Direito concreto

Cuido aqui  de voto que apresentei, em face da apelação nº 34966, no qual enfrentei vários argumentos nela elencados, dos quais retiro os fragmentos, abaixo, verbis:

Sobre o princípio da insignificância.

“[…]No caso concreto, ainda que o valor subtraído tenha sido pequeno, não há como se aplicar o princípio da insignificância, como pretendem os recorrentes, se, conforme restou demonstrado nos autos, além do patrimônio, restou lesionada a integridade física da vítima, bem jurídico que não pode ser afastado da tutela do Estado[…]”

Sobre a pretensão de desclassificar a imputação de crime de roubo consumado para roubo tentado.

“[…]Assim, considerando-se que as declarações prestadas pela vítima encontram amparo no conjunto probatório colacionado aos autos, conclui-se que o crime imputado aos apelantes percorreu todo o seu iter criminis, chegando a consumar-se, já que o bem subtraído, embora por breve período, saiu da esfera de vigilância da vítima[…]”

Sobre a atenuante da confissão

“[…]Ressalte-se, apenas pelo prazer de argumentar, que só faz jus ao benefício em tela o agente que, de forma pura e simples, admite a prática do delito. Casos em que o agente confessa, mas acrescenta fatos que descaracterizam o tipo penal, não têm o condão de ensejar o reconhecimento da atenuante[…]

Sobre a prescindibilidade da prova pericial.

“[…]No que concerne a alegação de ausência de exame pericial realizado na vítima e nas armas apreendidas, devo dizer que não são indispensáveis para a condenação dos apelantes no crime de roubo circunstanciado.

Com efeito, além da existência de auto de apreensão das armas, constante às fls. 17, a pretensão dos apelantes não merece prosperar porque se trata de arma branca, cuja comprovação de potencialidade lesiva é prescindível. E o seu emprego, vale ressaltar, restou demonstrado através das declarações da vítima em ambas as fases da persecução criminal[…]”

Sobre o concurso de pessoas.

“[…]De acordo com a teoria monista ou unitária, adotada como regra pelo nosso Código Penal, existe um crime único, atribuído a todos aqueles que para ele concorrerem, sejam autores ou partícipes.

Desse modo, para caracterizar o concurso, necessário somente a colaboração do agente para a ocorrência da ação delituosa, o que restou comprovado nos autos em relação ao apelante D. S. C., sendo inexigível que tenha praticado atos típicos de execução[…]”

Sobre a dosimetria da pena:

“[…]Entendo que a pena de multa deve ser proporcional à pena restritiva de liberdade, o que não foi verificado pelo juiz de piso, razão pela qual, considerando as mesmas circunstâncias avaliadas na sentença, fixo a pena-base em 4 (quatro) anos de reclusão e 10 DM, a qual faço incidir 1/3, em decorrência das causas de aumento supramencionadas, totalizando 5 (cinco) anos, 4 (quatro) meses de reclusão, e 13 DM, a ser cumprida em regime inicial semiaberto[…]”

A seguir, o voto, por inteiro:


PRIMEIRA CÂMARA CRIMINALSessão do dia 22 de fevereiro de 2011.

Nº Único: 0000358-97.2006.8.10.0034

Apelação Criminal nº 034966/2010 – Codó

Apelante(s) : F. das C. S. e outro
Advogado : W. R. F.
Apelado : Ministério Público Estadual
Incidência Penal : Art. 157, § 2º, I e II, do CP
Relator : Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida

 

 

Ementa. RECURSOS DE APELAÇÃO CRIMINAL. ROUBO CIRCUNSTANCIADO PELO EMPREGO DE ARMA E CONCURSO DE PESSOAS. PRINCIPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. CRIME CONSUMADO. CONFISSÃO. INEXISTÊNCIA. EXAME PERICIAL. PRESCINDIBILIDADE. CONCURSO DE PESSOAS. CONFIGURAÇÃO. DOSIMETRIA. DESPROPORCIONALIDADE DA PENA DE MULTA. REINCIDÊNCIA NÃO COMPROVADA. APELOS PARCIALMENTE PROVIDOS.

1. Tratando-se de delito complexo, é inaplicável ao crime de roubo o princípio da insignificância, consoante entendimento jurisprudencial já consolidado.

