Teto de vidro
Ministros do STJ recebem mais que o teto previsto na Constituição; Judiciário deveria dar o exemplo no respeito ao dispositivo
Com o intuito de evitar desperdício de dinheiro público e coibir abusos de poder, a Constituição estabelece que nenhum servidor deverá receber remuneração superior àquela paga mensalmente aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).
Tal teto salarial, hoje fixado em R$ 26.723, não tem sido, no entanto, respeitado por nenhum dos três Poderes da República. Funcionários e integrantes das instituições responsáveis por elaborar, executar e interpretar a legislação vigente lançam mão de manobras contábeis e subterfúgios normativos para descumpri-la.
O desrespeito à Constituição e ao contribuinte se vale do fato de o dispositivo que estabelece o limite às remunerações do funcionalismo nunca ter sido regulamentado como deveria. Ainda que seu sentido seja inequívoco, Executivo, Legislativo e Judiciário interpretam, cada um à sua maneira, quais “proventos”, “verbas”, “adicionais”, “vantagens pessoais” e “comissionamentos” devem ou não ser contabilizados como parte do pagamento de seus integrantes.
Uma profusão de extras continua a sair dos cofres públicos e a engordar os salários de servidores, sem serem, entretanto, considerados como parte “oficial” de sua remuneração.
Ministros de Estado, por exemplo, que ao final de 2010 tiveram seus ganhos equiparados aos dos integrantes do Supremo, ultrapassam o teto ao somarem a seus salários pagamentos provenientes da participação em conselhos de empresas públicas -prática comum na Esplanada. É no Executivo, todavia, que se constata maior rigor no cumprimento à regra estabelecida pela Constituição.
No Superior Tribunal de Justiça (STJ), a maioria dos 30 ministros recebeu mais do que o limite determinado pela lei em todos os meses do ano passado, segundo reportagem destaFolha. A presidência do STJ afirma que segue normas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) nos cálculos, mas persistem questionamentos no Supremo Tribunal Federal sobre as interpretações.
Como é costume no país, busca-se agora criar novas regras, cada vez mais detalhadas, a fim de tapar as brechas utilizadas para desrespeitar o propósito da lei. A senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) propõe legislação específica para determinar o modo de contabilizar os componentes da remuneração de funcionários públicos, a fim de coibir os abusos praticados.
É deplorável constatar que tal medida se faça necessária. O sentido do artigo da Constituição que institui o teto salarial é mais do que claro e corresponde a um anseio evidente da opinião pública por austeridade no trato com o dinheiro do contribuinte.
Cada Poder deveria zelar pelo cumprimento do teto, em vez de sabotá-lo a qualquer oportunidade e pretexto. Dentre eles, contudo, o exemplo do Judiciário é o que mais salta aos olhos, por se tratar precisamente do principal guardião da eficácia das leis.