Sentença condenatória, com reflexões acerca da inevitabilidade do crime em face das relações intersubjetivas

Cuida-se de sentença condenatória, na qual, antes da análise das provas, refleti acerca da inevitabilidade da ocorrência de crimes nas relações que se estabelecem em sociedade, nos termos abaixo, verbis:

  1. Das relações intersubjetivas que se estabelecem entre os homens em sociedade resulta, inevitável, o cometimento de crime. O crime é inevitável e é parte indissociável da vida em qualquer comunidade, pois que o crime é uma criação do homem. Mas o criminoso não pode ficar impune – pelo menos é isso que se espera. É por isso que, hic et nunc, está-se decidindo acerca da pena a ser infligida aos acusados M.F.M.A.C.E., A.S., A.C.S. e K.P.V., que praticaram uma conduta típica e antijurídica.
  2. Émile Durkeim, no século XIX, alertava que “o crime, além de ser um fenômeno normal, seria impossível uma sociedade que dele estivesse isenta. No dizer de DURKHEIM o crime chega até a desempenhar uma função útil na sociedade, posto que o crime (ato que ofende a sentimentos coletivos) constitui uma antecipação da moral futura e portanto indispensável à evolução da moral e do direito”.
  3. Mas, se é cediço que o crime é um fenômeno normal, indissociável da nossa vida, não é menos verdadeiro que os agentes do Estado devem estar atentos para minimizar a sua existência. E quando não for possível – e não o é, efetivamente – impedir que os crimes aconteçam.
  4. O que se espera, com sofreguidão, é que os autores de uma conduta ilícita respondam pelo crime que praticaram – e exemplarmente, definitivamente, sob pena de a sociedade não sobreviver.
  5. O crime, já se sabe, é inevitável. Inevitável como a dor. Aquele e esta não nos aprazem, mas ocorrem. Ocorrendo, é preciso debelá-los – o crime e a dor. Para esta, ministra-se analgésicos; para aquele, a pena, “constrangendo o autor da conduta punível a submeter-se a um mal que corresponda em gravidade ao dano por ele causado”

A seguir, a sentença, por inteiro.

Processo  nº 16602008

Ação Penal Pública

Acusados: M.F.M.C. e outros

Vítima: J. T. M.

 

Vistos, etc.

 

Cuida-se de ação penal que move o Ministério Público contra M.F.M.C., A.C.S.V., A.C.S.C.   e  K.P.V., por incidência comportamental no artigo 157,§2º, I e II, do CP, em face de, no dia 15/01/2008 , com arma branca, terem assaltado a residência de José Tavares Menezes, situada na Rua 23, Casa 06, Cohab Anil II, nesta cidade, de onde subtraíram, de dentro do guarda-roupa, a importância de R$ 1.200,00(hum mil e duzentos reais),  um aparelho celular Nokia, mais a importância de R$ 67,00(sessenta e sete reais), uma carteira de idoso e um cartão magnético do Banco do Brasil, bens que não foram recuperados, cujos fatos, estão narrados na denúncia, em detalhes, os quais, por isso, passam a compor o relatório desta decisão.

A persecução criminal teve início com a prisão em flagrante de  M.(fls.11/16)

Recebimento da denúncia às fls. 85/86.

O acusado M. foi qualificado às fls. 96/102,  A.,  às fls. 112/118,  A. às fls. 119/123 e  K., às fls. 124/129 e 130/133.

Defesa prévia de K. e A. às fls. 136/137.

Durante a instrução criminal foram ouvidas as testemunhas R. S. (fls.177/180),J. L. S. (fls. 181/183), J. C. S. (fls. 184/187), Â. C. L. F. (fls. 188/189), G. S. (fls. 190195), K. L.S.(fls.207/209), L. S. A.(fls.219/220), J. L. R. F.(fls.221/222), J. B.C. M. (fls.223/225) H. F. P. (fls.226/229), M. A. F. F. (fls. 230/231) e M. do C. da S. M. .(fls.232/234)

Na fase de diligências, nada foi requerido pelas partes.(fls.270)

Em alegações finais, o Ministério Público pediu a procedência da ação, com a condenação dos acusados, nos termos da denúncia.(fls.272/279)

A defesa de M., de sua parte, pediu, tão-somente,  que seja afastada a majorante do emprego de arma e que seja estabelecido o regime semi-aberto, para efeito de cumprimento inicial da pena privativa de liberdade.(fls.281/288)

O procurador de A. e K. requereu a sua absolvição, por insuficiência de provas e a revogação de sua prisão preventiva.(fls.293/297)

O defensor público, a seu tempo e ,modo, pediu a desclassificação do delito de roubo qualificado pelo concurso de pessoas para crime de furto qualificado pelo concurso de pessoas; e,  subsidiariamente, a retirada da qualificadora pelo emprego de arma, pela falta de provas que apontem a utilização da mesma no cometimento do crime; e, em caso de eventual condenação, o reconhecimento das atenuantes previstas  no artigo 65, I do CP, em face de sua idade à época do fato, e a prevista no artigo 65, III, alínea d, em de ter confessado o crime.(fls. 310/315)

 

Relatados. Decido.

 

Aos acusados  M., A., A. e K., o Estado,  por seu órgão oficial, o  Ministério Público,  imputa a prática de  crime de roubo duplamente  qualificado, pedindo, alfim, a sua punição, na forma da lei.

O fato descrito na inicial, evidencia, prima facie, uma conduta antijurídica dos acusados, daí a razão pela qual foi recebida, observadas, ademais, as condições exigidas pela lei para o seu exercício pelo Ministério Público.

A conduta típica do crime de roubo é subtrair, tirar, arrebatar coisa alheia móvel empregando o agente violência grave, ameaça ou qualquer outro meio para impedir a vítima de resistir.

O objeto material é a coisa alheia móvel.

Coisa, para o direito penal, é qualquer substância corpórea, material, ainda que não tangível,  suscetível de apreensão e transporte.

O elemento subjetivo do tipo é o dolo, que se traduz na vontade  de  subtrair, com emprego de violência, grave ameaça ou outro recurso análogo, com a finalidade expressa no tipo, que é o de ter a coisa para si ou para outrem(animus furandi ouanimus rem sibi habend).

O crime sob retina se consuma, segundo consagrou a jurisprudência, com a inversão da posse, id. est, quando o agente tem a posse mais ou menos tranqüila da res, ainda que por pouco tempo, ou que a res esteja  fora da esfera de vigilância da vítima.

O sujeito ativo do crime  pode ser qualquer pessoa, menos o seu proprietário, na medida em que o tipo exige que a coisa seja alheia. O sujeito passivo é o proprietário ou possuidor, ou até mesmo o detentor. É indiferente, ademais, a natureza da posse.

Sob essas diretrizes, sob essas considerações, passo ao exame das provas consolidadas nos autos, para, somente alfim e ao cabo do exame, concluir se os acusados, efetivamente, atentaram, contra  a ordem pública, como pretende o Ministério Público com a propositura da presente ação.

Pois bem, a primeira fase teve início com o auto de prisão em flagrante de  M. que negou a autoria do crime. (fls.16)

Na mesma oportunidade foi inquirido o ofendido J. T. M., que contou detalhes do crime – a invasão de sua casa,  a ação violenta dos autores do fato e a subtração, convindo destacar que os autores do fato arrombaram  a porta do guarda-roupas do ofendido, onde havia a importância de R4 1.200,00.(hum mil e duzentos reais)(fls.15)

Convém destacar, ademais, que a acusada  K., empregada doméstica do ofendido e também denunciada, estava na residência no momento do crime.(ibidem)

Importa realçar, de mais a mais, que o acusado M. foi preso por populares, depois do alarme de pega ladrão feito pelo ofendido, o que, de certa forma, o coloca no centro dos acontecimentos.(ibidem)

Convém destacar, outrossim, que um dos assaltantes fugiu e levou consigo, tudo faz a crer, a importância subtraída.(ibidem)

De relevo que se ponha em destaque que foi o conduzido, in casu o acusado  M., quem aplicou uma gravata no ofendido, enquanto que seu parceiro fazia ameaças, com uma arma branca.(fls.15)

Outros depoimentos foram colhidos na mesma sede – K. L. S. (fls.32/33), Rosiele Silva (fls.36/37), J. F. S. (fls.38/39) -, os quais fazem remissão à participação da acusada  K. e A. no assalto em comento.

O acusado A. também foi ouvido em sede extrajudicial, tendo negado a sua participação no crime e admitindo ser companheiro de K.(fls.40/41)

Do depoimento do acusado A. avulta com relevância, a informação de ter levado o acusado A., para pintar a residência do ofendido.(ibidem)

O ofendido foi reinquirido e manifestou sua confiança em K.. (fls.43/44)

O ofendido, demais, disse que não viu o rosto dos assaltantes e que, enquanto um deles o imobilizava, o outro foi até o guarda-roupas e se apoderou do dinheiro que havia dentro de uma bolsa.(ibidem)

A acusada K. também foi inquirida e contou detalhes do assalto apontando a autoria a A.e A., vulgo Bodão.(fls.45/46)

A acusada K. disse, noutro excerto, que  foi colocada por Bodão dentro do banheiro, mas como o mesmo não tinha chave, saiu de lá e pediu socorro.(ibidem)

Com esses dados relevantes encerrou-se a fase administrativa da persecução criminal.

O Ministério Público, de posse dos dados colacionados na fase extrajudicial (informatiodelicti), ofertou denúncia (nemo judex sine actore) contra  M., A., A. e K.,   imputando a eles o malferimento  do preceito primário ( preceptum iuris) do artigo 157 do DigestoPenal, com as qualificadoras dos incisos I e  II, do seu §2º,  e fixando, dessarte, os contornos da re in judicio deducta.

Aqui, no ambiente judicial, com procedimento arejado pela ampla defesa e pelo  contraditório, produziram-se provas, donde emergem, dentre outras,  os interrogatórios dos acusados (audiatur et altera pars) .

O acusado M. deixou muito claro em seu depoimento o envolvimento dos demais acusados – K., inclusive.

A seguir, os principais excertos do depoimento de M., os quais demonstram, à farta, o envolvimento dos quatro acusados no assalto à residência do senhor  J. T. M., verbis:

Juiz –  essa acusação que há contra o senhor é falsa ou verdadeira?

Acusado –  falsa.

Juiz –  se é falsa o senhor atribui a quem a prática do crime?

Acusado –  senhor eu não pratiquei esse crime não.

Juiz –  sim e você sabe quem praticou?

Acusado –  eu tava em cãs dormindo, ai esse rapaz que tá ai, esse “Bodão”, chegou e me chamou  com esse Carlos Santos ai.

Juiz –  para?

Acusado –  pra gente fazer um serviço pra esse C. S., ai quando chegou lá, esse “bodão” já sabia ai , quando chegou lá “ê rapaz qual é o serviço que a gente vai fazer?” 

Juiz –  nessa hora eu tu perguntou isso vocês estavam onde?

Acusado –  estávamos perto da casa desse A. C.. Ai depois ele falou que era pra gente fazer isso ai.

Juiz –  “isso ai” é o assalto nessa residência do J. T.?

Acusado –  é.

Juiz –  até o momento que você foi chamado você não sabia de nada?

Acusado –  não.

Juiz –  quando você estava com o A. C. foi que ele disse que a idéia era praticar um assalto?

Acusado –  “esse negócio vai dar certo?”, “vai dar certo porque a mulher dele já estava sabendo”.