2. Não se exige, para consumação do crime de roubo, a posse tranqüila da res, se esta, ainda que por breve período, saiu da esfera de vigilância da vítima.

3. Inviável o pleito de reconhecimento da atenuante referente à confissão se esta não restou demonstrada nos autos.

4. É dispensável, para a condenação, a realização de exame pericial na vítima e na arma utilizada no crime, se a violência e ameaça, bem como o efetivo uso da faca apreendida, encontram-se comprovadas nos autos.

5. O ordenamento jurídico pátrio adotou, no que concerne à natureza jurídica do concurso de agentes, a teoria unitária ou monista, segundo a qual todos aqueles que concorrerem para o crime incidem nas penas a ele cominadas.

6. Apelo parcialmente provido para reduzir as penas impostas na sentença em razão da necessária proporcionalidade entre as penas privativa de liberdade e de multa, bem como pela não comprovação da reincidência.

 

Acórdão – Vistos, relatados e discutidos os presentes autos em que são partes as acima indicadas, ACORDAM os Senhores Desembargadores da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, por unanimidade e de acordo com o parecer da Procuradoria Geral de Justiça, adequado em banca, em dar parcial provimento ao recurso, nos termos do voto do Desembargador Relator.

Participaram do julgamento os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Antônio Fernando Bayma Araújo (Presidente), Raimundo Nonato Magalhães Melo e José Luiz Oliveira de Almeida. Presente pela Procuradoria Geral de Justiça o Dr. Joaquim Henrique de Carvalho Lobato.

São Luís, 22 de fevereiro de 2011.

 

DESEMBARGADOR Antônio Fernando Bayma Araújo

PRESIDENTE

 

 

 

DESEMBARGADOR José Luiz Oliveira de Almeida

RELATOR


Apelação Criminal nº 034966/2010 – Codó

Relatório – O Sr. Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida (relator): Trata-se de recursos de apelação interpostos em favor de F. das C. S. e D. da S. C., contra a sentença que os condenou, por incidência comportamental no artigo 157, § 2º, I e II, do Código Penal, respectivamente, à pena de 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, e 120 DM, em regime inicial semiaberto, e 9 (nove) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, e 200 DM, em regime inicial fechado.

De acordo com a inicial acusatória, no dia 17 de setembro de 2006, os apelantes, mediante violência e ameaça exercidas com o emprego de armas brancas, subtraíram da vítima a quantia de R$ 8,00 (oito reais).

Auto de apresentação e apreensão às fls. 17.

Termo de entrega às fls. 18.

Recebimento da denúncia às fls. 43.

Os apelantes foram qualificados e interrogados às fls. 57/60.

Defesas prévias às fls. 63/64.

Durante a instrução foram inquiridas as testemunhas L. M. M. (fls. 73) e José Ferreira da Cruz Filho (fls. 74), ambas arroladas pelo Ministério Público.

Não foram arroladas testemunhas por parte da defesa.

Em sede de alegações finais, o representante ministerial requereu a condenação dos recorrentes nas penas do artigo 157, § 2º, I e II, do Código Penal (fls. 88/90).

A defesa, por sua vez, pediu a absolvição sumária ou a desclassificação do delito atribuído aos apelantes na denúncia para o crime de furto (fls. 94/100).

O juiz de base, ao proferir a sentença, julgou procedente o pedido constante na denúncia, condenando os apelantes pela prática do crime tipificado no artigo 157, § 2º, I e II, do Codex Penal, e, ao final, impôs a pena de 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 120 DM, em regime inicial semiaberto, a F. das C. S., e de 9 (nove) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e, 200 DM, em regime inicial fechado, a D. da S. C..

Inconformada, a defesa interpôs os recursos em apreço (às fls. 127 e 128) e, em suas razões, juntadas às fls. 131/140 e fls. 142/153, requer, para ambos os recorrentes e de forma subsidiária:

I – a incidência do princípio da insignificância, diante do pequeno valor do bem subtraído e de sua restituição à vítima, com a consequente absolvição dos apelantes;

II – o reconhecimento da causa de diminuição de pena do art. 14, II, parágrafo único, do CP, e da circunstância atenuante do art. 65, II, do mesmo diploma legal; ou

III – a desclassificação para o delito previsto no artigo 157, caput, do CP.

