As férias e os livros

CRIME E CASTIGO retrata, dentre outras coisas, a angústia de um assassino, que pretendia, a qualquer custo, ascender socialmente, culminando essa obsessão no assassinato de duas pessoas. Um deles planejado e o outro em face das circunstâncias. O assassino, no entanto, atormentado pelos crimes, não usufruiu do produto do roubo, decidindo, depois de idas e vindas, de pensar e repensar, confessar os crimes, em razão dos quais foi condenado e mandado para Sibéria. É a reafirmação, pura e simples, da máxima segundo a qual o crime não compensa.

Juiz José Luiz Oliveira de Almeida

Titular da 7 ª Vara Criminal

Volto ao trabalho amanhã, dia 1º de agosto. Amanhã recomeça a minha luta para fazer Justiça. Tenho a exata noção do que me aguarda. Os processos, por óbvias razões, devem estar acumulados. Não me preocupo, no entanto. Sou daqueles que faz o que gosta e ainda sou bem remunerado. Não tenho, pois, do que reclamar.Termino as minhas férias com um saldo positivo em termos de leitura. Li e reli vários clássicos da literatura mundial – MADAME BOVARY, O PRIMO BASÍLIO, O CRIME DO PADRE AMARO, CRIME E CASTIGO, A DAMA DAS CAMÉLIAS, dentre outros. Além dos clássicos li três livros que me impuseram intensa reflexão, porque retirados do mundo real – ABUSADO, de Caco Barcellos, A SANGUE FRIO, de Capote, e FALCÃO –Meninos do Tráfico, de MV Bill e Celso Athayde.
ABUSADO, O Dono do Morro Santa Marta, que cuida das atividades do falecido traficante Marcinho VP, publicado em primeira edição no ano de 2003, é um livro impressionante, daqueles que revelam, em profundidade, o poder do crime organizado, as condições dos nossos presídios e a tortura e a corrpução policial. É um livro imperdível, pois que retrata, como poucos, a promiscuidade entre Estado oficial e Estado paralelo. Há passagens no livro que estarrecem, que impressionam pela violência.

A SANGUE FRIO, da década de 60, é outro livro que, apesar do tempo em que foi escrito, não pode deixar de ser lido, pois que retrata, como poucos, a frieza e a torpeza de dois desajustados, os quais conviviam com os seus parecentes, como se pessoas normais fossem.

FALCÃO – MENOS DO TRÁFICO, apesar de não ser um livro estonteante, impressiona pelo que contém de informações acerca do recrutamento de menores para o tráfico. Impressiona, ademais, pela reafirmação do péssimo conceito que tem o sistema de segurança junto às comunidades mais carentes.

Dos clássicos me deleitei, depois de mais de trinta anos, na releitura três extraordinários romances: dois de Eça de Queiroz – O PRIMO BASÍLIO e O CRIME DO PADRE AMARO, e um de Dostoievesk, CRIME E CASTIGO.

Foi um prazer inenarrável relê e reavaliar a grandeza dessas três magníficas obras, as quais impactaram a sociedade de antanho, por albergarem temas controvertidos. O CRIME DO PADRE AMARO, obra anticlerical, por exemplo, publicado em 1875, provocou protestos da Igreja Católica, por cuidar de orgias sexuais do sacerdote, de Leiria, Província de Portuqal, no tórrido romance com Amélia Caminha, filha de sua hospedeira.

O PRIMO BASÍLIO me fez reavaliar a insuportabilidade de uma vida a dois, quando ela se torna monótona e desprazerosa. Não a suporta nem o homem e nem a mulher. Nesse contexto, a traição emerge, muita vezes, como a mais provável opção. Foi o que ocorreu, efetivamente com Amélia, desprovida de valores espirituais ou morais, a qual, aproveitou-se da ausência do seu marido, que viajou ao Alantejo, reatou o romance com seu primo, Basílio, recém chegado de uma longa viagem.

CRIME E CASTIGO retrata, dentre outras coisas, a angústia de um assassino, que pretendia, a qualquer custo, ascender socialmente, culminando essa obsessão no assassinato de duas pessoas. Um deles planejado e o outro em face das circunstâncias. O assassino, no entanto, atormentado pelos crimes, não usufruiu do produto do roubo, decidindo, depois de idas e vindas, de pensar e repensar, confessar os crimes, em razão dos quais foi condenado e mandado para Sibéria. É a reafirmação, pura e simples, da máxima segundo a qual o crime não compensa.

A releitura desses três clássicos me estimulou a relê outros tantos clássicos. Vou fazê-lo, logo, logo, sem mais delongas. O prazer da leitura não é comparável a qualquer outra prazer. Espera-me nas prateleiras da minha bibilioteca Machado de Assis, Dostoievski, José de Alencar e Aluísio Azevedo, dentre outros.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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