Juiz –  mulher de quem?

Acusado –   a dele, a “Kakazinha”.

Juiz –  a mulher do A. C. trabalhava na casa da vítima?

Acusado –  é.

Juiz –  então a “Kakazinha” teria dado informações relevantes ao A. C.?

Acusado – não quem deu a informação foi ele. Na hora que chegou lá o moleque falou assim pra ela deixar que ele que tinha mandado.

Juiz –  mas ela ajudou então ?

Acusado –  ela colaborou que ela saiu.

Juiz –  conte-me como aconteceu?

Acusado –  eu fiquei no portão, não entrei na casa como está dizendo ai que eu entrei e dei gravata nele.

Juiz –   quem entrou na casa foi o A. e o A. C.?

Acusado –  foi só A..

Juiz –  e A. C. ficou onde?

Acusado –  na casa dele.

Juiz –  ele não foi pra linha de frente?

Acusado –  não.

Juiz –  tu ficou onde?

Acusado –  no terraço.

Juiz –  e ai?

Acusado – e ai ele puxou o guarda-roupa, ele já sabia que tava lá.

Juiz –  e quem estava na casa nessa hora?

Acusado –  os três, a empregada que é a “Kakazinha”, o esposo e a esposa.

Juiz –  e o A. que tinha todas as dicas foi direto pro guarda-roupa. E quanto ele tirou?

Acusado –  os policias falaram que foi 1.200,00.

Juiz –  pra ti não sobrou nada?

Acusado –  não garrei nada.

Juiz –  a “Kakazinha” já trabalhava muito tempo nessa casa?

Acusado –  pra falar a verdade eu nem sabia que ela trabalhava ali não.

Juiz –  quem usava a arma nesse dia e nessa hora?

Acusado –  só se foi o A., porque eu não tinha arma.

Juiz –  você não viu arma com ninguém?

Acusado –   não, ele entrou pelo quintal.

Juiz –  qual era sua tarefa? Qual a tua missão?

Acusado –  minha missão era ver se não vinha ninguém.

Juiz –  não veio ninguém?

Acusado –   quando eu fui ver a “Kakazinha” já tinha saído. Quando ela veio, que tinha um muro, ela já vinha com os vizinhos.

Juiz –  quando ela apareceu com os vizinhos vocês já tinham saído de lá?

Acusado –   não.

Juiz –  e como foi?

Acusado –  ele pulou o muro e eu saí pela frente.

Juiz –  se “kakazinha” colaborou, porque ela foi chamar os vizinhos?

Acusado –  é o que eu não tô entendendo.

Juiz –  foi ela que foi denunciar o assalto?

Acusado –  acho que foi, que ela já chegou com os vizinhos.

Juiz –  quando você manteve contato com A. C. o que ele falou?

Acusado –  que era pra gente fazer o serviço pra ele.

Juiz –  A. C. que era o mentor da história?

Acusado –  é.

Juiz –  tem noticia se ele já havia cometido outros crimes?

Acusado –  não, quando eu conheci ele, ele tava preso.

Juiz –  e o A.?

Acusado –  eu não sei não.

Juiz –  por que tu aceitaste participar de uma empreitada criminosa sabendo das conseqüências disso? O que te motivou a participar disso?

Acusado –  o que me motivou foi que eu ia viajar pro interior;

Juiz –  e tu queria dinheiro pra viajar pro interior?

Acusado –  é.

Juiz –  pra fazer o que no interior?

Acusado –   olhar um festejo que tinha lá. Mas se eu soubesse que ia ser isso ai, eu não ia não.

Juiz –  até o momento que A. entrou na casa não sabia que era um assalto?

Acusado –  fui saber lá.

Juiz –  depois que ele tinha entrado ou antes?

Acusado –  ele avisou.

Juiz –  porque nessa hora que você soube que não era um proceder correto porque não desistiu?

Acusado –  isso ai que eu pensei.

Juiz –  e não desistiu porquê?

Acusado –  foi muito rápido.

Juiz –  você não conhecia antes as vitimas?

Acusado –  não.

Juiz –  você não estava armado?

Acusado –   não.

Juiz –   só quem estava armado era o A.?

Acusado –  acho que era. Só soube que ele tinha uma arma branca.

Juiz –  mas você não viu?

Acusado –  eu não vi não.

Juiz –  da ação criminosa que se envolveu dentro da casa você não sabe?

Acusado –  não.

Juiz –  por que você não entrou na casa. Tem noticia se o A. ficou com o dinheiro sozinho?

Acusado –  isso ai eu não sei.

Juiz –  dos três que participaram do assalto só quem está preso é você?

Acusado –  só eu.(fls. 96/102)

(Com a supressão de excertos  irrelevantes para o deslinde da questão)

Em seguida foi ouvido o acusado A. que, sem titubeio, sem tergiversar, confessou a autoria do crime e imputou aos demais acusados a co-autoria  do delito. (fls.122/118)

O acusado A. disse, inclusive, que foi a acusada K. que teve a idéia do assalto.(ibidem)

A seguir, os principais fragmentos do depoimento do acusado A., verbis:

Juiz –  acerca desse fato que está dando conta que você teria praticado esse assalto na residência do seu José Tavares, essa acusação é verdadeira ou falsa?

Acusado –  é verdadeira.

Juiz –  você praticou o crime acompanhado?

Acusado –  acompanhado.

Juiz –  com quem?

Acusado –  com M..

Juiz –  quem teve a idéia do crime?

Acusado –  foi a “Kakazinha” e depois ela passou pro marido dela.

Juiz –  então “Kakazinha” tem envolvimento com esse crime?

Acusado –  tem.

Juiz –  você não tem nenhum motivo nem o senhor nem a sua família pra imputar esse crime a “Kakazinha” pra prejudicá-la?

Acusado –  não.

Juiz –  vocês não são inimigos?

Acusado –  não.

Juiz –  o senhor não tem nenhum parente que seja inimigo dela?

Acusado –  não, que eu saiba não.

Juiz –  quem teve a idéia foi “Kakakzinha”?

Acusado –  foi, porque ela que disse pra gente onde tava o dinheiro.

Juiz –  ela planejou o assalto ou ela falou ingenuamente?

Acusado –  ela planejou o assalto  disse pra gente onde estava o dinheiro.

Juiz –  e  a partir daí quem foi pra linha de frente?

Acusado –  foi eu e o outro rapaz, o outro rapaz entrou primeiro.

Juiz –  o M.?

Acusado –  foi.

Juiz –  quem convidou o M.?

Acusado –  o rapaz.

Juiz –  o A. C.?

Acusado –  foi.

Juiz –  e quem te convidou?

Acusado –  foi ele também. Ai ele disse que era pra ir nós dois.

Juiz –  o A. C. já conhecia a casa?

Acusado –  já. Ele disse que não ia porque já era conhecido.

Juiz –  no dia do assalto ele não foi?

Acusado –  não senhor.

Juiz –  você estava armado no dia desse assalto?

Acusado –  não.

Juiz –  vocês praticaram esse assalto com que instrumento de intimidação?

Acusado –  foi só o rapaz que segurou o senhor..

Juiz –  segurou como?

Acusado –  agarrou na boca dele.

Juiz –  o M.?

Acusado –  sim senhor.

Juiz –  o M. já era amigo seu?

Acusado –  já.

Juiz –  já o conhecia há muito tempo?

Acusado –  não só de vista.

Juiz –  o primeiro contato com o M. pra cometer o crime foi feito por você ou pelo A. C.?

Acusado –  A. C..

Juiz –  quantos vocês subtraíram das vitimas?

Acusado –  1.200,00 e o celular.

Juiz –  como foi feita a distribuição?

Acusado –  não, o M. ficou porque eu saí desesperado. Ai no outro dia eu fui pro interior.

Juiz –  quem ficou com o dinheiro todo foi o M.?

Acusado –  não, pegaram logo ele.

Juiz –  e quem ficou com o dinheiro?

Acusado –  oh quem entrou no quarto fui eu, ai ele segurou o senhor, ai eu fui lá no quarto e peguei o dinheiro, ai eu saí.

Juiz –  então foi você que ficou com o dinheiro?

Acusado –  fui eu.

Juiz –  quem falou onde estava o dinheiro?

Acusado –  foi a Kakazinha que falou pro A. C. que estava dentro de uma bolsa verde, ou a verde ou a preta.

Juiz –  não teve arma?

Acusado –  não, porque a moça lá era deficiente da perna.

Juiz –  como você encara os fatos de que as próprias vitimas não acreditam na participação da K.? Inclusive ela continua trabalhando lá.

Acusado –  ai é que eu não sei, por causa que ela que falou pra gente. A gente não ia saber onde é que a bolsa tava.

Juiz –  quando vocês chegaram lá foram direto para o dinheiro?

Acusado –  foi, que ela até disse assim “ainda tem um resto de dinheiro dentro da bolsa da velha”, eu nem tive tempo de ir na bolsa da moça não fui embora desesperado.

Juiz –  quando vocês chegaram na hora do assalto quem estava na casa?

Acusado –  a Kakazinha estava na cozinha me esperando pra mim botar ela pro banheiro.

Juiz –  e quem colocou ela no banheiro?

Acusado –  fui eu.

Juiz –  e porque ela fugiu do banheiro?

Acusado –  ai é que eu não sei.

Juiz –  você trancou ela no banheiro?

Acusado –  não. A porta ficou só encostada.

Juiz –  por que não trancou?

Acusado –  por que não deu tempo saí desesperado.

Juiz –  se vocês queriam simular que ela teria sido trancada pra não fazer nada ai vocês deixaram a porta aberta?

Acusado –  por que a gente confiou nela. Ela falou que era pra gente deixar ela no banheiro que ela não ia fazer nada.

Juiz –  por que ela denunciou os fatos?

Acusado –  acho que bem ela ficou com medo de acontecer o que está acontecendo agora.

Juiz –  ela que chamou a policia e os vizinhos?

Acusado –  ela chamou o vizinho da frente.

Juiz –  não viu quando ela chamou?

Acusado –  não, não.

Juiz –  depois que aconteceu esse fato vocês já conversaram?

Acusado –  não, só o rapaz que é o marido dela, que ele usa droga, teve um dia ele foi lá em casa chegou e tava me pedindo dinheiro.

Juiz –  pra comprar droga?

Acusado –  acho que era.

Juiz –  por que você acha que a Kakazinha que tem um bom relacionamento planejou esse crime? Por necessidade ou pra suprir o vicio do marido?

Acusado –  acho que era, porque de vez em quando ela dava dinheiro pra ele.

Juiz –  ela é do tipo dependente dele?

Acusado –  não, porque tem vez que eles dois só andam brigando.

Juiz –  para o que você conviveu na articulação do crime deu para perceber que ela é do tipo que fazia tudo que ele mandava ?

Acusado –  faz sim.

Juiz –  por que razão? Por que ela gosta muito dele ou por que ela o teme?

Acusado –  acho que é porque ela teme ele.

Juiz –  ele já praticou alguma violência contra ela?

Acusado –  sim, já tentou matar ela com uma faca.

Juiz –  o que a R. é pra você?

Acusado –  minha irmã.

Juiz –  sua irmã não é inimiga da Kakazinha?

Acusado –  que eu saiba não.

Juiz –  a sua irmã nunca lesionou a Kakazinha?

Acusado –  que eu saiba não. Porque minha irmã mora distante lá de casa.

