Eu não conhecia meu pai

Quando meu pai resolveu mudar de rumo, em 1975, confesso que eu, estando com mais de 20 anos,já cursando uma universidade, ainda não o conhecia.

Para mim,  meu pai  era algo indecifrável. Era um enigma. Um homem que só pensava em bens materiais. Um ser humano que vivia apenas para o trabalho e para acumular dinheiro.

Agora, passados 35 anos, ele voltou e eu passei, tanto quanto possível, a conhecê-lo um pouco mais.

Sonhei muito com esse dia.

Aliás, ele sempre esteve presente nos meus sonhos.

Meu pai, vejo agora, diferente do que eu suponha, tem alma e coração.

Confesso que não sei por que ele relutou  tanto em se mostrar por inteiro, em  demonstrar para nós, seus filhos,  que, como nós, ele também sabe o que é amar.

Confesso, estupefato, que não sabia sequer que meu pai seria capaz de chorar; mas ele chora, ele ri, conversa –  e se arrepende de muitas coisas que fez.

Como todos nós nos arrependemos, afinal.

Ele é igualzinho a todos nós.

Os nossos pecados podem ser menores que os dele. Os dele foram muitos e graves, é verdade.

Todavia, pecado é pecado. Não se mensura, não se mede.

Simplesmente, pecado.

Nós também erramos.

Nós também pecamos.

Nós também somos cheios de imperfeições.

Não somos em nada melhor que ele.

Mas o que importa é que, a despeito de tudo, meu coração está em paz.

Acho que fiz bem em perdoá-lo pelos erros do passado.

E quem somos nós para julgar os erros dos outros?

E quem somos nós, para viver apontando os pecados dos outros, sem olhar para os nossos próprios pecados?

É claro que há sentimentos maltratados.

É claro que ele nos fez sofrer – e muito.

É claro que sofremos.

Unidos, minha mãe e oito filhos, sofremos.

Passamos noites insones, sem rumo e sem direção.

Nós todos sentimos as dificuldades de ser criados sem pai.

Minha mãe teve que se multiplicar, com a ajuda de uma tia, para enfrentar as dificuldades propiciadas pela ausência de meu pai, quando todos mais precisávamos dele.

Todavia, eu nunca o odiei, nunca lhe desejei mal, nunca desejei que fosse infeliz.

O que eu procurei a vida inteira foi entender  por que ele nunca demonstrou amar nenhum filho.

Essa inquietação tornou-se mais intensa quando tive filhos.

Sim, filhos.

Nada é mais sagrado que filhos.

Eu, em sonhos, sempre me via cuidando do meu pai.

Quando eu acordava, sentia  um gosto amargo na boca.

Era tudo sonho mesmo.

O meu filho, logo que começou a entender as coisas do mundo, me indagava: pai, onde anda teu pai?

Eu respondia: um dia você saberá. E, se possível, se ainda houver tempo, o conhecerás.

É claro que a decisão de meu pai  de buscar novos caminhos  magoou a todos – nos feriu profundamente, nos deixou desamparados.

Mas o que importa é que sobrevivemos.

Digo, para os que não sabem:  muitos antes dele voltar eu já o tinha perdoado.

Meu coração me pedia; minha consciência implorava.

Agora, é viver o tempo que nos resta.

O tempo que passou é irrecuperável.

E foi muito tempo, convenhamos.

Trinta e cinco anos é muito tempo.

Mas que bom que agora sei que, apesar de tudo, meu pai é gente como a gente.

Eu o perdoei e isso me basta.

Eu não seria feliz se não fosse capaz de perdoar.

Quando digo que o perdoei, não o faço esperando que sigam o meu caminho.

O que eu quero, aqui e agora, é apenas dizer, com o coração em paz, que sei o que é perdoar e que perdoar alimenta a minha alma, me faz dormir em paz,  faz com que eu me sinta mais gente.


Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

5 comentários em “Eu não conhecia meu pai”

  1. IMPOSSÍVEL AS LÁGRIMAS NÃO VIREM. EMOCIONANTE! GRAÇAS A DEUS PELO MILAGRE DO PERDÃO. ABRAÇO.

  2. Excelência,

    que texto lindo, estou emocionada! Não me esqueço que um dia li: “quanto mais madura a pessoa for mais capacidade ela tem de perdoar” .

    Um grande abraço,
    Fernanda Martins

  3. Excelência,

    Esse texo fez-me lembrar que meu pai passou por situação parecida ao que parece.Dos filhos ele, foi o único que conseguiu perdoar meu avô. Graças a isso tive oportunidade de conhecê-lo.

  4. Seu Zé

    Que Deus de Abençoe, e lembre sempre que o amor e o perdão sempre caminham juntos.
    Convivo diariamente com seu Paí,meu irmão, também não conhecia a dor e o sofrimento da separação, a gual ele passou, não conhecia em meu irmão o amor o sentimento que nutre por voces(filhos), pode ter certeza, aquele que voce perdoou poderá um dia descansar em paz, pois esse sempre foi e será o presente que voces darão a ele em vida.

    Um beijo e um abraço fraternal

    Do sempre tio Ribinha.

  5. li e me vi… tanto tempo que não falo ocmo meu pai, ja tentei de varios maneiras conversar mas acho que ele ainda não está se sentindo a vontade… espero muito que em dia a minha historia possa ter um final assim rs :)))

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