o prosseguimento da ação penal, por ter reparado o dano antes do recebimento da denúncia.

Com fulcro em tais argumentos, postula a defesa a absolvição do apelante, arrimado no art. 386, II, do CPP (não haver prova da existência do fato).

Nas contrarrazões de fls. 124/127, o Ministério Público de 1º grau requereu o improvimento do apelo, com a manutenção consequente da decisão fustigada.

Aportados os autos nesta Corte de Justiça, e encaminhados à Procuradoria Geral de Justiça, a Procuradora Flávia Tereza de Viveiros Vieira, manifestou-se nos autos, em duas ocasiões, opinando pela conversão do feito em diligência para que:

I – fosse juntada ao bojo processual a sentença pertinente aos fatos apreciados neste processo, asseverando que, na decisão de fls. 93/97 a vítima é outra, embora seja o mesmo acusado (fls. 135/136); e

II – intimação do réu e seu advogado do édito condenatório, pessoalmente ou por edital (fls. 152/153).

As providências requeridas pelo Parquet foram cumpridas, conforme se observa da sentença acostada aos autos às fls. 143/147, e intimação pessoal do apelante e seu advogado, às fls. 163 e 165.

Na aludida sentença (fls. 143/147), o apelante foi condenado à pena de 02 (dois) anos de reclusão, e ao pagamento de 20 (vinte) dias-multa, por incidência comportamental no art. 171, caput, do CPB.

A Procuradoria de Justiça, em parecer da lavra da d. Procuradora Maria dos Remédios F. Serra, opinou, às fls. 177/183, pelo conhecimento e improvimento do apelo, sustentando, em síntese, que eventual ressarcimento do dano, antes do recebimento da exordial, tem o condão de, tão somente, reduzir a pena.

É o relatório.

Voto O Sr. Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida (relator): Presentes os pressupostos de admissibilidade do recurso de apelação sob análise, dele conheço.

O pleito absolutório, embora se fundamente no art. 386, II, do CPP (inexistência do fato), a rigor, tangencia argumentos que pretendem desconstituir o crime, por considerá-lo atípico, sob os seguintes argumentos:

I – que não houve a devida conformação do tipo objetivo do delito previsto no art. 171, caput, do CPB, asseverando que não restou demonstrado nos autos a ocorrência de vantagem ilícita auferida pelo apelante, concomitante ao prejuízo sofrido pela vítima; e

II – que o apelante, supostamente, depositou na conta bancária da ofendida os valores correspondentes às prestações que eram descontadas no benefício previdenciário dela, conduta esta que, no seu entender, obsta o prosseguimento da ação penal, por ter reparado o dano antes do recebimento da denúncia.

Em que pesem os respeitáveis argumentos esposados pela defesa, devo dizer que deles não comungo, pelas razões que explicitarei, doravante.

Insta ressaltar, inicialmente, que a materialidade delitiva é absolutamente estreme de dúvidas, pelo que se observa pelo demonstrativo de parcelas do empréstimo acostado às fls. 13/22 dos autos.

Retornando à análise das teses defensivas, devo dizer que o tipo objetivo do crime de estelionato, desde meu olhar, restou, sim, devidamente configurado no caso em espeque.

O art. 171, caput, do CPB, dispõe:

Art. 171 – Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento:

Pena – reclusão, de um a cinco anos, e multa.

 

Diante do aludido demonstrativo das parcelas do empréstimo consignado (fls. 13/22), é visível, ou melhor, patente, o prejuízo sofrido pela vítima, ao contrário do que afirmou a defesa do apelante, vez que demonstra, quantum satis, o desfalque financeiro sofrido por ela, uma lavradora aposentada, de cerca de 90 anos de idade.

Os depoimentos testemunhais colacionados aos autos demonstram, indiscutivelmente, a autoria delitiva, ao tempo em que, também, corroboram a conformação da tipicidade objetiva do crime de estelionato em seu duplo aspecto, qual seja, vantagem ilícita auferida pelo apelante, em detrimento de prejuízo sofrido pela vítima, mediante ardil.