Juiz –  você não mantém contato nenhum:

Acusado – é mais difícil.

Juiz –  nunca ouviu falar de nenhuma inimizade de sua irmã com Kakazinha?

Acusado –  não.

Juiz –  e R. quem é?

Acusado –  é minha sobrinha.

Juiz –  você sabe de alguma inimizade dela com Kakazinha?

Acusado – rapaz elas não se falam não.  Não sei o motivo não.

Juiz –  e o J. F.?

Acusado –  é meu sobrinho.

Juiz –  ele se dá bem com Kakazinha?

Acusado –  dá. Com ela e o C..

(fls. 112/118)(Com a supressão de fragmentos desnecessários ao deslinde da questão)

Vê-se dos excertos acima que o acusado A. C. S. V. conta detalhes da ocorrência do crime.

Os depoimentos de A.M. não deixam dúvidas acerca da autoria do crime,

Vou prosseguir , todavia,  examinando a prova amealhada na sede judicial.

O acusado A., marido de K., negou qualquer participação no ilícito – dele e da sua mulher.(fls.119/123)

O acusado aduziu que a acusação contra ele e a mulher é obra de uma irmã de A. que tem uma rixa com K. e quer acabar com ela.(ibidem)

A seguir, os principais excertos do depoimento de A., litteris:

Juiz – O senhor não é obrigado a responder nada tá. O senhor tá sendo aqui acusado de ter participado de um assalto a residência dos patrões da sua companheira, sua esposa, não sei. O senhor só responde aquilo que quiser. O senhor é marido da dona k. né?

Acusado – Isso.

Juiz – O senhor conhece as pessoas apontadas como vítimas aqui nesses autos?

Acusado – Conheço de vista.

Juiz – Eu to falando aqui os patrões J. T.. O senhor conhece eles?

Acusado – Conheço.

Juiz – Freqüenta a casa deles?

Acusado – Freqüentei já duas vezes.

Juiz – Antes do assalto acontecido você já tinha freqüentado alguma vez?

Acusado – Já sim senhor, eu fui capinar lá um terreno deles, só que a gente não conseguiu entrar num preço do serviço, ai eu voltei, não trabalhei mais nesse dia lá. Aí fui lá fazer a pintura.

Juiz – O senhor levou quem pra lhe ajudar nessa pintura?

Acusado – A..

Juiz – O A. é o “Bodão”?

Acusado – Justamente.

Juiz – E aí o que aconteceu? Conseguiram realizar o serviço?

Acusado – Fizemos o serviço, ele pagou a gente, eu dei a metade dele e vim pra casa.

Juiz – Não tiveram nenhum problema?

Acusado – Nenhum problema.

Juiz – E acerca desse assalto aqui o que você tem pra me dizer?

Acusado – Justamente o que eu tenho pra lhe dizer desse assalto é que eu não tenho culpa, e nem mandei ele fazer esse delito lá. Se ele foi, foi por livre espontânea,  dele mesmo.

Juiz – E a dona K.? Também não teve nenhuma participação?

Acusado – Não, nenhuma participação,  jamais que a gente vai. Ela é uma pessoa trabalhadora, sempre lutou, já trabalhou na casa de umas pessoas importantes. Nunca roubou, nunca ouvir falar que ela tinha roubado ninguém, e assim mesmo os patrões onde ela trabalhou pode provar isso.

Juiz – E  por que então você acha que você tá sendo acusado da prática desse crime.

Acusado – Porque a irmã desse cidadão que foi roubar lá tem uma rixa com minha esposa. A irmã do “Bodão”. Então ela faz de tudo pra acabar com a gente.

Juiz – Então isso é parte dela, um projeto vingança?

Acusado – Isso é coisa que ela tá inventando sobre a minha pessoa de ter mandado ele roubar lá na casa desse cidadão.

Juiz – O senhor nunca teve preso nenhuma vez?

Acusado – Eu já fui preso, não vou mentir.

Juiz – Qual a razão?

Acusado – Por causa de um homicídio que eu cometi.

Juiz – O senhor respondeu por este processo? Pagou por este crime?Foi condenado?

Acusado – Sim, respondi, paguei. Na verdade eu ainda não fui condenado.

Juiz – O processo ainda não foi julgado?

Acusado – Eu ainda to esperando o júri, e é por isso que eu to tentando me reintegra à sociedade. Aprendi no sofrimento, porque a pessoa só aprende sofrendo. E jamais, em qualquer momento da minha vida eu quero volta pra cadeia. Então eu jamais vou fazer coisa errada. Vivo trabalhando, eu capino, eu pinto, eu lavo piscina, faço qualquer tipo de serviço e vigio carro todo sábado e domingo na frente da igreja, já tenho um tempão que trabalho lá. Muitas pessoas que trabalham lá perto dão maior ponto em mim, sabem do meu proceder lá. Coisa que eu nunca mexi em coisa de ninguém. Porque a coisa mais importante é a pessoa ganhar pouco mas honesto.

Juiz – E quem fez esse assalto o senhor sabe?

Acusado – Esse assalto eu soube quando minha esposa chegou em casa que ela comentou o que aconteceu, qu justamente as vitimas que tão ai nesse papel que você tá dizendo ai, que foi “Bodão” e “Manel” que cometeu esse crime.

Juiz – “Bodão” quando foi na casa do Sr. J. T. pintar com o senhor lá, foi a primeira vez que ele foi lá?

Acusado – A primeira vez.

Juiz – E quando ele foi lá a primeira vez, ele chegou a insinuar pro senhor que havia a possibilidade dele fazer esse assalto?

Acusado – Não.

Juiz – Se pensou não disse?

Acusado – Se pensou foi do dia pra frente.

Juiz – O senhor sabe quem cometeu o crime com ele?

Acusado – Rapaz, pelo que minha esposa me falou foi “Manel” o que tá preso.

Juiz – No momento do assalto você não estava lá?

Acusado – Tava em casa.

Juiz – Só quem estava lá era sua esposa, K..

Acusado – Justamente, já trabalha lá a um ano e pouco.

Juiz – Então o senhor não tem muito o que contar acerca do assalto, só sabe o que lhe foi passado por ela.

Acusado – Isso, através da minha esposa.

Juiz – O senhor ainda freqüenta a casa das vítimas?

Acusado – Com certeza. Hoje mesmo eu fui lá. Hoje mesmo eu to vindo de lá.

Juiz – Eles acreditam que o senhor não tenha participado?

Acusado – Com certeza, porque eles me conhecem, sabe que a minha esposa é uma pessoa direita, eu jamais vou pensar em fazer coisas erradas na minha vida porque eu sofri demais quando fui preso, então eu to tentando me reintegra na sociedade, fazendo o possível pra mim não errar porque eu to sabendo que vai ter um júri e qualquer erro que eu fizer me complica.

Juiz – Então sr. Z. T. o sr. Conhece? A dona J. C. o sr. Conhece?

Acusado – Sim.

Juiz – E a R.?

Acusado – É a pessoa que tem rixa com minha esposa, já furou ela várias vezes. Isso começou com uma briga com a mãe dela, de Kakasinha, a família dela veio todinha pra cima dela, bateu nela, e depois disso toda vez que elas se encontravam numa festa, ela batia na minha esposa, já furou ela, que ela tem muitas marcas. Então é o motivo que ela achou de incriminar a gente como vingança.

Juiz – E a R. S.?

Acusado – A R. é a filha dela. Essa aí eu não tenho nada pra falar dela.

Juiz – E o J. F. S.?

Acusado – É o filho de R..

Juiz – Tem alguma coisa pra falar dele?

Acusado – Rapaz, Dr. ele tá dizendo que eu convidei ele pra assaltar, coisa que eu não fiz. De uns dias pra frente do acontecido, aconteceu uma coisa lá que ele roubou, fez um assalto, só pra você ver, e pelo que ele fez ai pode ver que não sã boa peça.

Juiz – O senhor já falou o que tinha que falar não é isso?!

(fls.119/121/123)(Com a supressão dos excertos desnecessários ao deslinde da questão)

 

Em seguida foi inquirida a acusada K., que também negou a autoria do crime, dizendo que quem lhe envolveu nessa história foi uma irmã de Bodão, alcunha de A..

A acusada narrou detalhes da ação criminosa, dizendo que Anderson estava portando uma faca e que foi ele quem a colocou dentro do banheiro.(ibidem)

Abaixo, os principais fragmentos do depoimento de K., verbis:

 

Juiz-  a senhora não é obrigada a responder nenhuma pergunta, só responde o que quiser.  A senhora trabalhava com as vitimas há quantos anos?

Acusada- um ano e oito meses.

Juiz- a senhora antes de trabalhar com as vitimas trabalhava onde?

Acusada-  já trabalhei de garçonete, já trabalhei em outras casas também.

Juiz-  a senhora já foi despedida de alguma casa com a suspeita de ter cometido algum crime?

Acusada- nunca.

Juiz- a senhora saiu dessas residências todas sem nenhum problema?

Acusada- nenhum problema.

Juiz- as vitimas desse assalto tinham um bom relacionamento com ma senhora? A tratavam com fidalguia ou eram daqueles tipos de patrão que humilham as pessoas?

Acusada- não eles me tratam muito bem.

Juiz- tratavam né? A senhora não está mais lá.

Acusada- eu ainda estou lá.

Juiz- curioso a senhora é apontada como acusada.

Acusada – eu trabalho lá, eles confiam muito em mim, gostam de mim e eu que cuido deles há muito tempo e eles não tem motivo de me despedir porque eles sabem que eu não tenho nada a ver com isso, justamente o dono da casa não está me acusando. Me deu apoio, foi a delegacia comigo, deu depoimento que eu não tenho nada a ver, nem eu e nem meu marido, agora a irmã desse rapaz eu já tive uma rixa com ela e ela tem raiva de mim.

Juiz-  irmã de que rapaz?

Acusada- do ‘Bodão”.

Juiz- então você acha que isso possa ser uma armação da irmã do A.?

Acusada- é.

Juiz- a senhora não praticou esse crime?

Acusada- não.

Juiz-  o A. C. é que pra senhora?

Acusada- meu marido.

Juiz- ele também não tem nada a ver com a história?

Acusada- tem não.

Juiz-  o M. F. M. é o que pra senhora?

Acusada- nada.

Juiz- então a senhora atribui a sua colocação da senhora nessa historia a alguma perseguição, ato de vingança?

Acusada- é porque ela já me cortou aqui, ela mesma , porque ela não trabalha eu acho, ela foi ma delegacia deu parte de mim e eu trabalhava nessa casa, eu cheguei “meus patrão, eu quero sair hoje que eu tenho uma audiência pra resolver na delegacia”, “por que?1, “por que aconteceu isso, a mulher queria bater na minha mãe”, ai nunca acabou esse caso entendeu?

Juiz- como é que se deu o crime lá?

Acusada- quando o “bodão” entrou dentro de casa.

Juiz- a senhora já o conhecia?

Acusada- já.

Juiz-  ele não tava encapuzado?

Acusada- não.

Juiz- não tinha nada cobrindo o rosto?

Acusada- não. Ele tava com uma faca branca ai ele me disse “rumbora”, ele,pegou no meu pescoço assim, “rumbora vai por banheiro que hoje eu vim foi pra meter o bicho mesmo” e entrou de vez pro banheiro e me empurrou pro banheiro, só que o banheiro ele só fecha por dentro por fora não fecha, quando eles estavam lá dentro bagunçando tudo, o outro não tava armado, o Manoel.

