Mídia e crime;evidência e verdade

Não se tem dúvidas de que, preso em flagrante o provável autor de um fato criminoso, está-se diante de uma forte evidência de que  ele pode, sim, ter sido mesmo o protagonista do crime. Se, ademais, o “autor do fato”, é preso e exposto pela mídia, tem-se a “certeza” da sua responsabilidade penal.

Muitas vezes, dependendo do estrépito, fica-se   –  o leigo, sobretudo  – com a sensação de que a instauração de um processo seria um despropósito, um excesso do Estado, a dificultar, tão somente – ou adiar, pelo menos – a  inflição da pena.

Para quê um processo,  pensem muitos, se o autor do fato já está identificado e se, ademais, todas as circunstâncias do crime já foram divulgadas, a mais não poder, pela mídia “especializada”?

É preciso consignar, no entanto, que um coisa é uma evidência; outra coisa, é  a verdade. Uma evidência não é uma afirmação da verdade. A verdade, no dizer de Aury Lopes, “necessita desprender-se da evidência para ser construída”. Ela terá que ser descoberta, prossegue o autor, “no curso do processo”.

A evidência, pelo seu caráter alucinatório, pode-se, sim, contagiar a verdade, sobretudo quando ela é midiatizada, levando  muitos de nós a crer, sem a mais mínima dúvida, que para esse ou aquele “acusado” não exista mais alternativa que não seja a condenação.

Não é o que se tem visto, entrementes. Muitos foram os “condenados” pelas  evidências, para, depois, no curso de um processo,  asseguradas a ampla defesa e o contraditória, serem absolvidos, soçobrando  as evidências diante da verdade construída.

Disso infere-se a relevância do processo no sentido de corrigir essa aparente alucinação chamada evidência, aceita pela mídia e introjetada nas pessoas como uma verdade sem retoques.

Convém consignar, nessa linha de pensar, que somente o processo legitima a aplicação da pena. Digo mais: somente o processo conduzido por um juiz garantidor.

Juiz acrítico – e autofágico, por que não? – daqueles que só decidem para agradar, que são meros repetidores de decisões do Tribunais, que têm medo do que possam pensar de sua decisão, não serve para essa finalidade.

Repito: o processo, pois,  só se presta a essa finalidade, ou seja, para fazer descortinar a verdade,  se for conduzido sob os auspícios do garantismo penal. É por isso que tenho me esmerado no exame dessas questões.

Processo mal conduzido ou conduzido com o vilipêndio de alguma das muitas franquias constitucionais dos acusados, desservem aos fins colimados; antes, malfere, até, a dignidade da pessoa submetida à persecução criminal.

O déficit de correção das matérias veiculadas, em face mesmo da falta de qualificação dos profissionais envolvidos na divulgação do fato, está a indicar, a fortiori, que se deve redobrar os cuidados, quando o processo chega às nossas mãos, com o “autor do fato” já previamente condenado.

Nós, magistrados, não podemos nos deixar contaminar pela alarido proporcionado pela mídia estrepitosa. Ao reverso, devemos, sim, com o maior desvelo, procurar construir a verdade nos autos de um processo, sem nos preocupar se a nossa decisão, alfim e ao cabo, possa, de alguma forma, frustrar a expectativa criada  junto à  população.

A atuação do juiz, tem-se dito, não é políticas, mas constitucional, que se consolida à medida que se esmera na proteção dos direitos fundamentais, daí Ferrajoli ter afirmado, com acerto: ” O objetivo justificador do processo penal é a garantia das liberdades do cidadão”

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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