Nesse norte, o depoimento da ofendida, na fase judicial, é de notória importância (fls. 77):

[…] que a depoente já conhecia o acusado há um certo tempo, pois que já havia feito um empréstimo através do acusado; que na época da denúncia o acusado foi até a casa da filha da depoente onde esta mora perguntando-lhe quanto a depoente estava recebendo; que esta respondeu que estava recebendo cento e cinquenta reais; que o acusado afirmou que era muito pouco e que iria providenciar para que a depoente recebesse pelo menos duzentos reais por mês; que a depoente entregou seu cartão do banco para o acusado o qual já sabia a senha; que não sabe informar o valor do empréstimo realizado pelo acusado apenas  que no mês seguinte recebeu somente vinte cinco reais e nos meses seguintes, cento e quarenta reais; que quando o acusado retornou do banco, este entregou o cartão para a neta da depoente de nome R. pois que a depoente não estava em casa; […] quando foi realizado o segundo empréstimo a depoente ainda estava pagando o empréstimo anterior; […] que não sabe dizer se o valor referente ao segundo empréstimo estava sendo depositado em prestações em sua conta. […]

(sem destaques no original)

Na fase inquisitorial (fls. 09/10), afirmou a ofendida, em sentido harmônico, o seguinte:

[…] que no mês de junho deste ano, foi novamente procurada pelo Edelson, que lhe perguntou se já havia recebido o cartão novo; que a declarante respondeu que não; que, neste instante o E. pediu o cartão da declarante dizendo que iria renová-lo para que a declarante ganhasse mais dinheiro; que, passado aproximadamente uma hora o E. retornou devolvendo o cartão de saque do benefício da declarante;  que, neste mês descobriu que havia feito um outro empréstimo vinculado ao seu benefício no mês de junho deste ano, no valor de R$ 400,00 (quatrocentos reais); que, procurou a agência do Bradesco onde após pesquisa foi informada que o primeiro empréstimo foi feito no valor de R$ 1800 (mil e oitocentos reais) e não mil e trezentos como pensava e que mês de junho foi feito um empréstimo no valor de R$ 400,00 (quatrocentos reais); que a funcionária do banco disse que alguém estava efetuando depósitos na conta da declarante no valor do empréstimo todos os meses; que, a funcionária não soube dizer quem efetuava estes empréstimos; que, procurou o E. e este disse não assumiu o empréstimo mas se comprometeu em fazer o depósito da diferença no dia 08 de outubro; que na data marcada foi a agência bancária porém o dinheiro não foi depositado; que, atualmente, está recebendo líquido, a quantia de R$ 140,00 (cento e quarenta reais); […]

As testemunhas ouvidas na fase franqueada pelas garantias do devido processo legal aglutinam o acervo probatório, corroborando as palavras da vítima.

Nesse sentido, a neta da ofendida, R. P. de F., ouvida como informante (fls. 77), declarou:

[…] que sua avó pediu ao acusado para fazer o primeiro empréstimo; que da segunda vez o acusado foi até a casa da depoente e pediu o cartão de sua avó para que o mesmo fosse trocado, alegando que o mesmo estava vencido; que quando o acusado foi devolver o cartão para sua avó, não disse nada; que no dia de receber seu dinheiro sua avó e a mãe da depoente foram até o banco e tiraram um estrato, oportunidade em que tiveram conhecimento do empréstimo; que no extrato constava dois empréstimos; […] que o valor do empréstimo foi de quatrocentos reais; que o referido valor não foi devolvido. […]

Os relatos das testemunhas de defesa, às fls. 77v., não trouxeram esclarecimentos relevantes para o deslinde do fato delituoso em tela. Apenas corroboram algumas circunstâncias que o circundam, tal como a prática de corretagem de seguros, levada a efeito, costumeiramente, pelo apelante, e que ele, também de forma rotineira, prestava esclarecimento a terceiros acerca de empréstimos, bem como os intermediava.

O apelante, contudo, nega a imputação criminosa, atribuindo a responsabilidade pelo empréstimo a um indivíduo chamado Juraci, o qual diz que também intermediou a operação. Afirmou, ademais, que uma senhora de nome R. de C. N., que trabalhava com empréstimos para aposentados, colocou-se à disposição para resolver o problema da ofendida.

Inobstante o relato do apelante, observo que se encontra ilhado no acervo probatório coligido. Não há qualquer outro elemento de prova capaz de coadunar-se ao que ele disse em juízo.