Juiz- você  já conhecia o M.?

Acusada- conhecia. Quando ele tava segurando o velho eu aproveitei e saí e fui chamar os vizinhos, ai a velha gritava também.

Juiz- como foi que eles acharam o dinheiro? A curiosidade é que eles chegaram nacas e foram direto pro guarda-roupa onde tinha a importância dos 1.200,00. Para a policia e o ministério Público ficou a impressão que alguém de dentro da casa tinha dado essa dica pra eles. Como é que eles chegaram logo ao dinheiro?

Acusada- eu nem sabia que existia esse dinheiro, por que o velho, as coisas íntimas ele não diz pra mim e nem pra esposa dele, a gente não sabia desse dinheiro lá, depois que aconteceu isso tudo que ele foi me explicar, que ele disse que tinha esse dinheiro, ‘mas seu Zé porque o senhor guardou esse dinheiro?’, ele tava me explicando que ele tinha esse dinheiro lá, mas ninguém sabia.

Juiz- dessas pessoas  envolvidas nesse crime qual delas já tinha freqüentado a casa de seu José?

Acusada- o “bodão”.

Juiz- em quais circunstâncias?

Acusada-  meu patrão fez um pedido pra mim, “Maria tem marido não trabalha de pintor?”, eu peguei e disse pra ele “trabalha”, “não da pra ele trazer um pintor pra pintar a casa?”, “tudo bem vou trazer”, ai eu falei com meu marido , “ah eu vou convidar um ajudante pra pintar”.

Juiz- e esse ajudante foi quem?

Acusada- o “bodão”.

Juiz- então o “bodão” má conhecia a casa, seu marido já conhecia a casa e a senhora claro. E o M.?

Acusada- não sabia onde eu trabalhava.

Juiz-  no momento que ocorreu o assalto quem transpareceu pra você que era o comandante do assalto?

Acusada-  era o “bodão”.

Juiz- o M. fazia o que?

Acusada – fazia o que ele mandava.

Juiz- quem estava armado?

Acusada- o “bodão”.

Juiz-  eles praticaram alguma violência contra os velhos?

Acusada-  pegou a camisa e botou na cara dele, depois que eu saí el chegou a me ver .

Juiz- nessa hora foi pedir socorro?

Acusada- foi.

Juiz- e só foi preso o M.?

Acusada- foi.

Juiz- seu marido não estava nessa hora?

Acusada- não.

Juiz- com certeza?

Acusada- tenho.

Juiz-  como é o relacionamento hoje do seu J. T. com seu marido? Seu marido freqüenta  a casa dele?

Acusada- f requenta.

Juiz- ele sabe que você e seu marido estão estão sendo acusados nesse crime?

Acusada- sabe.

Juiz- seu J. T. prestou depoimento na policia?

Acusada- prestou.

Juiz- inocentou você?

Acusada- inocentou.

Juiz- o que levaram do seu J. T.?

Acusada- 1.200,00 e o celular, só isso.

Juiz- e o que levaram não mais retornou?

Acusada- não. Porque o que levou foi o “bodão” ele que sabe de tudo.

Juiz-  como é que você pode afirmar com essa convicção toda que foi o “bodão’ que levou tudo?

Acusada- na hora do assalto a velha chegou a ver que foi ele que entrou dentro do quarto e o Manoel ficou segurando seu Zé.

Juiz- a R. a senhora conhece?

Acusada- é a irmã do acusado.

Juiz-  qual deles?

Acusada- o “bodão”.

Juiz- você não tem nada contra ela?

Acusada- tenho, por causa da briga que teve.

Juiz- a R.?

Acusada- é filha dela também.

Juiz-   também é sua inimiga?

Acusada- nenhuma fala comigo.

Juiz- o J. F. S.?

Acusada- é filho dela também.

Juiz- também não se dão bem?

Acusada- não, não.

Juiz- então eles têm todos os motivos do mundo pra condená-la?

Acusada- é.

Juiz-  eles fariam isso se fosse possível?

Acusada- fariam.

Juiz- o Â. F.?

Acusada- não ele chegou a falar comigo.

Juiz- não tem nada contra ele?

Acusada- não.

(fls.124/129)

(Com a supressão dos excertos irrelevantes para o deslinde da questão)

 

Como se viu acima, a acusada nega a participação no ilícito, mas apresenta argumentos sem consistência.

Depois do depoimento do acusado A., o Bodão, decidi reinterrogar, imediatamente, a acusada K., a qual, mais uma vez, negou a autoria do crime.(fls.130/133)

A testemunha R. S. deixou entrever que o seu depoimento não merece muita credibilidade, razão pela qual não deve me aprofundar no seu exame.

A testemunha J. L. S., companheira do acusado M. confirmou que ele, M., foi convidado por A., marido de K., para praticarem o assalto.(fls.181/183)

Abaixo os principais excertos do depoimento de J. L. S., verbis:

Juiz –  dona Joelma a senhora é inimiga, amiga ou parenta dos acusados ou das vítimas?

Testemunha- não.

Juiz – a senhora fica advertida que só pode falar a verdade. Acerca desse assalto que vitimou essas duas pessoas, o seu José Tavares e sua esposa, o que a senhora sabe desse fato?

Testemunha- que esse C. S. foi lá em casa…

Juiz –  não é C. S.. È A. o C. da S. C., é esse?

Testemunha- é.

Juiz –  ele foi pra que?

Testemunha- chamar M. F..

Juiz – quem é M. F.?

Testemunha- é meu marido.

Juiz – eu te perguntei se era amiga, parenta e você disse que não era. São casados no papel ou não?

Testemunha-  não, só companheira.

Juiz –  ele foi chamar seu marido para?

Testemunha- ele chamou ele e ficou conversando, não dei pra mim escutar o que eles estavam conversando.

Juiz – quem estava conversando?

Testemunha- o C. S. com ele.

Juiz – o A. estava presente?

Testemunha- não.

Juiz –  e ai o que aconteceu depois?

Testemunha- ele chamou o A.?

Juiz – para?

Testemunha – conversar também.

Juiz – e ai?

Testemunha- estavam conversando e não deu pra mim escutar.

Juiz –  e o que a senhora sabe do envolvimento deles na prática desse crime?

Testemunha- eu não sei.

Juiz – não sabe nada?

Testemunha- não.

Juiz –  só ouviu comentários?

Testemunha- foi.

Juiz – a senhora tem noticia se o M. F., o A. S., o A. C. e a “Kakazinha” participaram desse assalto?

Testemunha- sim.

Juiz –  o seu marido nunca comentou qual seria a participação dele nesse assalto ou ele nega?

Testemunha- não, ele não me disse nada não.

Juiz –  nunca disse nada pra senhora?

Testemunha- não.

Juiz – ele não apareceu com nenhum produto do furto em casa?

Testemunha- não.

Juiz – com dinheiro, com nada?

Testemunha- não.

Juiz –  o que você disse na policia?

Testemunha- nada.

Juiz – seu marido já esteve envolvido com assalto?

Testemunha- não.

Juiz –  o seu marido é amigo do A. C.?

Testemunha- eles se falavam.

Juiz – tu não prestaste depoimento na policia?

Testemunha- não.

(fls. 181/183)

(Com a supressão dos excertos irrelevantes para o deslinde da questão)

 

Dando seqüência à produção de provas, foi inquirida a testemunha J. C. S., que disse ter sido chamado, várias vezes, pelo marido de K., A., para praticar o assalto e que  K, iria passar as dicas acerca do dinheiro a ser subtraído da vítima.

Agora, os principais fragmentos do depoimento de J. C. S., verbis:

Juiz – o senhor fica advertido que só fala a verdade, aquele que cala e mente, oculta a verdade pode ser preso ou processado por crime de falso testemunho. O senhor é parente de Dona R.?

Testemunha –  sou filho dela.

Juiz –  o que o senhor sabe desse assalto a casa do seu J. T.?

Testemunha – eu sei que C. S. foi lá em casa me convidar e eu não quis.

Juiz – pra praticar o assalto?

Testemunha – várias vezes ele me convidou.

Juiz –  C. S. é marido de quem?

Testemunha – de “Kakazinha”.

Juiz – ele foi lhe convidar pra praticar o assalto?

Testemunha – varias vezes ele me convidava.

Juiz – e o que ele dizia pro senhor? Como é que seria esse assalto?

Testemunha – ele disse que lá tinha 1,200 que a mulher dele trabalhava lá e que era fácil lá.

Juiz – então era “Kakazinha” que ia passar as dicas do dinheiro?

Testemunha – sim senhor.

Juiz – ela chegou a dizer qual era o dia que tinha dinheiro lá?

Testemunha – ela não disse não.

Juiz – ele chegou a te dizer onde estava o dinheiro?

Testemunha – ele disse que tava no armário.

Juiz –  armário localizado onde?

Testemunha – no quarto da mulher.

Juiz – a “Kakazinha” trabalha onde?

Testemunha – lá perto da Choperia Gaúcho.

Juiz –  a “Kakazinha” trabalha na casa das vitimas?

Testemunha – é.

Juiz – então a “Kakazinha” trabalhava lá dentro e ia passar onde estava o dinheiro, isso foi o marido dela que disse?

Testemunha – o marido dela que disse.

Juiz – ai te convidou pra praticar o assalto?

Testemunha – sim senhor.

Juiz – o assalto seria praticado como? Quem levava a arma, se era com arma ou se era sem arma?

Testemunha – não tinha arma não.

Juiz – ele chegou a dizer que além de você ele convidou outras pessoas?

Testemunha – ele disse que convidou o A. e o M..

Juiz – e os dois aceitaram?

Testemunha – ai eu não sei lhe dizer não.

Juiz – porque você recusou participar do assalto?

Testemunha – porque eu não gosto dessas coisas.

Juiz – ou você teve medo da reação da tua família?

Testemunha -tive medo da reação da minha família.

Juiz – você tem alguma coisa pessoal contra algum dos acusados?

Testemunha – a “Kakazinha” e o C. S..

Juiz – por que você tem problema pessoal contra eles dois?

Testemunha – ele fica me ameaçando.

Juiz – ameaçando com o que?

Testemunha – de morte.

Juiz – o seu problema foi depois do assalto ou foi antes?

Testemunha –  foi depois do assalto.

Juiz – a sua mãe também é ameaçada por eles?

Testemunha – também.

Juiz – a ameaça feita para sua mãe foi depois do assalto?

Testemunha – depois do assalto.

Juiz – antes do assalto vocês não tinham nenhum problema?

Testemunha – não.

Juiz – eles querem matar você por quê?

Testemunha – me chamaram pra depor ai ele queria me matar por causa disso daí.

Juiz – e porque você resolveu contar essa história? Não era melhor pra ti ter ficado calado?

Testemunha – porque eu fui chamado.

Juiz – você já teve envolvimento com crimes?

Testemunha – não senhor.

Juiz – nunca cometeu nenhum crime?

Testemunha – não senhor.

Juiz –   Vou ler seu depoimento na policia pra ver se bate – (lendo depoimento na policia). Você confirma tudo isso que disse na policia?

Testemunha – confirmo.

Juiz – a sua inimizade com o C. S. ocorreu depois que você foi a policia contar o que sabia do assalto, antes disso não tinha nenhum problema?

Testemunha – não.

