Na decisão que publico a seguir, não só indeferi o pedido de liberdade de um dos acusados, como decretei a prisão preventiva de um dos meliantes.
Do despacho em comento destaco os seguintes excertos, a merecer reflexão do leitor, verbis:
- Tenho assistido ao esfacelamento progressivo do Estado, em face das organizações criminosas. O acusado tem dado a sua contribuição para esse aniquilamento, razão pela qual dever ser mantido preso, em homenagem à ordem pública.
- O Brasil, todos sabem, possui a maior economia da América Latina, com uma sociedade civil marcada por extrema desigualdade social e um Estado emperrado pela burocracia, minado pela corrupção e pela ineficiência administrativa. Nesse contexto, o Brasil é um mercado atraente para a expansão dos negócios e do poder do chamado crime organizado. A mantença do acusado em liberdade seria dar-lhe um passaporte para expandir o poder de fogo da organização a qual pertence, de forma incipiente, creio. Mas é assim mesmo que começam as grandes organizações criminosas.
A seguir, o despacho, integralmente, litteris:
Processo nº 11140/2007
Ação Penal Pública
Acusados: Alex Marques Silva e outros
Vítima: José dos Santos Amaral e outros
I – DE DENÚNCIA FORMULADA. A DELIMITAÇÃO DA ACUSAÇÃO. PRESENÇA DOS PRESSUPOSTOS LEGAIS. DESPACHO DE RECEBIMENTO.
Cuida-se de AÇÃO PENAL, que move o MINISTÉRIO PÚBLICO contra AMS, KMS e AAB por incidência comportamental nos 171, 180, 288 e 304, c/c o artigo 69, todos do CP.
Examinei o CADERNO ADMINISTRATIVO, tendo constatado a presença dos pressupostos legais, ou seja, os fatos narrados são, em tese, TÍPICOS , a parte autora é LEGÍTIMA e não está EXTINTA A PUNIBILIDADE dos acusados, razão pela qual RECEBO a DENÚNCIA contra os acusados AMS, KMS e AAB.
Designo o dia… para o interrogatório dos acusados, que deverão ser citados por mandado, notificando-se o representante do MINISTÉRIO PÚBLICO, assim o DEFENSOR PÚBLICO com atribuição junto a esta vara, que nomeio para o ato, ad cautelam.
Faça-se constar do mandado que os acusados deverão se fazer acompanhar de advogados ou declarar(em) em juízo não poder fazê-lo, por faltar-lhe(s) condições financeiras, para adoção das providências legais.
II – AS QUESTÕES INCIDENTAIS. O PEDIDO DE LIBERDADE PROVISÓRIA FORMULADO POR TOS e AMS.
Antes mesmo do oferecimento da denúncia, o agora denunciado AMS e o então indiciado TOS postularam a sua LIBERDADE PROVISÓRIA.
O indiciado TOS, não tendo sido denunciado, foi colocado em LIBERDADE, com o RELAXAMENTO de sua PRISÃO em flagrante, decisão que ratifico aqui e agora.
Passo, a seguir, ao exame do pedido de LIBERDADE PROVISÓRIA formulado por AMS.
III – O PEDIDO DE LIBERDADE PROVISÓRIA DO ACUSADO AMS. A MANIFESTAÇÃO MINISTERIAL.
O acusado AMS, disse-o acima, pediu neste juízo a sua LIBERDADE PROVISÓRIA, à invocação do PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA e, também, em face de sua primariedade e bons antecedentes.(fls.63/68)
O MINISTÉRIO PÚBLICO, instado a se manifestar, opinou pelo indeferimento do pedido.(fls.105/108).
Vieram-me os autos conclusos para deliberar.
IV-A SITUAÇÃO JURÍDICA DO ACUSADO AMS. A DENÚNCIA FORMULADA. A PRÁTICA SUCESSIVA DE CRIMES. PERIGOSIDADE DEMONSTRADA.
O acusado AMS foi denunciado por incidência comportamental nos artigos 171, 180 e 288, c/c o artigo 69, todos do Digesto Penal.