Em verdade, a participação do indivíduo de nome J. ocorreu na ocasião em que a ofendida efetuou o primeiro empréstimo consignado, este sim, por ela devidamente autorizado.

Portanto, assoma dos autos, de forma indubitável, o patrimônio probante capaz de sustentar a conformação típica do delito. Senão, vejamos.

O apelante, ludibriando a vítima, afirmando que seu cartão de benefícios previdenciários estava vencido, e que iria providenciar um novo, apoderou-se dele, e, como já conhecia seus dados e sua senha, em razão de ter intermediado um empréstimo anterior, contratou um novo empréstimo consignado, no valor de R$ 400,00 (quatrocentos reais).

Ora, essa quadra fática evidencia, de forma cristalina, que a conduta do apelante amolda-se, à perfeição, ao tipo legal de crime previsto no art. 171, caput, do CPB, posto que induziu a vítima em erro, auferindo, daí, vantagem ilícita, em prejuízo alheio.

Absolutamente insubsistente, portanto, a tese defensiva que propugna pela atipicidade da conduta do apelante.

Passemos, em diante, a analisar a segunda tese da defesa atinente ao ressarcimento do dano, antes do recebimento da denúncia, como elemento apto a afastar a persecução criminal.

Inicialmente, devo dizer que, ao contrário do que afirmou a defesa do apelante, não vislumbrei, nos autos, qualquer prova do efetivo pagamento integral à ofendida, relativamente às parcelas que estavam sendo descontadas em seu benefício.

Ora, tratando-se de matéria aviada pela defesa, é seu ônus comprová-la, juntando aos autos os respectivos comprovantes de depósitos em favor da vítima, o que não ocorreu na espécie.

Entretanto, ainda que houvesse prova do efetivo pagamento, tal circunstância, por si só, não tem o condão de excluir a tipicidade, ou sequer a punibilidade, mas, tão somente, de reduzir a pena, em razão da incidência do art. 16, do CPB, como bem ponderou o Parquet em seu parecer conclusivo.

A corroborar o exposto, colho lapidar lição da doutrina[1], citando, inclusive, precedentes jurisprudenciais:

Reparação do dano: Somente na hipótese do subtipo do § 2º, VI (fraude no pagamento por meio de cheque), é pacífica a jurisprudência no sentido de que a reparação do dano, antes do início da ação penal, descaracteriza o estelionato (STF, Súmula 554 e jurisprudência no § 2º, VI, sob o título Pagamento ou consignação antes do recebimento da denúncia). Todavia, para o caput do art. 171 e demais subtipos (§ 2º, I a V), predomina o entendimento de que a reparação do dano não tem a mesma consequência (STF, RT 605/422; STJ, RHC 2.531, DJU 19.4.93, P. 6685; TJES, RT 626/334; TJSC, JC 70/389, RT 761//705), mas autoriza a aplicação do art. 16 (arrependimento posterior) (STJ, RT 779/522; TJPR, PJ 46/198) […]

(sem destaques no original)

A jurisprudência do STJ trilha o mesmo rumo:

PENAL. RECURSO ESPECIAL. ESTELIONATO. REPARAÇÃO DO DANO ANTES DO OFERECIMENTO DA DENÚNCIA. SÚMULA 554 DO STF. INAPLICABILIDADE. RÉU ABSOLVIDO PELO TRIBUNAL A QUO. SENTENÇA CONDENATÓRIA RESTABELECIDA. RECURSO PROVIDO.

1. Hipótese na qual o recorrido foi denunciado pela prática, em tese, do delito de estelionato, em sua modalidade fundamental, por ter supostamente obtido vantagem ilícita em prejuízo de estabelecimento comercial, ao pagar as despesas efetuadas com cheques furtados, falsificando a assinatura do correntista.

2. A orientação contida na Súmula 554, do Supremo Tribunal Federal, é restrita ao crime de estelionato na modalidade de emissão de cheques sem fundos, prevista no art. 171, § 2º, inciso VI, do Código Penal.

3. O ressarcimento do prejuízo antes do recebimento da denúncia não exclui o crime de estelionato cometido na sua forma fundamental (art. 171, caput, do CP), apenas influindo na fixação da pena, nos termos do art. 16, do Estatuto Repressivo.