(fls. 184/187)

(Com a supressão dos excertos irrelevantes para o deslinde da questão)

 

A testemunha G. S., de seu lado, prestou um depoimento mais do que relevante, no sentido de demonstrar a participação dos acusados A., K. e A..(fls.190/195)

Do depoimento de G. S. vejo detalhes da participação de K., que deu contribuição relevantíssima no sentido de  facilitar a localização do dinheiro das vítimas. (ibidem)

Além dos depoimentos acima analisados, vários outros foram colhidos – Â. C. L. F. (fls. 188/189)  K. L. S.(fls.207/209), L. S. A.(fls.219/220), J. L. R. F.(fls.221/222), J. B. C. M. (fls.223/225) H. F. P. (fls.226/229), M. A. F. F. (fls. 230/231) e M. do C. da S. M. .(fls.232/234) – os quais nada informaram que pudesse ter relevância para o desfecho do processo.

Encerrada a análise das provas, vou expender as minhas conclusões.

Para mim, depois de tudo que analisei, não há a mais mínima duvida acerca da existência do roubo e de sua autoria.

Do que restou apurado –  com destaque para a confissão dos acusados  M. (claudicante, é verdade) e de A.(muito segura e definitiva), além das provas testemunhais antes analisadas  (J. L., J. C. S. e  G. S.) – ,  não tenho dúvidas de que os quatro acusados colaboraram para a prática do crime, tendo especial relevância a participação da acusada K., que foi quem, afinal, deu todas as dicas acerca do local onde poderia ser encontrado o dinheiro do ofendido.

Não fosse a participação de K. é claro que os acusados não saberiam onde encontrar o dinheiro do ofendido, a menos  tivessem dons divinos, poderes sobrenaturais.

A conduta dos acusados, ao agredirem, ao atentarem contra o patrimônio jurídico da vítima, é antinormativa e o fato materialmente típico, devendo, por isso, ser responsabilizados pessoalmente pela ação reprochável.

A conduta dos acusados M., A., A. e K.  não foi resultado de um ato involuntário, mas do desejo de vilipendiar, de ultrajar a ordem jurídica.

A conduta dos acusados se realizou mediante a manifestação da vontade dirigida a um fim, qual seja de  vilipendiar o patrimônio do ofendido, protegido juridicamente.

Os acusados transgrediram o preceptivo (ou regra primária) de um  norma penal incriminadora, porque praticaram um fato típico, daí ter-se dirigido a eles a pretensão punitiva do Estado, que culminará, alfim, com a inflição de pena (regra secundária).

Os acusados, conquanto tivessem plena consciência da ilegalidade do ato que praticaram, não se comportaram como era de se esperar, devendo, por isso, suportar os efeitos da ilicitude, consubstanciados no preceito secundário do tipo penal profanado.

Desobedecida a norma preceptiva pelos  acusados e atingindo os mesmos bem jurídico tutelado penalmente, fizeram nascer para o Estado, disse-o acima, o direito de penetrar no seu status libertatis, para privá-los, através da medida sancionadora correspondente, de um bem -a liberdade – até então garantido e intangível.

Das relações intersubjetivas que se estabelecem entre os homens em sociedade resulta, inevitável, o cometimento de crime. O crime é inevitável e é parte indissociável da vida em qualquer comunidade, pois que o crime é uma criação do homem. Mas o criminoso não pode ficar impune – pelo menos é isso que se espera. É por isso que, hic et nunc, está-se decidindo acerca da pena a ser infligida aos acusados M., A.S., A.C. e K. , que praticaram uma conduta típica e antijurídica.

Émile Durkeim, no século XIX, alertava que “o crime, além de ser um fenômeno normal, seria impossível uma sociedade que dele estivesse isenta. No dizer de DURKHEIM o crime chega até a desempenhar uma função útil na sociedade, posto que o crime (ato que ofende a sentimentos coletivos) constitui uma antecipação da moral futura e portanto indispensável à evolução da moral e do direito

Mas, se é cediço que o crime é um fenômeno normal, indissociável da nossa vida, não é menos verdadeiro que os agentes do Estado devem estar atentos para minimizar a sua existência. E quando não for possível – e não o é, efetivamente – impedir que os crimes aconteçam.

O que se espera, com sofreguidão, é que os autores de uma conduta ilícita respondam pelo crime que praticaram – e exemplarmente, definitivamente, sob pena de a sociedade não sobreviver.

O crime, já se sabe, é inevitável. Inevitável como a dor. Aquele e esta não nos aprazem, mas ocorrem. Ocorrendo, é preciso debelá-los – o crime e a dor. Para esta, ministra-se analgésicos;  para aquele, a pena, “constrangendo  o autor da conduta punível a submeter-se a um mal que corresponda  em gravidade ao dano por ele causado

Pode-se afirmar, a par dessas reflexões,  que ilícito penal   é  “a conduta humana que lesa ou expõe a perigo um bem jurídico protegido pela lei penal. Sua essência é a ofensa ao bem jurídico, pois toda norma penal tem por finalidade a sua tutela” .

A conduta dos acusados, não se tem a mais mínima dúvida, lesou, de forma intensa, o direito do ofendido.

A conduta dos acusados é criminosa, porque corresponde objetivamente à conduta descrita no artigo 157 do CP como crime.

A conduta dos acusados, portanto,  contrariou a ordem jurídica,  incorrendo os mesmos no juízo de censura ou reprovação social.

Além de corresponder a conduta dos acusados  à conduta descrita pela lei como criminosa, essa mesma conduta resultou representada “por um movimento corporal (ação) produzindo uma modificação no mundo exterior(resultado)

De relevo que se anote que ação dos acusados foi voltada a uma finalidade, qual seja, de desfalcar o patrimônio do ofendido.

Os acusados, assim, foram além do desejo, além da simples vontade, hipótese em que não haveria crime, sabido que “a simples vontade de delinqüir não é punível, se não for seguida de uma comportamento externo. Nem mesmo o fato de as outras pessoas tomarem conhecimento da vontade criminosa será suficiente para torná-lo puníveltendo em vista que “de internis non curat praetor. Não se pode perscrutar, com efeito, o que vai na psique humana ( Solus Deus est cordium scrutater).

Infere-se do exposto que, se o movimento corporal do agente não for orientado pela consciência e pela vontade não se pode falar, validamente, em ação.

À luz das considerações suso, é cediço que quem atua, ad exempli, impulsionado por uma força irresistível não age voluntariamente. Não agindo voluntariamente, não se há que falar em conduta humana e sem conduta humana, não se há de falar em crime.

O agente que atua compelido (compellere) por uma força exterior e irresistível, não é o dono, claro,  do ato material praticado. Não foi o caso, entrementes, dos acusados. Eles não sofreram nenhuma ação de qualquer agente externo. Eles simplesmente desejaram e fizeram. Entenderam que deveriam agredir o patrimônio do ofendido, e o fizeram efetivamente.

O ilícito penal, todos sabemos, ” é fruto exclusivo da conduta humana“. O CP declara que a causa produtora do resultado ( de que depende a existência do crime) é a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido(artigo 13)

É bem de concluir, assim, em face da denúncia formulada pelo Ministério Público, que os acusados, efetivamente,  ao cometerem o crime que se lhe atribui a prática, tinham consciência da ilicitude,  não foram compelidos por uma força exterior e a sua conduta se adequou ao ilícito contido na norma incriminadora apontada como violada.

A ação dos acusados foi, sim, “a causa criadora do resultado.” Quanto a isso não se tem a mais mínima dúvida,  a par do patrimônio probatório albergado nos autos e  examinado à exaustão.

O Ilícito penal (crime ou contravenção) é fruto exclusivo da vontade humana, disse-o acima. Mas essa vontade não pode estar viciada. E não estava nos autos presentes. Os acusados tinham plena e total consciência do que faziam, sabiam que agir hostilizando a ordem jurídica, mas, ainda assim, agiram,quando podiam, se quisessem, ter agido secundo ius.

A conduta implica vontade, desejo, nunca é demais repetir.  A conduta, para interessar ao direito penal, tem que ser voluntária,  voltada para uma finalidade, porque é inconcebível que haja vontade de nada ou vontade para nada. E a vontade dos acusados estava, sim, voltada para agredir o patrimônio do ofendido.

Infiro do contexto de prova, que a vontade, que o desejo que impulsionou os acusados para a realização do tipo penal não estavam  viciados.

Os acusados queriam, desejavam roubar o ofendido e o fizeram, devendo, por isso, ser punidos – e exemplarmente, para que sirva de lição para aqueles que insistem em afrontar a ordem pública.

Os acusados, agora, em face dos crimes que praticaram, devem ser responsabilizados criminalmente, ou seja, devem receber do Estado a correspondente sanção penal.

É consabido que sempre que alguém pratica uma ação típica, id. est., quando a ação de um ser dotado de vontade se amolda ao modelo abstrato que o legislador definiu como  crime, há a violação do dever de obediência que o Estado impõe erga omnes no preceito penal incriminador.

O autor de um fato típico, portanto,  descumpre uma obrigação que lhe é imposta na norma penal em que descansa o direito subjetivo de punir – in abstracto –   do Estado, devendo se  submeter, por isso, à inflição de uma pena.

O descumprimento, pelo autor do delito, da obrigação  (obligatio) derivada da norma incriminadora, faz nascer para o Estado o direito concreto de punir, uma vez que lhe cabe o direito de impor a sanção prevista no preceito secundário (sanctio iuris) do comando normativo eventualmente hostilizado.

Bem por isso é que a regra secundária da norma penal incriminadora se apresenta como uma dupla e clara direção, qual seja, a de impor ao Estado a obrigação de punir, e, ao réu, a obrigação de se submeter às penas eventualmente infligidas, em face da ação delituosa praticada, digna, por isso,  de reproche, de exprobação ( exporbatio).

Aquele que, por ação voluntária, malfere a ordem jurídica, fazendo subsumir a sua ação no preceito primário de uma norma incriminadora, como fizeram os acusados, tem que arcar com as conseqüências jurídico-penais de sua ação, traduzida em uma pena.

Com a inflição (inflictio) de pena o que se quer, agora, é, dentre outras coisas, prevenir as ações criminosas e promover a segurança jurídica.

É, pois, com a pena que se estabelece o necessário controle social, com o que se pretende evitar que comportamentos desse jaez se realizem.

O Estado não pode deixar de, diante de um crime, aplicar a sanctio iuris ao transgressor, sob pena de estabelecer-se a anarquia, que nos levaria ao caos social.

Além do concurso de pessoas, o crime, ademais, restou qualificado em face do emprego de uma faca, a qual, entrementes, não foi apreendida, dado que não tem o condão de afastar a qualificadora, tendo em vista que a prova do seu uso é incontestável.

De tudo que restou apurado posso afirmar, ademais, que, além de duplamente qualificado o crime, ele restou consumado, ademais, vez que a res furtiva não mais foi incorporada ao patrimônio do ofendido.

A figura típica do crime de roubo, sabe-se, é composta pela subtração, que é uma característica do crime de furto, conjugada pelo emprego de grave ameaça ou violência contra pessoa.

Da ação dos acusados posso entrever, pois, que presentes estão, à evidência, a) a subtração; b) a finalidade da subtração ; c) a coisa alheia móvel; e d) o  emprego de grave ameaça, daí porque, reafirmo, a sua ação se amolda ao preceito primário do artigo 157 do CP.

O crime de roubo resta consumado, todos sabemos, “com a simples disponibilidade, ainda que momentânea, da res furtiva, desde que cessada a violência, prescindindo-se a posse tranqüila e a saída da coisa da esfera de vigilância da vítima“.

