Juiz não é legislador

Os crimes contra o patrimônio crescem em velocidade alarmante em nossa sociedade. Não há nenhuma cidade, por menor que seja, que, nos dias atuais, não sofra os efeitos da violência, sobretudo em face do crime de roubo, que prolifera de forma assustadora, a nos impor mudança de comportamento e de hábitos.

Resulta dessa constatação que, algumas vezes,  somos instados, enquanto magistrados, a agir com mais rigor, para atender aos anseios da sociedade, que, cada dia mais, clama por paz e imagina que somos os únicos culpados por essa situação, vez que, no imaginário popular, a polícia prende e o juiz solta.

Tenho dito, inobstante, que o magistrado, conquanto não deva virar as costas para sociedade, não deve agir, com excesso  e açodamento, quando tiver que julgar um acusado, para que as suas decisões não deixem transparecer que ele seja apenas um instrumento vingança do próprio Estado, a quem tenho dito,  é defeso fazer cortesia com o direito alheio, ainda que se trate do mais repugnante  e contumaz meliante.

Nesse cenário, tenho reformado decisões de primeiro grau que se mostram excessivas, como ocorre, por exemplo, quando o julgador, diante de duas qualificadoras, eleva as penas, nos crimes de roubo,   além dos percentual mínimo (1/3), na suposição de que, com essa atitude, dá uma resposta mais eficaz  às inquietações dos seus jurisdicionados.

É minha compreensão, e assim temos decidido na 1ª Câmara Criminal, que  a existência de duas causas de aumento de pena, de rigor, não impõe a elevação em patamar superior ao mínimo previsto – um terço –, a não ser que a peculiaridade do caso concreto, como a extrema reprovabilidade da conduta, assim o exija.

Na minha condição de magistrado de segundo grau já  enfrentei, ademais,  decisões nas quais os magistrados, no afã de dar uma resposta à sociedade,  têm agido até como se legisladores fossem,  como se deu  nos autos da AC nº 0290/2010, quando pude constatar que o juiz sentenciante fez inserir, no crime de furto, causas especiais de aumento de penas previstas para o crime de roubo, o que, convenhamos, é um rematado equívoco.

É claro que temos que dar, a tempo e hora, uma resposta à sociedade, em face dos crimes praticados. Não podemos, entretanto, sob qualquer argumento,  legislar em matéria penal, pois, assim o fazendo, malferimos a ordem jurídica, da mesma forma que o faz quem pratica um crime de furto ou de roubo.

Ao magistrado, repito, não é dado o direito de fazer cortesia com o direito alheio. Bom exemplo dá o magistrado que, mesmo diante da violência que nos atormenta, age sem hostilizar as franquias constitucionais dos acusados,  ainda que, por isso, seja incompreendido.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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