O Direito Penal, como subsistema de controle social, não deveria, sob qualquer pretexto, perder de vista os pontos de apoio que dão arrimo à ordem jurídica, devendo ter presente, por conseguinte, que a dignidade da pessoa humana deve ser posta, sempre, em relevo.
Infelizmente, isso não ocorre em nosso país, em que pese os vários princípios inseridos em nossa Carta Magna, com destaque, no que interessa ao tema sub oculli, para o princípio da humanidade da pena, tão maculado, tão desrespeitado, em função mesmo dos destinatários da norma penal.
Lamentavelmente, tem sido assim. À clientela do sistema carcerário brasileiro não tem sido assegurado o respeito à sua dignidade, decorrendo do fato, como consequência inevitável, que as penas de prisão, de amarga necessidade, não têm alcançado o seu desideratum, que seria, teoricamente, o de reeducar e ressocializar, para, depois, reinserir na sociedade o autor do fato criminoso.
O que temos assistido, aqui e algures, é a consolidadão do direito penal do terror, ainda que a nossa ordem constitucional tenha formalizado, no que interessa ao tema, os princípios da legalidade e da igualdade, ao lado do já mencionado princípio da humanidade da pena. Tais princípios permanecem, o que é de lamentar, no plano puramente formal.
Por esses e por outros motivos é que em todos os lugares do mundo as vozes se erguem em face do conhecido fracasso da chamada ideologia do tratamento ressocializador. No Brasil não é diferente. Aqui o tratamento ressocializador também fracassou, uma vez que o nosso sistema penitenciário padece dos mesmos vícios dos demais sistemas existentes no mundo, com a agravante de estar transbordando de presos, os quais, como mencionado acima, são tratados de forma degradante e desumana.
É necessário que se diga que as instituições denominadas de totais, como são os estabelecimentos criminais, funcionam, no Brasil, apenas como um depósito de gente, embora sejam apresentadas aos olhos do povo como locais eficientes e aptos a atenderem os seus fins. O são, em verdade, verdadeiras masmorras, por isso mesmo fracassaram. Por isso não ressocializam, por isso são uma fábrica de reincidência, de estatísticas estarrecedoras.
Evandro Lins e Silva contribui com o tema afirmando que “hoje não se ignora que a prisão não regenera nem ressocializa ninguém; perverte, corrompe, deforma, avilta, embrutece, é uma fábrica de reincidência, é uma universidade às avessas onde se diploma o profissional do crime”.
O saudoso Heleno Fragoso, jurista de nomeada, asseverou que “como instituição total a prisão necessariamente deforma a personalidade, ajustando-a à subcultura prisional. O problema da prisão é a própria prisão… Aos efeitos comuns a todas as prisões, somam-se os que são comuns às nossas: superpopulação, ociosidade e promiscuidade”.
Penso, sempre que sou concitado a falar acerca do tema sob retina, que essa falta de preocupação da classe dirigente com a questão do preso se deve exatamente porque no Brasil a prisão é destinada apenas aos mais pobres. Imagino que no dia que as ações do sistema penal de dirigirem, indistintamente, a todos os autores das condutas típicas e antijurídicas, passar-se-á a investir com mais responsabilidade para resolução do gravíssimo problema penitenciário brasileiro, sem que o legislador perca de vista que é preciso, sem mais delongas, modernizar, o quanto baste, a nossa legislação penal, descriminalizando condutas, despenalizando, quando possível, para evitar-se, ao máximo, a carcerização.
É inegável que o encarceramento, em nosso sistema prisional fracassado, não melhora o detido, não o corrige para o mundo exterior, não o recupera para o retorno à sociedade que perturbou com sua ação criminosa, razão pela qual muito mais cautela deve ter o julgador, quando se decidir pela condenação de alguém e pelo cumprimento de penas nas chamdas instituições totais.
Barbero Santo, na sua obra, “Marginalidade Social e Direito Repressivo”, diagnosticou que “ a prisão é aterrorizadoramente opressora e seus muros separam o interno da sociedade e a sociedade do interno. Esse não apenas perde o direito à liberdade de deslocar-se, mas praticamente todos os seus direitos: de expressão, reunião, associação, sindicalização, escolher trabalho, receber um salário semelhante ao do trabalhador livre, assistência social, etc e até de desenvolver normalmente a sua sexualidade”.
Raull Cervine, emérito professor uruguaio, afirmou, com sabedoria, que “o ingresso em uma instituição dessa natureza começa com uma série de humilhações, degradações e desonras do “eu” e esse “eu” é sistematicamente mortificado, ainda que muitas vezes não de propósito.
Goffman, citado por Cervine, de seu lado, anotou: “É impossível descrever esse ambiente com poucas palavras. Privados da maioria de seus direitos de expressão e de ação por um regulamento meticuloso, os detentos encontram-se em um estado de compressão psicológica como um gás sob pressão dentro de um recipiente fechado. Tendem continuamente a romper essa resistência e tal tendência manifesta-se às vezes de uma maneira dramática, por evasões, ataques ao pessoal, motins”.
Pode-se concluir, a par do exposto, que a dignidade da pessoa humana, quando o assunto é prisão, tem sido muito pouco pensada, quer pelos legisladores, quer pelos executores das leis, preponderando, com efeito, o desrespeito ao princípio da humanidade da pena.
É hora, pois, de repensar-se todo o sistema carcerário, com a responsabilidade que a situação exige.
Caro José Luiz, como sempre acompanho seu blog e os temas relevantes que aqui são tratados. Neste caso, acredito, em modesta opinão que não qualquer falência do sistema prisional, da mesma forma que não podemos falar em fracasso estatal no sentido de promover a ressocialização do preso. A base é simples. Não há fracasso pois o Estado não tem qualquer interesse em resolver os problemas. Bauman afirma que a prisão substituiu os campos de refugiados, locais onde ficam os indesejáveis e que se assim devem ser tratados. Simples. Não há qualquer compromisso com os direitos individuais. O único compromisso é retirar de nossas vistas aquilo que nos deagrada. Ponto. E isso o Estado faz bem. Abraço