Ao que se infere da denúncia, vários foram os crimes praticados pelo acusado, contando com o concurso dos também acusados AMS, KMS e AAB e dos não identificados MARCELO e RAFAEL do que se conclui tratar-se de pessoa que age sem freios e sem peias e que, ademais, faz do crime uma habitualidade – a considerar, claro, os dados armazenados no caderno administrativo.
Os acusados formaram, com agenciadores de outros estados, verdadeira ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA – com ramificação no Estado de SÂO PAULO, inclusive – , cuja especialidade é a clonagem de veículos roubados ou furtados, os quais, depois de sofreram a necessária mutação, passam a circular pelo país.
Dimana do caderno administrativo que a quadrilha da qual faz parte o acusado AMS se especializou nessa prática, de tal modo que as falsificações que operavam só podiam ser detectadas via prova pericial.
O acusado, ressai dos autos, demais, além de KMS e AAB, contavam com a participação dos meliantes não identificados e conhecidos apenas pelos prenomes MARCELO e RAFAEL.
V – A PERIGOSIDADE DO ACUSADO. A PRÁTICA REITERADA DE CRIMES. A NECESSIDADE DE QUE SEJA MANTIDO PRESO, EM HOMENAGEM À ORDEM PÚBLICA.
Em nossa sociedade, nos dias atuais, convivemos com dois fenômenos distintos: a criminalidade de massa e a criminalidade organizada. No primeiro caso os meliantes agem, na maioria das vezes, impulsionados pelas circunstâncias, pelas oportunidades, sem a mais mínima organização, daí porque, não raro, são flagrados e presos já na primeira oportunidade em que afrontam a ordem pública; no segundo caso, a ação dos meliantes é difusa, muitas vezes sem vítimas individuais e o dano não é restrito a uma ou mais pessoas, mas a toda sociedade.
Pois bem. O acusado, com sua organização criminosa, não se limitou a atingir o patrimônio de uma determinada vítima – sempre considerando os dados até aqui amealhados, os quais podem, ou não, ser ratificados. O acusado e seu bando agrediram toda a sociedade, os quais, por isso, devem receber do estado resposta pronta e enérgica, tendentes a obstar as suas criminosas – nessa perspectiva, se necessário, devem ser mantidos presos provisoriamente.
O acusado e seu bando desenvolveram ampla atividade criminosa, dando a ela uma aparência de legalidade, com o que demonstraram, a mais não poder, a sua perigosidade.
É claro que, de rigor, não se deve confundir crime de quadrilha ou bando com crime organizado. Não pretendo, nada obstante, aprofundar o exame desses conceitos, pois que, para os fins desta decisão, é o que menos importa. Ademais porque, do ponto de vista jurídico-penal prático, o conceito de crime organizado seria desnecessário, porque não designaria nada que já não estivesse contido no conceito de bando ou quadrilha, um tipo de crime contra a paz pública previsto em qualquer código penal.
O que importa mesmo, hic et nunc, é a consideração da perigosidade do acusado e de seu bando, a legitimar, de efeito, a mantença de sua PRISÃO PROVISÓRIA, em homenagem à ordem pública.
É preciso convir que, diante dessa verdadeira organização criminosa, da qual faz parte o acusado, não se deve contemporizar, mesmo porque se trata de clientela do direito penal que não é facilmente identificável; uma vez identificada, não se pode arrefecer, não se pode agir com lassidão.
Ao que vislumbro dos autos, o acusado e seu bando – daí a possibilidade de se identificar uma organização criminosa – não tinham os seus interesses limitados a um determinado bando, mas voltados para além dele, com ramificações em outras unidades da Federação, daí a demonstração, a fortiori, de sua perigosidade.
O acusado, devo dizer, não é um estelionatário de meia tigela, não é um furtador vulgar, não é um roubador solitário. O acusado, ao contrário, integra um bando bem articulado e perigoso. Uma quadrilha com essa dimensão, se constitui, sim, em um perigo iminente para toda sociedade, razão pela qual deve ser desarticulada e seus integrantes devem receber do estado a resposta que estão a merecer.