Em relação ao apelante D. da S. C., requer ainda a defesa que seja afastada a reincidência reconhecida na sentença condenatória.

Ao ofertar suas contrarrazões, o Ministério Público pugna pelo improvimento dos apelos, por entender desprovidos de qualquer respaldo probatório e jurídico (fls. 166/172).

Instada a se manifestar, a Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo conhecimento e improvimento do recurso interposto por F. das C. S., e pelo conhecimento e provimento parcial do recurso ajuizado por D. da S. C., apenas para que seja minorada a pena aplicada.

É o relatório.

 

Voto – O Sr. Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida (relator): Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço dos recursos de apelação criminal.

Conforme relatado, F. das C. S. e D. da S. C. foram condenados, em primeira instância, por incidência comportamental no artigo 157, § 2º, I e II, do Código Penal, respectivamente, à pena de 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, e 120 DM, em regime inicial semiaberto, e 9 (nove) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, e 200 DM, em regime inicial fechado.

Contra a decisão proferida pelo juízo de base, interpuseram os recursos em análise, e, em suas razões, alegam:

I – que deve incidir, in casu, o princípio da insignificância, tendo em vista o valor ínfimo da quantia subtraída, e pelo fato de ter sido a mesma restituída à vítima;

II – que deve ser reconhecida a tentativa, visto que os apelantes não tiveram a posse tranquila da res furtiva, bem como a atenuante referente à confissão;

III – que não restou comprovada a violência ou grave ameaça exercida com emprego de arma, diante da ausência de realização dos exames periciais na vítima e nas armas apreendidas, para atestar a potencialidade lesiva;

IV- que não restou configurado o concurso de pessoas;

V – que os recorrentes são primários, sendo-lhes favoráveis as circunstâncias judiciais do art. 59, do CP, o que não foi observado na decisão de primeiro grau.

Quanto ao apelante D. da S. C., a defesa sustenta, ainda, que, na certidão na qual a magistrada sentenciante se baseou para agravar a pena, não constam condenações com trânsito em julgado, razão pela qual não poderia ter reconhecido a reincidência como circunstância desfavorável para agravar-lhe a pena.

Passo, a seguir, a analisar as argumentações trazidas pela defesa em ambos os recursos.

  1. Autoria e materialidade.

Observo, inicialmente, que a materialidade do crime encontra-se demonstrada nos autos, mormente pelo auto de apresentação e apreensão de fls. 17, e pelo termo de entrega de fls. 18.

A autoria, da mesma forma, restou comprovada por meio das provas orais colhidas durante a instrução criminal, em especial pelas declarações prestadas pela vítima às fls. 74, cujo excerto, pela sua importância, trago à colação para compor o presente voto, verbis:

“[…] que o depoente reconhece o acusado F. das C. F. como o autor do furto da quantia de R$ 8,00 (oito reais) contra a sua pessoa; que no dia do acontecido o acusado F. estava armado com uma faquinha pequena de mesa; que na ocasião, o acusado F. chegou a lhe pedir e como o depoente disse que não tinha, o mesmo passou a lhe agredir com algumas coronhadas de faca nas costas; que nessa ocasião, o acusado F. ainda conseguiu subtrair a quantia de R$ 8,00, dando-lhe em seguida, uma batida na nuca; que quanto ao acusado D., apenas informa que este estava a cinco metros do local do crime, provavelmente,dando cobertura ao acusado F.; que, após o ocorrido, o declarante saiu do local, e mais adiante, avistou uma viatura da polícia, oportunidade em que comunicou os fatos […]”

A corroborar as informações trazidas pela vítima, a testemunha L. M. M., ao ser inquirida, em sede judicial, esclarece que

“[…] o depoente e mais dois colegas policiais, quando chegaram ao local do crime, já havia outra viatura da polícia, tendo os outros dois policiais efetuado a prisão dos dois acusados; que o acusado F. estava armado com uma faca pequena, não se recordando se o outro acusado D. estava ou não armado; que o acusado F. no momento de sua prisão, apresentava sinais de embriaguez alcoólica; que na ocasião da prisão, o acusado F. acusava o outro denunciado conhecido por D., enquanto este se defendia dizendo que apenas passava no local; que no momento da prisão, o depoente fez a apreensão da coisa furtada, ou seja, de uma quantia pequena de dinheiro, em poder do acusado F., mais precisamente no seu bolso […]” (fls. 73).

