Direito concreto

PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL

Sessão do dia 12 de abril de 2011.

N° Único: 0000060-05.2009.8.10.0001

Apelação Criminal Nº 003233/2011 – São Luís

Apelante : M. R. G.
Defensor : A. A. D.
Apelado : Ministério Público Estadual
Incidência Penal : Art. 157, §2º, I e II , c/c art. 70, do CP
Relator : Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida

Acórdão Nº __________________


Ementa. APELAÇÃO CRIMINAL. ROUBO MAJORADO PELO  EMPREGO DE ARMA E CONCURSO DE PESSOAS. RECURSO DA DEFESA. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS. ARTIGO 59 DO CP. CONDUTA SOCIAL. CONSEQUENCIAS DO CRIME. VALORAÇÃO NEGATIVA. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA. REDUÇÃO DA REPRIMENDA IMPOSTA. RECURSO PROVIDO.

1. Ao individualizar a pena, deve o julgador sopesar todos os critérios estabelecidos no artigo 59, do Código Penal, a fim de aplicar, de forma justa e fundamentada, a sanção necessária à reprovação do crime.

2. Não podem os antecedentes criminais, em especial quando inexiste sentença penal com trânsito em julgado, servir para desabonar a conduta social do réu.

3. A falta de recomposição do bem ao patrimônio da vítima não pode ser valorada negativamente, com o fim de elevar a pena-base acima do mínimo legal, posto que a subtração se afigura inerente ao próprio tipo penal

4. Apelação conhecida e provida para, afastando a avaliação negativa da conduta social e das conseqüências do crime, redimensionar a pena fixada na sentença.

Acórdão – Vistos, relatados e discutidos os presentes autos em que são partes as acima indicadas, ACORDAM os Senhores Desembargadores da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, por unanimidade e de acordo com o parecer da Procuradoria Geral de Justiça, em dar provimento ao presente recurso, nos termos do voto do Desembargador Relator.

Participaram do julgamento os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Antonio Fernando Bayma Araújo (Presidente), Maria dos Remédios Buna Costa Magalhães e José Luiz Oliveira de Almeida .

Funcionou pela Procuradoria Geral de Justiça o Dr. Suvamy Vivekananda Meireles.

São Luís, 12 de abril de 2011.

DESEMBARGADOR Antônio Fernando Bayma Araújo

PRESIDENTE

 

 

 

DESEMBARGADOR José Luiz Oliveira de Almeida

RELATOR

A seguir, o voto, por inteiro.

Apelação Criminal Nº 3233/2011

Relatório – O Sr. Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida (relator): Trata-se de recurso de apelação criminal interposto pela Defensoria Pública do Estado, em favor de M. R. G., contra a sentença de fls. 103/116, que o condenou, por incidência comportamental no artigo 157, § 2º, I e II, c/c art. 70, ambos do Código Penal, à pena de 7 (sete) anos de reclusão, e 18 (dezoito) dias-multa, a ser cumprida em regime inicial semiaberto, na Penitenciária de Pedrinhas.

O Ministério Público Estadual, com base em elementos colhidos durante o inquérito policial, ofertou denúncia contra M. R. G., pela prática do delito de roubo, majorado pelo emprego de arma e concurso de pessoas (fls. 02/04).

Segundo consta na inicial acusatória,

[…] no dia 02 de janeiro de 2009, o ora denunciado, juntamente com um comparsa não localizado, mediante grave ameaça exercida com o emprego de arma de fogo, adentrou no estabelecimento comercial no Bairro São Francisco, anunciando o assalto e em seguida subtraindo de C. E. C. P., balconista do dito comércio, uma aliança, um relógio, documentos pessoais, além do dinheiro do caixa, tendo a dupla delituosa se evadido numa bicicleta logo após a consumação do roubo.

Denúncia recebida, às fls. 35.

Resposta à acusação, às fls. 42/43.

Na audiência de instrução, colheram-se o depoimento das vítimas C. E. C. P. (fls. 72/73), e L. de J. G. R. J. (fls. 75), além da testemunha C. S. de O. (fls. 74), interrogando-se, ao final, o apelante (fls. 76/77).

Em sede de alegações finais, a acusação requereu a procedência da ação com a condenação do apelante nas penas do artigo 157, §2º, I e II, c/c art. 70, ambos do Código Penal (fls. 94/96).

A defesa, de seu lado, na mesma fase processual, requereu a absolvição, com fulcro no artigo 386, VII, do Código de Processo Penal, ou a exclusão da causa de aumento de pena referente ao uso de arma de fogo (fls. 98/102).