No caso presente, à toda evidência, os acusados desfalcaram o patrimônio do ofendido, definitivamente, daí a reafirmação de que o crime restou consumado.

A qualificadora do concurso de pessoas é inquestionável, pois que é mais do que ressabido que os  quatro acusados  praticaram o crime narrado na denúncia, cada um emprestando um tipo de colaboração, ligados pelo mesmo desejo, pelo mesmo sentimento,  pelo mesmo objetivo.

Os acusados, reafirmo, agiram dolosamente, pois que tinham consciência e vontade na realização das condutas típicas.

Os acusados tinham consciência de que o fato que tentou realizaram é ilícito (elemento cognitivo) mas, ainda assim, agiram. (elemento volitivo)

Conquanto os acusados tivessem consciência da ilegalidade do ato que praticaram, ainda assim agiram, devendo, agora, responder pelas conseqüências da ação reprochável, traduzidas em penas – privativas de liberdade e multa.

A pena, é da sabença comum, “é a sanção aflitiva imposta pelo Estado, mediante ação penal, ao autor de uma infração(penal), como retribuição de seu ato ilícito, consistente na diminuição de um bem jurídico, e cujo fim é evitar novos delitos.

O Estado não pode deixar de, diante de um crime, aplicar a pena ao transgressor, sob pena de estabelecer-se a anarquia, que nos levaria ao caos social. É, pois, com a pena que se estabelece o necessário controle social, com o que se prende evitar que comportamentos desse jaez se realizem.

Para Zaffaroni e Pierrangeli, “A pena não pode perseguir outro objetivo que não seja o que persegue a lei penal e o direito penal em geral: a segurança jurídica”. A pena deve aspirar a prover segurança jurídica, pois seu objetivo deve ser a prevenção de futuras condutas delitivas

Em face das considerações supra, restaram enfrentadas as teses da defesa, no que com elas conflitam com esta decisão, sendo  desnecessário, pois, a adição de qualquer outro argumento.

Resulta do exposto que, conquanto não se tenha enfrentado,  ponto a ponto, a tese da defesa, aqui não se está a editar sentença nula

Os Tribunais não estão infensos a esse entendimento, como se colhe das ementas abaixo,verbis:

 

PROCESSUAL PENAL – HABEAS CORPUS – ART. 12 DA LEI Nº 6.368/76 – SENTENÇA – NULIDADE – NÃO APRECIAÇÃO DE TESE DA DEFESA – ILICITUDE DE PROVAS – I – A sentença que, ao acolher a tese da acusação, contém satisfatória menção aos fundamentos de fato e de direito a ensejar o Decreto condenatório, não é nula, apenas pelo fato de não se referir explicitamente à tese da defesa, mormente se, pela sentença condenatória, restou claro que o Juiz adotou posicionamento contrário. (Precedentes). II – In casu, se a r. Sentença penal condenatória reputou válido o flagrante, nos termos do do art. 5º, XI da Constituição Federal, automaticamente afastou a tese da defesa de ilicitude das provas obtidas, em razão da ausência de mandado judicial. Writ denegado.

No mesmo sentido:

 

PENAL E PROCESSUAL PENAL – HABEAS CORPUS – ART. 214, C/C 224, “A”, DO CP – SENTENÇA CONDENATÓRIA – NULIDADE – OMISSÃO – EXAME DE TESE DA DEFESA – DESCLASSIFICAÇÃO PARA O ART. 61 DA LCP – Não é omissa a decisão que, fundamentadamente, abraça tese contrária à da defesa. No caso, reconhecido o atentado violento ao pudor com violência presumida, a rejeição da tese de desclassificação para a contravenção do art. 61 da LCP, por redundância, não precisava ser formalmente explicitada Precedentes do STJ e do Pretório Excelso). Ordem denegada.

 

Definido que os acusados, em concurso, praticaram o crime narrado na denúncia, devo, a seguir, expender considerações acerca das circunstâncias judiciais do artigo 59 do CP, para efeito de fixação das penas-base.

Pois bem. Do que dimana dos autos, apenas o acusado A. tem antecedentes criminais –lato sensu – ao que entrevejo da certidão de fls. 268.

Cediço, à luz do exposto, que as penas-base do acusado A.  deverão ser majoradas, convindo anotar que os seus antecedentes aqui estão examinados à luz de sua vida pregressa, do seu conceito e de sua conduta social.

O conceito de bons antecedentes, já consignei incontáveis vezes, para os fins de majoração da resposta penal, não deve ser limitar ao principio técnico-jurídico  da primariedade processual.

Na minha avaliação, por maus antecedentes pode o juiz considerar, até, o comportamento social, profissional e familiar do acusado. E o acusado, posso compreender, não tem, pra dizer o mínimo, boa conduta social, daí a inevitabilidade da majoração da resposta penal.

Para mim, não é justo que o acusado que responda a apenas um processo crime receba a mesma contrapartida penal de quem responde a outro processo, máxime porque, ao ser denunciado, o Ministério Público anteviu, no mínimo, indícios de que tenha praticado o crime.

Os maus antecedentes, a conduta social do acusado, a sua personalidade, o fato de responder a outro processo, tudo isso, enfim, devem ser considerados pelo magistrado, quando da fixação das penas-base.

Para que se possa concluir, validamente, que alguém tenha bons antecedentes, no conceito amplo, esse alguém não pode ter, na minha visão, nenhum envolvimento com crimes e a presunção de inocência, desde minha visão, não impede, por exemplo, que a existência de outro processo ou mesmo outro inquérito policial, seja levada em conta de maus antecedentes.

Sobreleva anotar, pelo prazer de argumentar, que “As circunstâncias judiciais previstas no artigo 59 do CP são da discricionária apreciação do magistrado, que, ao fixar a duração da pena, não está obrigado a analisar exaustivamente cada uma delas, bastando fixar-se nas reputadas decisivas para a dosagem“.

Importa refletir, ademais, que “a maneira de agir  e as demais circunstâncias do crime devem ser consideradas para fins de adoção de pena-base, pois o dolo intenso, a violência e a ameaça desnecessárias, e o tempo da ação são dados que sempre devem ser pesados na fase inicial da fixação da reprimenda, dentre os limites máximo e mínimo da Lei, em obediência ao disposto no art. 59 do CP, como forma de individualização da punição“.

Tudo de essencial posto e analisado, julgo procedente a denúncia, para, de conseqüência, condenar os acusados M., brasileiro, solteiro, ajudante de pedreiro,  filho de B., residente e domiciliado à Rua X, nº 10, Vila Isabel Cafeteira, Cohab Anil III, A. S., vulgo Bodão, brasileiro, solteiro, ajudante de pedreiro, filho de G. e M., residente e domiciliado à Rua X, nº 13, Vila Isabel Cafeteira, nesta cidade, A. C., brasileiro, solteiro, flanelinha, filho de A. e de M., residente e domiciliado à Rua X , nº Y, Vila Isabel Cafeteira, Cohab Anil, nesta cidade, e K. brasileira, empregada doméstica,  filha de S. e M., residente e domiciliada à Rua X, nº 25, Vila Isabel Cafeteira, Cohab Anil III, nesta cidade, por incidência comportamental no artigo 157,§2º I e II, c/c artigo 29, ambos do CP, cujas penas passo a fixar a seguir.

 

Þpara o acusado M., por incidência comportamental no artigo 157 do CP, fixo as penas-base em 04(quatro anos) de reclusão e 10 (dez) DM, à razão de 1/30 do SM vigente à época do fato, sobre as quais faço incidir mais 1/3, em face das causas especiais de aumento de pena previstas nos incisos I e II, do §2º, do artigo 157 do CP, as quais torno definitivas em 05(cinco) anos, 04(quatro)meses e 13(treze)DM, devendo a pena-privativa de liberdade ser cumprida, inicialmente, em regime semi-aberto, ex vi legis;

 

-para o acusado A., vulgo Bodão, por incidência comportamental no artigo 157 do CP, fixo as penas-base em 04(quatro anos) de reclusão e 10 (dez) DM, à razão de 1/30 do SM vigente à época do fato, sobre as quais faço incidir mais 1/3, em face das causas especiais de aumento de pena previstas nos incisos I e II, do §2º, do artigo 157 do CP, as quais torno definitivas, em 05(cinco) anos, 04(quatro)meses e 13(treze)DM, devendo a pena-privativa de liberdade ser cumprida, inicialmente, em regime semi-aberto, ex vi legis;

 

-para a acusada K., por incidência comportamental no artigo 157 do CP, fixo as penas-base em 04(quatro anos) de reclusão e 10 (dez) DM, à razão de 1/30 do SM vigente à época do fato, sobre as quais faço incidir mais 1/3, em face das causas especiais de aumento de pena previstas nos incisos I e II, do §2º, do artigo 157 do CP, as quais torno definitivas, em 05(cinco) anos 04(quatro)meses e 13(treze)DM, devendo a pena-privativa de liberdade ser cumprida, inicialmente, em regime semi-aberto, ex vi legis;

e

-para o acusado A.   C.,por incidência comportamental no artigo 157 do CP, fixo as penas-base em 05(cinco) anos de reclusão e 12(doze)DM, à razão de 1/30 do SM vigente à época do fato, sobre as quais faço incidir mais 1/3, em face das causas especiais de aumento de pena previstas n§2º, I e II, do artigo 157, do CP, totalizando, definitivamente, 06(seis) anos e 08(oito)meses de reclusão e 16(dezesseis)DM, devendo a pena privativa de liberdade ser cumprida, inicialmente, em regime fechado, em face do que prescreve o §3º, do artigo 33, do DP.

Ao longo da instrução decretei a prisão preventiva dos acusados. (fls. 248/252 e 302/304)

Os motivos que renderam ensanchas  à adoção da medida de força permanecem inalterados, razão pela qual revigoro, aqui e agora, os efeitos dos decretos editados.

Além do mais, as circunstâncias em que ocorreu o crime, a invasão da casa da vítima, um aposentado e com problemas sérios de saúde, demonstram, à evidência, toda a perigosidade dos acusados, a legitimar, também por isso, a manutenção de sua prisão.

O crime de roubo é um dos crimes mais graves do nosso elenco de tipos penais, exigindo, por isso, rigor no tratar dessas questões.

Na minha avaliação, quem se arma, quem se une, enfim, a outros meliantes para assaltar, demonstra, quantum suficcit, ser perigoso, devendo, por isso, receber do estado, por seus agentes, tratamento na mesma proporção da perigosidade demonstrada.

Os assaltantes têm  infernizado a vida de todos nós. Não temos paz nem mesmo dentro da nossa própria residência, pois nada mais os intimida, como bem se viu no caso presente.

É por isso e por várias outras razões que, de regra, não concedo liberdade provisória a roubadores, o fazendo, sempre, em homenagem à ordem pública.

Grafe-se que a decisão aqui albergada  não se traduz em nenhuma injustiça, a vilipendiar quaisquer dos direitos fundamentais dos acusados, pois que a mesma Constituição que prescreve a presunção de inocência, admite, de outra parte, a prisão cautelar.

O só fato de os acusados, ad exempli, serem primários e não terem maus antecedentes,stricto sensu, não se constitui em obstáculo à sua segregação provisória, se dos autos despontam, à farta, razões para  adoção da medida de força.