O crime de roubo ocorre com a subtração de coisa alheia móvel, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência. No caso em apreço, não restam dúvidas de que a ação dos apelantes subsume-se ao tipo legal previsto no artigo 157, do Código Penal.

  1. Princípio da Insignificância.

Por se tratar de delito complexo, em que há ofensa a bens jurídicos diversos – o patrimônio e a integridade da pessoa – os Tribunais têm, reiteradamente, afastado a incidência do princípio da insignificância no crime de roubo, diante do interesse estatal em sua repressão, conforme se vê das ementas abaixo transcritas:

Habeas corpus. Penal. Crime de roubo qualificado (art. 157, § 2º, inciso II, do Código Penal). Inaplicabilidade. Precedentes.

1. O crime de roubo se caracteriza pela apropriação do patrimônio de outrem mediante violência ou grave ameaça à sua integridade física ou psicológica. No caso concreto, ainda que o valor subtraído tenha sido pequeno, não há como se aplicar o princípio da insignificância, mormente se se considera que o ato foi praticado pelo paciente mediante grave ameaça e com o concurso de dois adolescentes, fato esse que não pode ser taxado como um comportamento de reduzido grau de reprovabilidade.

2. A jurisprudência consolidada nesta Suprema Corte é firme no sentido de ser inaplicável o princípio da insignificância ao delito de roubo.

3. Habeas corpus denegado.[1]

No mesmo sentido:

HABEAS CORPUS. PENAL. ROUBO CIRCUNSTANCIADO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE. DELITO COMPLEXO. PLURALIDADE DE BENS JURÍDICOS OFENDIDOS. PRECEDENTES DESTA CORTE E DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. PRETENDIDA DESCLASSIFICAÇÃO PARA O CRIME DE CONSTRANGIMENTO. IMPOSSIBILIDADE.

1. Conforme orientação desta Corte Superior de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, é inaplicável, ao crime de roubo, o princípio da insignificância – causa excludente da tipicidade penal –, pois, tratando-se de delito complexo, em que há ofensa a bens jurídicos diversos (o patrimônio e a integridade da pessoa), é inviável a afirmação do desinteresse estatal à sua repressão.

2. (omissis)

3. Ordem denegada.[2]

No caso concreto, ainda que o valor subtraído tenha sido pequeno, não há como se aplicar o princípio da insignificância, como pretendem os recorrentes, se, conforme restou demonstrado nos autos, além do patrimônio, restou lesionada a integridade física da vítima, bem jurídico que não pode ser afastado da tutela do Estado.

  1. Tentativa.

Quanto ao pedido de reconhecimento da causa de diminuição de pena prevista no artigo 14, II, parágrafo único, do Código Penal, também não merece ser acolhido.

Alegam os recorrentes que a quantia subtraída da vítima não saiu de sua esfera de vigilância, visto que logo foram abordados pelos policiais militares, ocasião em que o bem foi devolvido. No entanto, a vítima afirma, em seu depoimento, que, após a ocorrência do crime, saiu do local e, mais adiante, encontrou os policiais que efetuaram o flagrante (fls. 74). Confira-se:

“[…] que após o ocorrido, o declarante saiu do local, e mais adiante, avistou uma viatura da polícia, oportunidade em que comunicou os fatos de que fora vítima; que, em seguida, o declarante seguiu com os dois policiais até o local do furto, tendo a polícia autuado em flagrante delito os dois acusados; que, no dia seguinte dos fatos, o declarante foi até a delegacia para fazer o reconhecimento dos acusados, ocasião em que lhe foi restituída a quantia de R$ 7 (sete) reais e alguns centavos.”