A ação foi julgada procedente para condenar o recorrente pela prática do delito previsto no artigo 157, § 2º, I e II, c/c art. 70, ambos do Código Penal, à pena de 7 (sete) anos de reclusão, e 18 (dezoito) dias-multa, a ser cumprida em regime inicial semiaberto (fls. 103/116).

Inconformado com a decisão, M. R. G. interpôs o presente apelo, às fls. 119, para, em suas razões, sustentar, em síntese, que o juízo recorrido avaliou de modo equivocado diversas circunstâncias judiciais do artigo 59, do Código Penal, e requerer a redução da pena-base ao patamar mínimo previsto, em abstrato, para o delito que lhe fora imputado (fls. 133/140).

Em suas contrarrazões, o Ministério Público de primeiro grau requer o provimento do apelo, com a consequente reforma do édito condenatório (fls. 146/149).

Instada a se manifestar, a Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo conhecimento e provimento do recurso, a fim de que seja redimensionada a pena-base fixada na sentença ao seu mínimo legal (fls. 160/163).

É o relatório.


Voto – O Sr. Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida (relator): Preenchidos estão os pressupostos de admissibilidade do recurso, razão pela qual dele conheço.

Consoante relatado, insurge-se o apelante contra a decisão de primeiro grau que o condenou, à pena de 7 (sete) anos de reclusão, e 18 (dezoito) dias-multa, por incidência comportamental no artigo 157, §2º, I e II, c/c art. 70, ambos do Código Penal, sob a alegação de que, ao dosar a pena-base, a magistrada sentenciante avaliou de modo equivocado diversas circunstâncias judiciais previstas no artigo 59, do Código Penal.

Segundo a defesa, o juízo a quo considerou desfavoráveis ao réu a conduta social e as consequências do delito, utilizando-se de critérios que discrepam do ordenamento jurídico pátrio, para elevar a pena base em 1 (um) ano acima do patamar mínimo.

Para uma melhor apreciação do pleito, transcrevo, abaixo, a parte dispositiva da sentença impugnada, na qual a juíza de base valora as circunstâncias questionadas pelo apelante, in verbis:

Analisando as circunstâncias judiciais temos a culpabilidade reprovável agindo dolosamente para a prática do crime o que já é inerente ao próprio tipo penal; em relação aos seus antecedentes, apesar de responder outros processos criminais e ser tecnicamente primário, percebe-se que isto desabona a sua conduta social além do fato do réu agir divorciado do trabalho honesto, não tendo ocupação definida; quanto à personalidade não temos elementos suficientes para analisá-la.

Analisando os motivos do crime, observamos que o acusado não justifica a sua ação. Quanto às circunstâncias são as integrantes do próprio tipo penal com a respectiva majorante, haja vista o emprego de arma, razão pela qual deixo de valorar neste momento para não incorrer em bis in idem. No que se refere às conseqüências estas foram graves, não tendo a vítima recuperado seus pertences.

Por fim, no que tange ao comportamento da vítima, esta não contribuiu para a prática do delito, razão pela qual nada se tem a valorar.

Com base na análise supra, a magistrada de primeiro grau, ressaltando, mais uma vez, a conduta social do apelante, fixou a pena-base em 05 (cinco) anos de reclusão, e 15 (quinze) dias-multa.

É cediço que, ao individualizar a pena, deve o julgador sopesar todos os critérios estabelecidos no artigo 59, do Código Penal, a fim de aplicar, de forma justa e fundamentada, a reprimenda que seja, proporcionalmente, necessária e suficiente para a reprovação do crime.

Nesse sentido:

Não pode o magistrado sentenciante majorar a pena-base fundando-se, tão-somente, em referências vagas, sem a indicação de qualquer circunstância concreta que justifique o aumento, além das próprias elementares comuns ao tipo[1].

No caso em apreço, observa-se que a juíza sentenciante, ao analisar os parâmetros previstos no artigo 59, do Código Penal, levou em consideração, para majorar a pena-base, a conduta social e as conseqüências do crime.

No que diz respeito à primeira circunstância, a sentença condenatória, embora reconheça que o réu é tecnicamente primário, considerou processos criminais em curso, contra o apelante, para valorar negativamente a sua conduta social.

Entretanto, nos termos do entendimento adotado pelos Tribunais Superiores, e, inclusive, sumulado pelo STJ[2], inquéritos policiais ou ações penais em andamento não podem ser considerados como maus antecedentes para fins de exasperação da pena-base, em observância ao princípio constitucional do estado presumido de inocência.

