Capturado no blog de Josias de Souza, da Folha de São Paulo
O ministro Gilmar Mendes, do STF, diverge dos que crêem que a chamada ‘PEC dos Recursos’ vai resolver o flagelo da lentidão do Judiciário. Mais: ele receia que, ao limitar o efeito dos recursos ao STF e ao STJ, a proposta de emenda constitucional “pode gerar instabilidade jurídica”.
Deve-se a autoria da proposta que preocupa Gilmar ao ministro Cezar Peluso, presidente do Supremo. A sugestão de Peluso vai constar do 3º Pacto Republicano, um acordo que será celebrado entre os presidentes dos três Poderes até 30 de maio.
A propósito de notícia veiculada aqui no blog, Gilmar diz que não expressa suas opiniões com o propósito de polemizar com Peluso. “Não estou interessado nessa polêmica”, diz Gilmar, antecessor de Peluso na presidência do STF.
“Entendo a motivação do Peluso, que é a mais nobre possível. Ele tenta resolver um problema que é crônico: a mazela da demora do Judiciário”. Gilmar afirma que faz “ponderações” com o propósito de contribuir para “a racionalidade do debate” que se estabelecerá no Congresso.
Acha que, antes de modificar a sistemática dos recursos judiciais, há espaço para aprimorar a gestão da Justiça. Pela proposta de Peluso, as sentenças judiciais passariam a ser executadas a partir das deliberações da segunda instância do Poder Judiciário.
Significa dizer que decisões dos Tribunais de Justiça dos Estados e dos Tribunais Regionais Federais converteriam os processos em coisas julgadas. A parte vencida poderia recorrer às instâncias superiores do Judiciário. Mas a execução da sentença seguiria o seu curso.
“A nenhum título será concedido efeito suspensivo aos recursos” protocolados no STJ ou no STF, anota o texto da emenda formulada por Peluso. Ainda que admitido, um recurso extraordinário (STJ) ou um recurso especial (STF) “não obsta o trânsito em julgado da decisão”, diz o texto.
Traduzido para o português das ruas, “trânsito em julgado” significa que o processo chegou ao seu final. A fase seguinte é a execução da sentença. Gilmar antevê problemas. Acha que, ainda que a emenda seja aprovada pelo Congresso, as partes perdedoras não deixarão de recorrer ao STJ e ao STF.
“As pessoas vão buscar algum tipo de proteção, mostrando que aquilo [a sentença de segundo grau] é absurdo. Vão demostrar que, em determinados casos, as decisões contrariam a jurisprudência do Supremo. Isso vai gerar instabilidade jurídica. Por isso, tudo tem que ser muito bem pensado”.
Embora percam o caráter suspensivo, eventuais recursos aos tribunais superiores poderão resultar na rescisão das penas. E Gilmar: “Suponha um processo que envolva matéria criminal. O condenado vai cumprir a pena [de prisão]. Depois, o recurso é provido. E daí?”
Na opinião de Gilmar, a pretendida aceleração do Judiciário pode não ser obtida com a aprovação da emenda. Declara que “o colapso do Juduciário” tem origem já na primeira instância. Para exemplificar, menciona um problema detectado em Pernambuco.
“Verificou-se que há no Estado uma prescrição em massa de crime do júri. É o mais grave: homicídio ou tentativa de homicídio. Em geral, a prescrição nesses casos vai a 20 anos. E estamos falando de mil júris ameaçados de prescrição no primeiro grau de Pernambuco”.
Cita outro episódio em que a “mazela” é anterior ao próprio trâmite judicial: “Achamos em Alagoas algo em torno de 4 mil homicídios que não tinham nem sequer inquérito aberto. Esses processos nem vão ser iniciados. Se não se abre sequer o inquérito, a possibilidade de descobrir o autor do assassinato é nula”.
Escorado nesses exemplos, Gilmar afirma: “Não é que a ideia [contida na PEC dos Recursos] seja errada, nada disso. É que há muita coisa por fazer antes, para melhorar a gestão do Judiciário. A proposta será discutida [no Congresso]. Pode ser aprimorada”.
O ministro afirma que a Justiça já “é hoje melhor do que foi ontem”. Cita providências adotadas no próprio STF. Entre elas a chamada “repercussão geral”, que permite estender determinadas decisões a processos que tratam da mesma questão.
“Graças à repercussão geral, reduziu-se o volume de processos. Lidávamos no Supremo, até bem pouco, com uma média anual de 100 mil processos. Fechamos o ano de 2010 com 30 mil processos”.
Gilmar declara que o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) dispõe de um “bom diagnóstico” dos gargalos do Poder Judiciário. Acredita que uma ação conjunta que envolvesse o Ministério da Justiça poderia produzir efeitos administrativos benfazejos. Coisas que independem de mudanças
Escrito por Josias de Souza às 07h03