Juiz garantidor-III

Tenho testemunhado, até com certa frequência,  que determinados magistrados decretam prisões provisórias  sem  a necessária fundamentação ou, quando muito, com esteio em  considerações abstratas acerca da necessidade da medida extrema.

Esses mesmos magistrados, não raro, solicitadas as informações de praxe,  tentam, com elas,  justificar as razões do decreto, i.e.,  “fundamentam” o decreto com as informações,  como se essa  obrigação – que, todos sabem, deriva da nossa Carta Política –   só se mostrasse necessária na eventualidade de ser questionada a constrição.

Para mim, conquanto respeite os argumentos contrários, não age com o desvelo necessário e nem atua em harmonia com os preceitos constitucionais, o magistrado que procede desta forma.

Essa constatação é  grave,  na medida em que o impetrante, como sói ocorrer,  não se insurgiu em face das informações – cujo teor só vem a saber muito tempo depois -, mas em face do decreto que entendeu  estar em desarmonia com a ordem legal.

Acolher, desde a minha compreensão, as informações prestadas pela autoridade apontada coatora, a guisa de fundamentação, é, a meu sentir, compactuar com o espezinhamento da Lex Fundamentalis.

Há de se compreender que somente um decreto  circunstanciado, com base em dados concretos, donde se vislumbre, sem a mais mínima hesitação, a justificação da medida extrema, tem o condão de prosperar, em tributo  às franquias constitucionais do paciente.

Não é lícito, repito, em sede de habeas corpus, sabidamente de cognição sumária, “fundamentar” uma prisão  com as informações prestadas; e muito mais ilícito, ainda, é decidir, em segunda instância, com esteio nessas mesmas informações, sabido que as razões do madamus são gestadas em face do decreto que se pretende revogar e não  em face das informações prestadas pela autoridade apontada coatora.

Tenho entendido, adotando a linha de argumentação que julgo mais consentânea com a nossa Carta Política, que ao Tribunal é defeso suprir as deficiência ou a ausência do decreto de prisão, pois que tem o dever de fundamentar a decisão é quem a subscreve e não o Tribunal junto ao qual se pede a proteção legal contra eventuais constrangimento ilegais, decorrentes da decisão que se pretende revogar.

A prisão preventiva, nunca é demais repetir, é medida excepcional a exigir, por isso mesmo, fundamentação idônea e oportuna, amparada,  sempre, em elementos concretos que justifiquem a sua necessidade, não bastando, tenho dito, a simples alusão a qualquer das hipóteses do artigo 312 do CPP – e muito menos fundamentá-la  a destempo, ou seja, por ocasião das informações, requisitadas à autoridade apontada coatora.

Desfundamentado o decreto, é injustificável a manutenção da prisão, ao argumento de que, nas informações, o juiz justificou as razões da medida extrema.

Tratando-se de prisão processual, é de se compreender que só restará fundamentado o decreto que demonstre, quantum satis, que a segregação atende a pelo menos um dos requisitos do artigo 312 do CPP, sem o que a presunção de não-culpabilidade deve prevalecer, até o momento do trânsito em julgado da sentença condenatória.

Ao decretar uma prisão preventiva ou ao determinar-se pela manutenção de uma prisão em flagrante, a autoridade judicial nunca pode perder de vista a lição de Ferrajoli, segundo o qual a prisão cautelar é uma pena processual, em que se castiga primeiro para, só depois, se processar.

E que não se deslembre, ao lume da lição de Ferrajoli, que o preso provisório, pelo menos no Brasil, está em situação pior  do que o preso condenado em definitivo, vez que, na prisão cautelar, não há regime semiaberto ou saídas temporárias.

Por tudo isso é que a autoridade judiciária tem o dever de fundamentar a decisão acerca da prisão provisória, sobretudo porque o preso cautelar pode, alfim e ao cabo da instrução, ser, inclusive, absolvido.

Nós, magistrados, diferentes dos cidadãos comuns, não podemos nos iludir com a justiça instantanea que parece decorrer das medidas cautelar restritivas de liberdade.

É claro que, para o povo, sedento de justiça, desgastado em face de tanta violência e em face das notíciais que dão conta do desvio sistemático de verbas públicas, as prisão provisórias são um alento. Nós, magistrados, no entanto, só devemos delas fazer uso na medida de sua real necessidade, pois a prisão provisória, num sistema garantista como o nosso, não pode ser inculcada junto à população como se fosse uma panáceia,   e nem pode, de outra banda, substituir a pena decorrente de uma sentença condenatória, com decisão transitada em julgado.

É assim que penso. É assim que tenho decidido.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.