É cediço que, em crimes contra o patrimônio, por serem, em regra, cometidos às escondidas, a palavra da vítima possui especial relevância, sobretudo quando narra os fatos de forma segura e coerente, como na espécie. Esse entendimento, aliás, vem sendo proclamado pela jurisprudência, cujo fragmento de ementa trago à colação, verbis:

A palavra da vítima, nos crimes às ocultas, em especial, tem relevância na formação da convicção do Juiz sentenciante, dado o contato direto que trava com o agente criminoso.[3]

Na mesma alheta:

Ademais a “palavra da vítima, em sede de crime de estupro ou atentado violento ao pudor, em regra, é elemento de convicção de alta importância, levando-se em conta que estes crimes, geralmente, não há testemunhas ou deixam vestígios.”[4]

Assim, considerando-se que as declarações prestadas pela vítima encontram amparo no conjunto probatório colacionado aos autos, conclui-se que o crime imputado aos apelantes percorreu todo o seu iter criminis, chegando a consumar-se, já que o bem subtraído, embora por breve período, saiu da esfera de vigilância da vítima.

  1. Atenuante da confissão.

Em relação ao pedido de aplicação da atenuante consistente na confissão, também deve ser rejeitado, conforme passo a demonstrar a seguir.

O apelante D. da S. C., em seu interrogatório, prestado sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, nega a autoria do delito, dizendo

“que no dia dos fatos, por volta das 22h30min, estava na Rua Padre Cícero, nesta cidade, quando surgiu F. das C. S., pedindo-lhe 0,50 (cinqüenta centavos) para beber cachaça; que F. estava embriagado, não tendo o interrogado dado o dinheiro; que em seguida surgiram alguns policiais que o prenderam juntamente com F.; que portava uma faca de mesa de 15 cm; que andava armado para se proteger de eventual assalto […] que na noite dos fatos estava na companhia de “R.”, que também não teria presenciado a ação de ‘F.’ […]” (fls. 60).

O recorrente F. das C. S., de seu lado, afirma “[…] que se recorda de ter se atirado na frente de uma moto e pedido à pessoa que a conduzia R$ 1,00 para comprar mais bebida […]” e “[…] que não é verdade que tenha ameaçado a pessoa que lhe entregou o dinheiro com a referida faca […]” (fls. 58).

Percebe-se claramente a impossibilidade de atenuar a pena dos apelantes pela incidência da circunstância prevista no artigo 65, III, d, do Código Penal, posto que não houve confissão por parte dos apelantes, conforme demonstrado acima.

Ressalte-se, apenas pelo prazer de argumentar, que só faz jus ao benefício em tela o agente que, de forma pura e simples, admite a prática do delito. Casos em que o agente confessa, mas acrescenta fatos que descaracterizam o tipo penal, não têm o condão de ensejar o reconhecimento da atenuante[5].

  1. Prescindibilidade da perícia.

No que concerne a alegação de ausência de exame pericial realizado na vítima e nas armas apreendidas, devo dizer que não são indispensáveis para a condenação dos apelantes no crime de roubo circunstanciado.

Com efeito, além da existência de auto de apreensão das armas, constante às fls. 17, a pretensão dos apelantes não merece prosperar porque se trata de arma branca, cuja comprovação de potencialidade lesiva é prescindível. E o seu emprego, vale ressaltar, restou demonstrado através das declarações da vítima em ambas as fases da persecução criminal.

Sobre o assunto, confira-se o seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça:

PENAL. HABEAS CORPUS. ROUBO CIRCUNSTANCIADO. EMPREGO DE ARMA BRANCA.

FACA. APREENSÃO E PERÍCIA. PRESCINDIBILIDADE. ORDEM DENEGADA.

1. Não há falar em necessidade de apreensão da arma do crime, a fim de testar sua potencialidade lesiva, uma vez que o roubo foi perpetrado com emprego de faca. Precedentes do STJ.

2. Ordem denegada.[6]

Na mesma senda:

No crime de roubo cometido com a utilização de faca (arma de fogo

branca) é dispensável a apreensão do objeto ou a realização do exame pericial para a caracterização da causa de aumento prevista no art.

157, § 2.º, inciso I, do Código Penal, quando existirem outros elementos

probatórios que levem a concluir pela sua efetiva utilização no crime.