As organizações criminosas não podem estender seus tentáculos sobre a sociedade, para infernizá-la ainda mais, com a complacência de muitos que, por dever de ofício, devem combater o crime. O acusado, tenho certeza, se colocado em liberdade, se sentira estimulado à pratica de crimes, pois que sentira que sua atuação criminosa se desenvolve livre de riscos.
O “espírito nacional” já se acha contaminado pela corrupção dos nossos homens públicos, sem que se faça nada no sentido de obstar as suas ações. O “espírito nacional” está contaminado, outrossim, pela ação nefasta das organizações criminosas. É preciso, com urgência, dar uma basta a essa situação de descalabro, de desconforto, a tornar a vida em sociedade um verdadeiro inferno.
O acusado – sempre a considerar os dados colacionados em sede extrajudicial -, com o seu bando, integravam um grupo criminoso bem estruturado, com o objetivo básico de afrontar a ordem legal. A cada afronta bem sucedida, a organização criminosa se fortalece, pois que obtém recursos financeiros em operações extremamente lucrativas. Uma organização criminosa começa sempre assim, para, aos poucos, se fortalecer e alcançar dimensões depois inatingíveis. É por isso que o acusado não pode ser colocado em liberdade. É preciso cortarem-lhes as asas.
Tenho assistido ao esfacelamento progressivo do Estado, em face das organizações criminosas. O acusado tem dado a sua contribuição para esse aniquilamento, razão pela qual dever ser mantido preso, em homenagem à ordem pública.
O Brasil, todos sabem, possui a maior economia da América Latina, com uma sociedade civil marcada por extrema desigualdade social e um Estado emperrado pela burocracia, minado pela corrupção e pela ineficiência administrativa. Nesse contexto, o Brasil é um mercado atraente para a expansão dos negócios e do poder do chamado crime organizado. A mantença do acusado em liberdade seria dar-lhe um passaporte para expandir o poder de fogo da organização a qual pertence, de forma incipiente, creio. Mas é assim mesmo que começam as grandes organizações criminosas.
Com as considerações supra, indefiro o pedido de LIBERDADE PROVISORIA formulado por AMS, o fazendo em homenagem ordem pública, uma das finalidades da prisão ante tempus, presentes os pressupostos legais – fumus boni iuris e periculum in libertatis.
Pelas mesmas razões e com os mesmos fundamentos, DECRETO A PRISÃO PREVENTIVA do acusado AAB.
Expeça-se o necessário mandado de prisão, em três vias, uma das quais servirá de nota de culpa.
Encaminhe-se cópia do mandado à autoridade policial que presidiu as investigações preliminares, para que nos auxilie no seu cumprimento.
Dê-se ciência ao MINISTÉRIO PÚBLICO desta decisão.
Int. o procurador do acusado desta decisão.
São Luís, 06 de junho de 2007.
Juiz José Luiz Oliveira de Almeida
Titular da 7ª Vara Criminal
Desembargador, nem preciso nem comentar seus artigos e peças processuais pois acho impecáveis.
Gostaria, contudo, que V.Exª fizesse algumas considerações acerca da Lei 12.403.
Confesso que estou inconformada com a possibilidade de aplicação de medidas cautelares a um assaltante, sequestrador, pedófilo,homicida,etc.
Mais aflitiva ainda é a situação do plantão judiciário, será que os juízes terão condições seguras de decidir, ex officio, acerca da concessão da liberdade ou aplicação das medidas cautelares já que os autos de prisão aportam ao judiciário, na maioria das vezes, desacompanhado da documentação do preso, que não raras vezes dá um nome falso.
A meu sentir seria mais prudente deixar essa decisão a cargo do juiz titular do feito, mas isso vai de encontro ao espirito da novel lei.Uma portaria do plantão contemplando um prazo que a lei não contempla seria frágil e facilmente atacada pela OAB ou pala Defensoria Pública, não acha?Por favor discorra sobre a Lei, pois o dis 04 de julho já está chegando!!! Sandra.