A propósito dos maus antecedentes dos acusados, o Superior Tribunal de Justiça  na mesma senda da decisão aqui encartada,     como se colhe da ementa abaixo transcrita,verbis:                  

RHC 12890 / CE ; RECURSO ORDINARIO EM HABEAS CORPUS 0002/0061857-8 Fonte DJ DATA:03/02/2003 PG:00318 Relator Min. FELIX FISCHER (1109) Ementa PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ARTS. 157, § 2º, I, II e III; 159, § 1º C/C ART. 288 DO CÓDIGO PENAL. LIBERDADE PARA APELAR. MAUS ANTECEDENTES CONSIGNADOS EXPRESSAMENTE NA SENTENÇA. AUSÊNCIA DE ANOTAÇÕES PENAIS. NECESSIDADE DA CUSTÓDIA PROVISÓRIA.I – Não faz jus ao direito de apelar em liberdade o réu portador de maus antecedentes, por não atender o disposto no artigo 594 do CPP.II – O Juiz não fica adstrito à ausência de anotações penais contra o acusado na análise de seus antecedentes, podendo, diante das circunstâncias do crime e de sua personalidade, concluir possuir ele maus antecedentes, não lhe concedendo, portanto, o direito de recorrer em  liberdade. III – A condição de réu foragido durante toda a instrução criminal é suficiente para motivar a sua  custódia preventiva.Recurso desprovido.

O Supremo Tribunal Federal, enfrentando questão do mesmo matiz, já proclamou que  “na aferição dos bons antecedentes do réu não fica o juiz adstrito à objetividade de ausência de antecedentes penais e à ignorância de fatos negativos. Pode o juiz, em face das circunstâncias do crime e da personalidade do titular concluir validamente pela inexistência de bons antecedente a que fica,na lei, subordinado o direito de apelar solto o réu

A propósito do crime de roubo e da prisão, em face da gravidade do crime,já tive a oportunidade de refletir no blog – http://www.joseluizalmeida.wordpress.com   onde expendi as seguintes considerações, verbis:

“A comunidade em que vivem o acusado e a vítima, sobreleva refletir, não entenderia como é que se afronta, de forma acerba, a ordem pública, e, em seguida, o meliante é colocado em liberdade, recebendo um “passaporte”, chancelado pelos agentes públicos, para, outra vez, macular, afrontar a ordem pública.

Essa situação, esse quadro, essa sensação, não tenho dúvidas, trazem descrença à nossas instituições – PODER JUDICIÁRIO, MINISTERIO PÚBLICO e POLÍCIA – e, mais grave ainda, estimula o exercício arbitrário das próprias razões.

A sociedade tem que acreditar, precisa acreditar que nós, agentes públicos, estamos vigilantes, atentos para, sendo o caso, tirar de circulação aqueles que teimam em afrontar a ordem pública, como se vivessem em terra sem dono e sem ordem.

Por essas e por outras razões é que tenho indeferido, sem hesitação, os pedidos formulados nesse sentido, em homenagem à ordem pública.
A perigosidade do autor de crimes desse jaez desautoriza a restituição de sua liberdade. A ordem pública não pode ficar à mercê das ações criminosas desse matiz, ainda que o acusado seja primário e possuidor de bons antecedentes.

É lamentável que muitos só se sensibilizem com a violência quando têm um membro de sua família vitimado por ela.

Ante situações que tais, não faço concessões, não tergiverso, não faço graça. A liberdade de um meliante vem sempre em detrimento das pessoas de bem. Dá-se liberdade a eles e nós outros somos compelidos a renunciar à nossa. A ordem pública, por isso, reclama a manutenção da prisão do acusado, em sua homenagem.

Reconheço os efeitos deletérios da prisão, máxime a não decorrente de um título executivo definitivo. Essa é uma questão que a todos preocupa, mas que não pode ser invocada como razão para colocar em liberdade quem demonstra não ter qualquer preocupação com a ordem estabelecida.
Anoto que em torno dessa questão não estou isolado. Com efeito, a jurisprudência sedimentada tem proclamado, à exaustão, que ‘a gravidade do delito, com sua inegável repercussão no meio social, justifica, por si só, a custódia antecipada do seu autor, ainda que primário, de bons antecedentes e outros fatores favoráveis’(RSTJ 104/474)”.

No mesmo blog, em outra oportunidade, também refleti, a propósito do crime de roubo,verbis:

“…Os assaltantes não escolhem cor, credo, raça, idade ou posição social. Assaltam o pobre, o preto, o branco, o rico, o alto, o baixo, o bonito, o feio, o desembargador, o juiz, o ministro do Supremo Tribunal Federal, o Ministro da Fazenda, o filho do ministro, o amigo do ministro, o promotor de justiça, o filho do promotor, o delegado, o policial, o defensor público, a criança, o adulto, o velho, o novo, o sadio e o doente. E qualquer um pode sucumbir diante da arma de um assaltante, bastando, para tanto, que se tente tão-somente frustrar-lhes a expectativa.  Nesse contexto deve-se, sim, punir o  meliante, exemplarmente,  para preservar o pouco de liberdade que ainda nos resta e para desestimular  a prática de crimes. Nós, julgadores, não podemos nos aliar à arrogância e ao descaso de nossas elites e governantes, para os quais essas questões só são levadas à ribalta no período eleitoral…”

Ponderei, ademais:

“…Não é admissível que a violência se espraia sobre a sociedade sob os nossos olhos. Não é aceitável que sejamos magnânimos com o roubador. A nossa magnanimidade pode ser confundida com covardia, fraqueza, falta de sensibilidade. Nós não precisamos esperar que se sacrifique outro J.H., para, só depois, clamar aos céus pedindo Justiça…”

Estimulei de outra feita:

 

“…O agente público, desde o meu olhar, deve, ao deparar-se com acusado da prática de roubo,  qualificado ou não, envidar esforços para segregá-lo, como garantia da ordem pública, ou mantê-lo segregado, se preso já estiver, sob o mesmo fundamento. Não deve, portanto, entre uma e outra situação, agir com parcimônia…”

“…Sobreleva gizar, nessa mesma linha de argumentação, que o que  se pretende, ademais, com uma medida de força, é prevenir a sociedade das ações deletérias dos meliantes, sem que isso implique  julgamento ante tempus. É que a crônica policial já registrou inúmeros, incontáveis episódios em que as vítimas de um assalto, ao esboçarem a mais mínima reação – ou apenas um gesto interpretado como uma reação – sucumbiram diante da arma de um meliante, o que me faz crer que, no caso sob análise, só por muita sorte a vítima está viva para contar a história…”

“…A comunidade em que vivem o acusado e a vítima, sobreleva refletir, não entenderia como é que se afronta, de forma acerba, a ordem pública, e,em seguida, o meliante é colocado em liberdade, recebendo um “passaporte”, chancelado pelos agentes públicos, para, outra vez, macular, afrontar a ordem pública…”

“…Essa situação, esse quadro e essa sensação, não tenho dúvidas, trazem descrença à nossas instituições – PODER JUDICIÁRIO, MINISTERIO PÚBLICO e POLÍCIA – e, mais grave ainda, estimula o exercício arbitrário das próprias razões…”

“…A sociedade tem que acreditar, precisa acreditar que nós, agentes públicos, estamos vigilantes, atentos para, sendo o caso, tirar de circulação aqueles que teimam em afrontar a ordem pública, como se vivessem em terra sem dono e sem ordem…”.

Em recente decisão incidental – pronúncia -, nos autos do processo nº 7852005,  decretei a prisão provisória do acusado, e o fiz sob os seguintes fundamentos, litteris:

O acusado está preso, mas a sua prisão não decorre de decisão emanada deste juízo. O acusado, devo dizer, em face de seus maus antecedentes – lato sensu -, está desautorizado a retornar ao convívio social, pois que, a considerar as suas próprias afirmações, responde a processo-crime na 4ª e na 5ª Varas Criminais, do que se infere que, solto, representa um perigo à ordem pública.

A liberdade, todos sabem, é um dos mais relevantes bens a receber proteção do Estado. Mas a liberdade, pese a presunção de inocência, é relativa. Pode, sim, ser sacrificada, quando a ordem pública passa a reclamar a prisão de um acusado, ainda que seja primário e possuidor de bons antecedentes.

O Estado, em situações semelhantes à albergado nos autos sub examine,  pode – e deve –  interferir, com rigor, se a liberdade de alguém pode colocar em risco a sociedade.

É claro, é lógico, é cediço, que toda prisão é odienta e que deve ser limitada, por isso mesmo, a casos em que a perigosidade do acusado seja evidente. No caso presente, creio que não se tem a mais mínima dúvida de que o acusado, solto, representa um perigo à ordem pública.  Não pode, por isso, ser colocado em liberdade.  A presunção de inocência é princípio relevantíssimo em uma democracia, mas não pode ser invocado para obstar uma prisão, se o autor do fato tem uma vida prenhe de deslizes e, em liberdade, pode, com muita probabilidade, voltar a atormentar a ordem pública.

A prisão provisória, todos sabemos,  é uma medida cautelar pessoal detentiva, de caráter excepcional, que  se justifica como uma garantia de preservação da ordem pública,  presentes o fumus boni iuris e o periculum in mora. A consagração do princípio da inocência, nada obstante, não tem o condão de afastar a constitucionalidade das espécies de prisões provisórias existentes em nosso ordenamento jurídico.  Elas prosseguem sendo, por isso, pacificamente, reconhecidas pela doutrina e pela jurisprudência. Elas são, muitas vezes, uma necessidade e como tal, podem, sim, validamente incidir sobre status libertatis de  um acusado.

A regra, à luz da nova ordem constitucional, é o acusado recorrer em liberdade de eventual decisão condenatória ou de pronúncia, objetivando a reforma de uma decisão. Mas essa  regra, admite exceções, quando o recolhimento provisório do réu à prisão se faz necessária, na forma inscrita no art. 312, do CPP. E o recolhimento provisório do acusado, não tenho dúvidas, em face do acima expendido, é uma necessidade, premente necessidade, em tributo à ordem pública.

A prisão cautelar, tenho reiterado, é uma medida violenta. Nesse diapasão têm decidido os nossos Sodalícios. Por isso mesmo só deve ser buscada como ultima ratio, na medida de sua necessidade. No caso presente, pelas razões acima mencionadas, a prisão provisória do acusado é medida que se impõe.

A prisão provisória, em casos que tais, não tortura a presunção de inocência. In casu há que se conviver as duas situações não se excluem. É dizer que como uma situação – a prisão provisória – não se  magoa a outra – a presunção de inocência. É que a medida que aqui se adota tem a marca da indeclinabilidade, da imprescindibilidade, da inarredabilidade, conquanto presuma-se inocente o acusado.

Constrangimento ilegal haveria, entristecimento da presunção de inocência se notaria, se fosse determinada a prisão do acusado, sem que fosse demonstrada a sua necessidade.

Luiz Flávio Gomes,  a propósito da prisão cautelar, relembra,verbis:

O eixo, a base, o fundamento de todas as prisões cautelares no Brasil residem naqueles requisitos da prisão preventiva. Quando presentes, pode o Juiz fundamentadamente decretar qualquer prisão cautelar; quando ausentes, ainda que se trate de reincidente ou de quem não tem bons antecedentes, ou de crime hediondo ou de tráfico, não pode ser decretada a prisão antes do trânsito em julgado da decisão’ . ( Estudos de Direito Penal e Processo Penal. São Paulo: RT, 1999).