Precedentes desta Colenda 5.ª Turma do Superior Tribunal de Justiça.[7]

  1. Concurso de pessoas.

No que se refere a majorante do concurso de pessoas, a decisão impugnada também não merece reparo.

Segundo o artigo 29, do Código Penal, “quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade”. A doutrina elenca como requisitos do concurso de pessoas: a) pluralidade de agentes; b) relevância causal de cada conduta; c) liame subjetivo entre os agentes e d) identidade de infração penal[8], pressupostos que entendo preenchidos no presente caso.

Sustentam os apelantes que não restou configurada a causa de aumento de pena constante no art. 157, §2º, II, do CP, visto que o recorrente D. S. C. em momento algum chegou a participar do delito.

Entretanto, colhe-se das declarações prestadas pela vítima (fls. 74) que o apelante D. S. C., em que pese não ter se aproximado da mesma, permaneceu a uma certa distância do local do crime para dar cobertura ao corréu. Outro fato que corrobora a sua participação no delito é a apreensão da faca em seu poder, de acordo com o auto de fls. 17, e a própria confirmação, pelo apelante, de que andava armado (fls. 60).

De acordo com a teoria monista ou unitária, adotada como regra pelo nosso Código Penal, existe um crime único, atribuído a todos aqueles que para ele concorrerem, sejam autores ou partícipes.

Desse modo, para caracterizar o concurso, necessário somente a colaboração do agente para a ocorrência da ação delituosa, o que restou comprovado nos autos em relação ao apelante D. S. C., sendo inexigível que tenha praticado atos típicos de execução.

  1. Dosimetria da pena.

No que diz respeito a dosimetria da pena, a defesa alega que as circunstâncias judiciais do artigo 59, do CP, são favoráveis aos apelantes, o que não foi observado pelo juiz de primeiro grau.

Em relação ao apelante F. das C. S., o d. juízo a quo considerou desfavoráveis a culpabilidade e a conduta social, porém, fixou a pena-base no seu mínimo legal, ou seja, 4 (anos) de reclusão. No entanto, estabeleceu a pena de multa em 90 DM, o que se mostrou desproporcional comparado a pena corporal.

Em razão da causa de aumento de pena prevista no artigo 157, § 2º, I e II, elevou a pena em 1/3 (um terço), tornando-a definitiva em 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, e 120 DM.

Entendo que a pena de multa deve ser proporcional à pena restritiva de liberdade, o que não foi verificado pelo juiz de piso, razão pela qual, considerando as mesmas circunstâncias avaliadas na sentença, fixo a pena-base em 4 (quatro) anos de reclusão e 10 DM, a qual faço incidir 1/3, em decorrência das causas de aumento supramencionadas, totalizando 5 (cinco) anos, 4 (quatro) meses de reclusão, e 13 DM, a ser cumprida em regime inicial semiaberto.

Quanto ao recorrente D. da S. C., como bem observado pelo Ministério Público, a reforma na dosimetria faz-se necessária.

De fato, na primeira fase de aplicação da pena, a juíza sentenciante valorou negativamente os antecedentes do apelante em razão da reincidência, demonstrada, segundo a magistrada, pela certidão de fls. 105/106 e ainda considerou desfavoráveis a culpabilidade, a conduta social e as consequências do crime, fixando a pena-base em 06 (seis) anos de reclusão, e 100 DM.

Na segunda fase, a magistrada de base considera a mesma reincidência para agravar a pena, desta vez com base no artigo 61, I, do CP, para 7 (sete) anos de reclusão, em contradição ao disposto na Súmula 241, do STJ, segundo a qual “a reincidência não pode ser considerada como circunstância agravante e, simultaneamente, como circunstância judicial”.

Nesse ponto, anoto, ainda, que assiste razão ao recorrente quando requer seja afastada a reincidência por ausência de sua comprovação.