4. Recurso provido[2].

(sem destaques no original)

No mesmo vértice, o Supremo Tribunal Federal já assentou:

2. A Súmula nº 554 do Supremo Tribunal Federal não se aplica ao crime de estelionato na sua forma fundamental: “Tratando-se de crime de estelionato, previsto no art. 171, ‘caput‘, não tem aplicação a Súmula 554-STF” (HC nº 72.944/SP, Relator o Ministro Carlos Velloso, DJ 8/3/96). A orientação contida na Súmula nº 554 é restrita ao estelionato na modalidade de emissão de cheques sem suficiente provisão de fundo, prevista no art. 171, § 2°, inc. VI, do Código Penal (Informativo n° 53 do STF). 3. A reparação do dano antes da denúncia é tão-somente uma causa de redução da pena, nos termos do art. 16 do Código Penal, e não uma causa de excludente de culpabilidade[3].

Portanto, diante da inexistência de prova cabal do integral ressarcimento à vítima no caso sob testilha, inviável a incidência da causa de redução de pena do art. 16, do Codex Penal.

A condenação do apelante, portanto, é medida que se impõe.

Passemos, doravante, a analisar a higidez da resposta penal.

À vista de circunstâncias judiciais, em sua maioria, desfavoráveis, a sentenciante fixou a pena-base em 02 (dois) anos de reclusão, e ao pagamento de 20 (vinte) dias-multa, a qual restou definitiva, à mingua de elementos a serem considerados nas fases subsequentes da dosimetria.

Pois bem.

Devo dizer que as circunstâncias judiciais devidamente sopesadas pela magistrada a quo foram concretamente valoradas e justificadas.

Todavia, apenas uma merece retoque, aquela atinente aos antecedentes do apelante, os quais foram negativamente valorados sem a necessária comprovação do trânsito em julgado.

Digo isso porque, à luz do entendimento pretoriano assente no STJ, a existência de processos ou inquéritos em curso não podem ser considerados antecedentes maculados, sob pena de vilipendiar o princípio constitucional da presunção de inocência, ou não culpabilidade, nos termos verbete sumulado n. 244:

É vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base.

Desta forma, é de rigor o afastamento da aferição negativa dessa circunstância judicial, reduzindo-se a reprimenda em 03 (três) meses e 05 (cinco) dias-multa, resultando, portanto, 01 (um ano) e 07 (sete) meses de reclusão, e ao pagamento de 15 (quinze) dias-multa.

Outrossim, pude observar a imposição regime de cumprimento de pena mais severo do que o previsto legalmente, sem a devida justificativa, exigindo-se, pois, a sua readequação.

Ao lume dessas considerações, conheço do presente recurso de apelação, para, parcialmente de acordo com o parecer ministerial, negar-lhe provimento e, ex officio, retificar a fixação da reprimenda, ficando o apelante definitivamente condenado à pena de 01 (um ano) e 07 (sete) meses de reclusão, e ao pagamento de 15 (quinze) dias-multa, pela prática delitiva encartada no art. 171, caput, do CPB, a ser cumprida em regime inicial aberto[4], mantendo-se, outrossim, os demais termos do édito condenatório.

É como voto.

Sala das Sessões da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, em São Luís, 15 de fevereiro de 2011.

 

DESEMBARGADOR José Luiz Oliveira de Almeida

RELATOR



[1] DELMANDO, Celso, et. all. Código Penal Comentado. 8. ed. Saraiva, 2010, p. 626

[2] REsp 923.197/RS, Rel. Ministra JANE SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG), QUINTA TURMA, julgado em 14/11/2007, DJ 03/12/2007, p. 358.

[3] HC 94777, Relator(a):  Min. MENEZES DIREITO, Primeira Turma, julgado em 05/08/2008.

[4] Art. 33 – Omissis

§ 2º – As penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma progressiva, segundo o mérito do condenado, observados os seguintes critérios e ressalvadas as hipóteses de transferência a regime mais rigoroso: Omissis c) o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto.

 

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

Um comentário em “Estelionato e ressarcimento do dano”

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    18:36:56Para falar ao vento bastam palavras. Para falar ao coração, é preciso obras

    Quarta-feira 18:36:56 000043

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