À luz do art. 312 do CPP pode-se inferir que a prisão preventiva só  não atormenta o princípio da presunção de inocência, se for  decretada – como se ver em o caso sob retina –  para atender a sua finalidade cautelar, presentes o fumus boni iuris representado pelos seus pressupostos, e configurado o periculum libertatis, com a demonstração de que a liberdade do acusado colocará em risco a ordem pública.

Vivemos numa quadra de violência tão exacerbada, que, na minha avaliação, não se pode, sob o manto da presunção de inocência, obstar a decretação de uma prisão de réus perigosos, ainda que não sejam reincidentes, ainda que seja primário.

O acusado, todos sabemos,  com a  presunção de inocência, deixou de ser um mero objeto do processo. Mas a sua condição, nos dias presentes, de sujeito de direitos dentro da relação processual, não lhe garante liberdade de forma incondicional. A decretação da prisão do acusado, em face dos seus antecedentes, devo redizer, não torna o processo sub examine um instrumento injusto ou de opressão, nem fere a par conditio; não o torna inferior em face do órgão oficial do Estado. O acusado continua sendo um sujeito de direitos. E seus direitos constitucionais não deixaram de ser respeitados, em face desta decisão, cujo objetivo primordial é a garantia da ordem pública.

Com as considerações supra, decreto a prisão do acusado G. T. M., para que, preso, aguarde o julgamento de eventual recurso tomado desta decisão.

Expeça-se, pois, o necessário mandado de prisão, em três vias, uma das quais lhe servirá de nota de culpa.

P.R.I.

Preclusa a via de impugnação, encaminhem-se os autos à distribuição, para os devidos fins, com a baixa em nossos registros.

São Luis, 13 de março de 2007.

Juiz José Luiz Oliveira de Almeida

   Titular da 7ª Vara Criminal “

 

Todos os argumentos supra incorporo a esta decisão, como fundamento para manutenção da prisão dos acusados.

P.R.I.C.

Com o trânsito em julgado desta decisão, lançar o nome dos réus no rol dos culpados e extrair Carta de Sentença.

Remetam-se os autos principais, depois de expedida a necessária carta de sentença, ao arquivo, com a baixa em nossos registros.

Façam-se as comunicações necessárias, especialmente à distribuição, para os devidos fins.

Custas, na forma da lei.

 

São Luis, 20 de novembro de 2008.

 

Juiz José Luiz Oliveira de Almeida

           Titular da 7ª Vara criminal


Lembremos, ainda, que o monopólio de distribuição de justiça e o direito de punir cabem, como regra, ao Estado, vedada a autodefesa e a autocomposição. Evita-se, com isso,  que as pessoas passem a agredir umas as outras, a pretexto de estarem defendendo seus direitos. (Guilherme de Souza Nucci, in Manual de Processo e Execução Penal, Editora revista dos Tribunais, 2005, p.157)

Como se sabe, a aplicação de sanções é, hoje, função privativa do Estado, isto é, o Estado é o único autorizado a impor uma pena a um infrator, ainda que essa pena seja determinada por lei.

     Dessa forma, é preciso assegurar um meio pelo qual a ocorrência do crime chegue ao conhecimento do Estado. Se isso não ocorrer – se um órgão do Estado não vier a conhecer com mínima precisão o autor e as circunstâncias da prática delituosa – abre-se oportunidade para que ocorram inúmeras injustiças, consubstanciadas na condenação de pessoas inocentes, ou na impunidade de que seja culpado.( Edílson Mougenot Bonfim, Curso de Processo Penal, 4ª edição, Editora Sraiva,  2008, p.97)

“O sistema acusatório por nós adotado coloca o juiz na verdadeira função de órgão estatal eqüidistante do conflito de interesse entre as partes. O juiz julga e aplica a lei, porém quem assume o papel de manifestar a pretensão punitiva é o Ministério Público”( Paulo Rangel, Direito Processual Penal, Lúmen Júris, 2001, p.287)

O inquérito policial tem conteúdo e informativo, mas as provas nele albergadas podem, sim, ser buscadas para compor, integrar fortalecer o conjunto probatório. Os princípios do contraditório e da ampla defesa, é verdade, não se aplicam no inquérito policial, mas nem por isso se pode deixar de buscar dados nele  coligidos para composição da prova judicial. O que não se pode, sob qualquer pretexto, é decidir com base exclusivamente em provas extrajudiciais.

O Estado e o titular exclusivo do direito de punir que só se efetiva mediante o processo legal, o qual tem início com a propositura da ação penal. Segue que, em regra, cabe aos órgãos do próprio Estado a tarefa persecutória. Entre nós, atribui-se a investigação prévia à autoridade policial (polícia civil ou polícia federal, CF, art. 144, incisos e parágrafos) ou àquelas autoridades administrativas a quem a lei  cometa a mesma função, qual, a de polícia judiciária(CPP, art. 4º parágrafo único), ao passo que a ação penal pública fica a cargo exclusivo do Ministério Público.(CF, art.129, I) (Fernando Capez,  Curso de Processo Penal, 13ª edição, Saraiva, 2005, p.117)

Dos mais importantes no processo acusatório é o princípio do contraditório (ou da bilateralidade da audiência), garantia constitucional que assegura a ampla defesa do acusado (artigo 5º, LV).  Segundo ele, o acusado goza do direito de defesa sem restrições, num processo em que deve estar assegurada a igualdade das partes. (Júlio Fabbrini Mirabete, Processo Penal, 17ª edição, Editora Atlas, 2005, p. 47).

Émile Durheim, apud LEONARDO ISAAC YAROCHEWSKY, Violência e Direito Penal, Boletim Ibccrim, ano.12, nº 145, dezembro – 2004

Damásio Evangelista de Jesus, Direito Penal,  Saraiva, Vol. I, Parte Geral, p.03

E. Magalhães Noronha, ob.cit. p. 94

César Roberto Bittencourt,  Manual de Direito Penal, Parte Geral, Vol.I, Saraiva, p.137

César Roberto Bittencourt,   Manual de Direito Penal,  ob.cit. p. 160

René Ariel Dotti, Curso de Direito Penal,  Parte Geral,  Forense, 2º Edição, p. 303.

Basileu Garcia,   Instituições, Vol. I, p. 219.

  Sempre que alguém pratica uma ação típica, id. est., quando a ação de um ser dotado de vontade se amolda ao modelo abstrato que o legislador definiu como  crime, há a violação do dever de obediência que o Estado impõe erga omnes no preceito penal incriminador. O autor de um fato típico, portanto,  descumpre uma obrigação que lhe é imposta na norma penal em que descansa o direito subjetivo de punir,  in abstracto,  do Estado.

       Do descumprimento, pelo autor do delito, da obrigação derivada da norma incriminadora, faz nascer para o Estado o direito concreto de punir, uma vez que lhe cabe o direito de impor a sanção  prevista no preceito secundário(sanctio iuris)  do comando normativo eventualmente afrontado.

       Assim é que o legislador ordinário fez inserir no nosso ordenamento jurídico, ad. exempli, um comando normativo que diz ser crime a tortura. Bem por isso é que a regra secundária da norma penal incriminadora se apresenta como uma dupla e clara direção, qual seja, a de impor ao Estado a obrigação de punir, e, ao réu, a obrigação de sofrer a pena.

       A norma incriminadora é, assim, uma garantia que o réu tem de não   ser punido além dos limites estabelecidos no preceito sancionador, direito a que corresponde, de parte do Estado, o dever de não impor outras sanções que não aquelas previstas no preceito secundário da norma incriminadora. (blog http://www.joseluizalmeida.wordpress.com – de responsabilidade do magistrado José Luiz Oliveira de Almeida, juiz titular da 7ª Vara Criminal de São Luis, Maranhão)

  A pena, é da sabença comum, “é a sanção aflitiva imposta pelo Estado, mediante ação penal, ao autor de uma infração(penal), como retribuição de seu ato ilícito, consistente na diminuição de um bem jurídico, e cujo fim é evitar novos delitos”. (Damásio Evangelista de Jesus, in  Direito Penal, Parte geral, Vol. I, Saraiva, 1988, p. 457)

     A pena não pode perseguir outro objetivo que não seja o que persegue a lei penal e o direito penal em geral: a segurança jurídica. A pena deve aspirar a prover segurança jurídica, pois seu objetivo deve ser a prevenção de futuras condutas delitivas” . [16](Eugenio Raúl  Zaffaroni e  José Henrique Pierangeli, Manual de Direito Penal, Parte Geral, editora Revista dos Tribunais, 1999, p.103/104).

   O sistema punitivo, na lição de HELENO CLÁUDIO FRAGOSO, se constitui “o mais rigoroso instrumento de controle social. A conduta delituosa é a mais grave forma de transgressão de normas. A incriminação de certos comportamentos destina-se a proteger determinados bens e interesses, considerados de grande valor para a vida social. Pretende-se, através da  incriminação, da imposição da sanção e de sua efetiva execução evitar que esses comportamentos se realizem. O sistema punitivo do estado destina-se, portanto, à defesa social na forma em que essa defesa é entendida pelos que têm o poder de fazer as leis. Esse sistema opera através da mais grave sanção jurídica, que é a pena…” (Heleno Cláudio Fragoso, in  Lições de Direito Penal, Parte Geral, 16ª Edição, 2004, Editora Forense, p.343).

STJ, Rel. Min. Paulo Medina, 6ª T., um. REsp. 476.375-0, MG, j. 26/06/2003

Mister ressaltar que o jus puniendi, de titularidade do Estado, mais do que um direito, é um dever estatal. Com efeito, na sua atribuição de manter a ordem e a paz social, afrontadas pelo comportamento agressor,  é necessária a  punição aos infratores da lei penal. O Estado proíbe o exercício, por seus cidadãos,  da autotutela, o que configura, ainda, o crime prevista no art. 345 (exercício arbitrário das próprias razões). Como contrapartida, deve  prover a punição aos que afrontam os bens e interesses  relevantes à sociedade. ( Edílson Mougenot Bonfim, Curso de Processo Penal, 4ª edição, editora Saraiva, 2008, p. 98)

Damásio Evangelista de Jesus, in  Direito Penal, Parte geral, Vol. I, Saraiva, 1988, p. 457

Eugenio Raúl  Zaffaroni e  José Henrique  Pierangeli, Manual de Direito Penal Brasileiro, Parte Geral, Editora Revista dos Tribunais, 2ª edição, 1999, p.103/104.

STJ – HC 34618 – SP – 5ª T. – Rel. Min. Felix Fischer – DJU 13.12.2004 – p. 00388) JCF.5 JCF.5.XI )

STJ – HC 35917 – MS – 5ª T. – Rel. Min. Felix Fischer – DJU 08.11.2004 – p. 00261) JCP.214 JCP.224 JCP.224.A JLCP.61

STF, HC 73:394-8, Rel. Moreira Alves, DJU, 21.03.1997, P. 8504

RT 641/397-8

  RJDTACRIM 32/268

RHC 12890 / CE ; RECURSO ORDINARIO EM HABEAS CORPUS 0002/0061857-8 Fonte DJ DATA:03/02/2003 PG:00318 Relator Min. FELIX FISCHER (1109) Data da Decisão 07/11/2002 Òrgão Julgador T5 – QUINTA TURMA.

RTJ 97/180

Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria. (Redação dada pela Lei nº 8.884, de 11.6.1994)

Essa decisão pode ser encontrada no blog  http://www.joseluizalmeida.wordpress.com – , de responsabilidade do magistrado prolator desta decisão.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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