Comprova-se a reincidência através de uma certidão que noticie a existência do trânsito em julgado de uma sentença penal condenatória anterior, o que não existe nos autos, visto que a certidão de fls. 105/106 demonstra apenas os processos existentes contra o apelante, não havendo qualquer comprovação de que o mesmo seja reincidente, nos moldes do que prescreve o artigo 63, do Código Penal.[9]

Nesse contexto, entendo, ainda, que a existência de processos criminais em curso não são aptos à comprovação de maus antecedentes motivo pelo qual excluo da pena-base o aumento referente à reincidência e, considerando como favoráveis ao recorrente as demais circunstâncias judiciais, fixo-a em 4 (quatro) anos de reclusão, e 10 DM, sobre a qual faço incidir 1/3, diante das causas de aumento já mencionadas, totalizando 5 (cinco) anos, 4 (quatro) meses de reclusão, e 13 DM, a ser cumprida em regime inicial semiaberto.

Por todo o exposto, em concordância com o parecer ministerial, dou parcial provimento ao apelo, determinando as alterações supracitadas quanto às penas dos apelantes.

É como voto.

Sala das Sessões da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, em São Luís, 22 de fevereiro de 2011.

 

DESEMBARGADOR José Luiz Oliveira de Almeida

RELATOR



[1] STF, HC 97190, Relator(a):  Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 10/08/2010, DJe-190 DIVULG 07-10-2010 PUBLIC 08-10-2010 EMENT VOL-02418-02 PP-00323.

[2] STJ, HC 142.661/MG, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 15/06/2010, DJe 28/06/2010.

[3] STJ – HC 143.681/SP, Rel. Ministro  ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 15/06/2010, DJe 02/08/2010.

[4] STJ – HC 124.177/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 05/08/2010, DJe 13/09/2010.

[5] STJ, HC 65038/RS, Rel. Min. Laurita Vaz, 5ª Turma, j. em 25/09/07. DJ de 05/11/07.

[6] HC 151.425/SP, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 23/02/2010, DJe 22/03/2010.

[7] STJ, HC 139.493/RJ, Rel. Min. LAURITA VAZ, Quinta Turma, DJe 30/11/2009.

[8] GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. 12 ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2010.

[9] Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

Um comentário em “Direito concreto”

  1. Há certas coisas que ocorrem, digamos assim, repentinamente. Hoje ocorreu uma dessas. E a que, felizmente, agradeço. Quando estava a ler um acórdão do STJ, reparei neste uma palavra que V. Exª costuma(va) usar em suas decisões, qual seja : excerto (dentre outras, como cediço, máxime, etc; as quais, devo dizer, aprendi ao tomar conhecimento lendo suas decisões ainda como juiz da 7ª Vara). Como isso, e incontinênti à leitura dela, veio-me à mente o nome deste blog – que há tempos não lia/visualizava. Botei o nome no campo de endereço e apertei ‘enter’. Entrei e percebi, de cara, a mudança no visual do blog. Está mais…simples. Organizado. Legal. Desci a página, e para minha grande felicidade, encontrei este presente acórdão. Que foi devidamente lido e apreciado. E que, como sempre, com um embasamento jurídico respeitável, vem conforme as inovações e entendimentos jurisprudenciais dos tribunais pátrios. (E aqui abro um parêntese rápido, pois percebi que V.Exª não mais aceita que a existência de processos criminais em curso sejam aptos à comprovação de maus antecedentes, com consequente aumento na pena-base, abrangendo inquéritos, etc, conforme entendimento sumulado do STJ – súm 444; o que, salvo engano, e corrija-me se estiver equivocado, visualizei em algumas de suas sentenças como juiz. Parabenizo-o pela mudança – pelo menos no meu entendimento da ‘mudança’.) Por tudo isso, e pela palavra lida alhures, voltei(arei) a ler este incrível blog – pois data-se quase 1 ano que não o leio. (Um dos últimos posts que li foi a sua posse no TJ-MA, e desde lá quase mais nada.) E aqui deixo um grande abraço. Uma congratulação. E um agradecimento. Boa noite.

    PS¹: Fiquei sabendo, por via de uma amiga que trabalha com o meu pai, que mora no mesmo prédio do senhor, de seu atropelamento/acidente. Não me recordo da data, mas espero que estejas melhor.

    PS²: Gostarei de pedir, sempre que desse, a postagem de acórdãos exarados por V. Exª ou pela Primeira Turma (da qual o senhor faz parte) aqui. Pois gosto de ler as suas decisões – e gostaria de acompanhar o entendimento do TJ-MA em determinados assuntos criminais.

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