Sobre o assunto, confira-se o seguinte julgado:

HABEAS CORPUS. NULIDADE. AUSÊNCIA DE OPORTUNIDADE À DEFESA PARA FALAR SOBRE DOCUMENTOS JUNTADOS PELOS CORRÉUS. INEXISTÊNCIA.  ALEGADA FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA PARA A DEFINIÇÃO DA PENA-BASE. OCORRÊNCIA.

A mera existência de inquéritos ou de ações penais em andamento não pode ser considerada como caracterizadora de maus antecedentes, sob pena de violar-se o princípio constitucional da não culpabilidade (CF, art. 5º, LVII)

Habeas corpus parcialmente deferido.[3]

Na mesma senda:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO.  ART. 342, CAPUT, DO CP.

APLICAÇÃO DA PENA. MAUS ANTECEDENTES. AÇÕES PENAIS. INQUÉRITOS E PROCESSOS EM CURSO QUE NÃO SE PRESTAM PARA A VALORAÇÃO DA PERSONALIDADE DO AGENTE.

1. Em respeito ao princípio constitucional da não-culpabilidade (artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal), os inquéritos ou processos em andamento não podem ser tidos como maus antecedentes, tampouco servem para a valoração da personalidade do agente.

2. Agravo regimental a que se nega provimento.[4]

A conduta social, para fins de aplicação do art. 59, do CP, pode ser traduzida como o comportamento do agente no meio social, familiar e profissional. Difere-se dos antecedentes posto que não se refere a fatos criminosos e sim ao relacionamento da pessoa no ambiente em que vive.

Dessa forma, não podem os antecedentes, em especial quando não há sentença condenatória com trânsito em julgado, servir para desabonar a conduta social do apelante, como o fez a decisão vergastada.

Vê-se, ainda, que a valoração negativa da circunstância em apreço também foi equivocadamente justificada pela ausência de comprovação de ocupação lícita por parte do apelante, fato que, em especial nos dias atuais, onde o desemprego afeta milhares de brasileiros, jamais pode servir de critério para majorar a sanção imposta ao réu.

No tocante às consequências do crime, a sentença em análise afirma que foram graves, visto que a vítima não recuperou seus pertences. No entanto, in casu, referida circunstância não pode ser valorada negativamente, de modo a justificar a fixação da pena-base acima do mínimo legal, já que a lesão patrimonial é inerente ao crime de roubo.

Em outras palavras,

O fato de os bens roubados não terem sido recuperados, sem nenhuma ressalva sobre eventual relevância da res na esfera patrimonial da vítima, não pode ser ponderado desfavoravelmente para efeito de fixação da pena-base, uma vez que a subtração constitui elementar do delito imputado e, por isso, não extrapola as conseqüências do crime previstas, em abstrato, pela própria norma penal incriminadora[5].

Assim, a falta de recomposição do bem ao patrimônio da vítima não pode ser valorada negativamente, com o fim de elevar a pena-base acima do mínimo previsto em abstrato para o delito de roubo, posto que a subtração se afigura inerente ao próprio tipo penal.

Ante tais considerações, afastadas a avaliação negativa da conduta social e das consequências do crime, não restaram circunstâncias judiciais desfavoráveis ao apelante, razão pela qual fixo a pena-base em 4 (quatro) anos de reclusão, e 10 (dez) dias-multa.

Anoto que deixo de considerar as circunstâncias atenuantes reconhecidas na sentença, em face da fixação da pena-base no mínimo legal.

Mantenho o aumento de 1/3 (um terço), fixado na terceira fase da dosimetria da pena, totalizando 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, e 13 dias-multa, sobre o qual faço incidir 1/6, em decorrência do concurso formal, fixando-a definitivamente em 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, e 15 dias-multa.

Permanece inalterado o regime inicial semiaberto, conforme dita o artigo 33, § 2º, b, e § 3º, todos do CP.

Por todo o exposto, de acordo com o parecer ministerial, dou provimento ao apelo, determinando as alterações supracitadas quanto à pena do apelante.

É como voto.

Sala das Sessões da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, em São Luís, 12 de abril de 2011.



DESEMBARGADOR José Luiz Oliveira de Almeida

RELATOR



[1] STJ, HC 109.602/MS, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 16/12/2010, DJe 07/02/2011.

[2] Súmula 444: “É vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base”.


[3] STF, HC 102968, Relator(a):  Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 14/09/2010, DJe-211.

[4] STJ, AgRg no Ag 996.267/SP, Rel. Ministro HAROLDO RODRIGUES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/CE), SEXTA TURMA, julgado em 07/12/2010, DJe 17/12/2010.

[5] STJ, HC 81.559/DF, 5ª Turma, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJe de 03/11/2008.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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