Direito em movimento

Destaco, no voto que pubico a seguir,  a extemporaneidade do apelo, posto que pendente de julgamento os aclaratórios manejados.

O entendimento aqui esposado foi no sentido de que, interposto o apelo, antes da existência da decisão recorrida, ou seja, quando ela ainda não tinha existência jurídica, posto que pedente de julgamento, repito, os embargos declaratórios, inviabilizou o conhecimento da irresignação, por intempestiva.

Tivesse o apelante, na esteira do entendimento do Supremo Tribunal Federal, no prazo recursal, ratificado o apelo, não poder-se-ia apontar a intempestividade da inconformação. 

Os Tribunais, a propósito, têm decidido, à farta, nesse sentido, como se colhe da decisão, citada no voto, segundo a qual “é extemporâneo recurso de apelação interposto antes do julgamento dos embargos de declaração.

A seguir, o voto, por inteiro.

PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL

Sessão do dia 09 de agosto de 2011.

Nº Único: 0000219-46.2006.8.10.0067

Apelação Criminal nº 009973/2011- Anajatuba(ma)

Apelante : E. de J. M. L.
Advogado : A. S. C.
Apelado : Ministério Público Estadual
Incidência Penal : Art. 214, c/c 224, do CP
Relator : Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida

 

Acórdão nº 104816/2011

 

 

Ementa. APELAÇÃO CRIMINAL. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. VIOLÊNCIA PRESUMIDA. RECURSO INTERPOSTO ANTES DO JULGAMENTO DOS EMBARGOS DECLARATÓRIOS. AUSÊNCIA DE POSTERIOR RATIFICAÇÃO. EXTEMPORANEIDADE MANIFESTA. NÃO CONHECIMENTO.

1. A interposição do recurso de forma prematura, isto é, pendente julgamento dos aclaratórios, impede o conhecimento da impugnação, diante de sua extemporaneidade.

2. Mesmo que inexista a possibilidade de modificação da decisão embargada, o julgamento dos embargos declaratórios passa a integrá-la, fazendo-se necessária posterior ratificação ou reiteração no prazo legal.

3. Apelo não conhecido.

 

 

Acórdão – Vistos, relatados e discutidos os presentes autos em que são partes as acima indicadas, ACORDAM os Senhores Desembargadores da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, por unanimidade e de acordo com o parecer da Procuradoria Geral de Justiça, em não conhecer do recurso, nos termos do voto do Desembargador Relator.

Participaram do julgamento os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Antônio Fernando Bayma Araújo (Presidente), Raimundo Nonato Magalhães Melo e José Luiz Oliveira de Almeida. Presente pela Procuradoria Geral de Justiça o Dr. Eduardo Jorge Hiluy Nicolau.

São Luís, 09 de agosto de 2011.

DESEMBARGADOR Antônio Fernando Bayma Araújo

PRESIDENTE

 

 

 

DESEMBARGADOR José Luiz Oliveira De Almeida

RELATOR

 


Apelação Criminal nº 009973/2011- Anajatuba(MA)

 

Relatório – O Sr. Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida (relator): Cuida-se de recurso de apelação interposto em favor de E. de J. M. L.  contra a sentença de fls. 89/94 que o condenou à pena de 6 (seis) anos de reclusão, em regime inicial semiaberto, por incidência comportamental no artigo 214, c/c art. 224, do Código Penal.

Colhe-se dos autos em apreço que o Ministério Público Estadual ofereceu denúncia contra E. de J. M. L., imputando-lhe o crime de atentado violento ao pudor, praticado contra B. N. S. que, à época, contava com 9 (nove) anos de idade.

De acordo com a inicial acusatória, após receber a informação de que a criança estava sozinha em casa, o denunciado

[…] a agarrou por trás, jogando-a em cima de uma cama e passando a despi-la, conseguindo tirar a sua calcinha. Após, o denunciado passou a introduzir o dedo na vagina da menor Bruna para satisfazer seus instintos, não tendo a vítima reagido com receio de que este a molestasse ainda mais […].

Termo de representação, às fls. 11.

Exame de conjunção carnal, às fls. 17.

Recebimento da denúncia, às fls. 30.

Termo de qualificação e interrogatório, às fls. 35/36.

Defesa prévia, às fls. 40.

Durante a instrução criminal foram inquiridas a vítima, B. N. S. (fls. 48), I. N. S. (fls. 49/50), C. S. S. (fls. 51) e R. N. M.s C.a (fls. 52), arroladas na denúncia, e, indicadas pela defesa, D. R. M. (fls. 55) e J. R. R. (fls. 56).

Em sede de alegações finais, o representante do Ministério Público requereu a condenação do réu nas penas dos artigos 214, c/c 224, a, do Código Penal, às fls. 67/71.

A defesa, na mesma oportunidade, postulou a improcedência da ação, com a consequente absolvição do acusado, fls. 86/87.

O magistrado de base, ao proferir a sentença, julgou procedente o pedido constante na denúncia, condenando o apelante pela prática do crime tipificado no artigo 214, c/c art. 224, do Código Penal, à pena de 6 (seis) anos de reclusão, a ser cumprida em regime inicial semiaberto, fls. 89/94.

Alegando omissão na sentença de base, quanto à condenação do Estado ao pagamento dos honorários advocatícios, a defesa ajuizou embargos de declaração e, antes de proferida a decisão acerca dos aclaratórios, interpôs o presente apelo, às fls. 101.

Em suas razões recursais, às fls. 102/103, sustenta o apelante que não pode subsistir a condenação com base apenas no depoimento da vítima, em especial por se tratar de uma criança de 9 (nove) anos de idade, requerendo, assim, sua absolvição ou, caso mantida a sentença, que possa cumprir a pena no local onde reside  por ter assumido contrato de trabalho.

O Ministério Público, ao contrarrazoar o recurso em apreço, pugna pelo seu improvimento, mantendo-se a sentença atacada em todos os seus termos, às fls. 111/114.

Instada a se manifestar, a Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não conhecimento do recurso, ante a sua interposição extemporânea, às fls. 133/138.

É o relatório.


Voto – O Sr. Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida (relator): Consoante relatado, E. de J. M. L. interpôs o presente recurso contra a sentença que o condenou à pena de 6 (seis) anos de reclusão, a ser cumprida em regime inicial fechado, pela prática do crime previsto nos artigos 214, c/c 224, do Código Penal.

Em análise aos pressupostos necessários ao conhecimento da impugnação, tenho por relevante a questão levantada pela Procuradoria Geral de Justiça, em seu parecer, relativa à tempestividade da interposição.

Segundo o representante ministerial, o apelo não merece ser conhecido, diante de sua intempestividade.

De fato, o recurso foi interposto, juntamente com as razões, antes de prolatada a decisão acerca dos embargos de declaração ajuizados pela defesa (fls. 100 e 128), ou seja, antes do prazo recursal iniciar-se, sem que houvesse a ratificação ou reiteração dos termos da apelação.

Acerca do tema em questão, o Superior Tribunal de Justiça já se posicionou no sentido da extemporaneidade do recurso interposto quando ainda pendente julgamento de outro meio de impugnação da mesma decisão. Confira-se:

Esta Corte firmou o posicionamento de que o recurso extemporâneo ocorre em duas hipóteses: a) quando a interposição ocorre depois do prazo legal; e b) na hipótese de o recurso ter sido interposto antes da publicação da decisão recorrida, que ainda não possuía existência jurídica.[1]

O Supremo Tribunal Federal, da mesma forma, entende ser intempestivo o recurso interposto antes da publicação do julgado recorrido e não ratificado no novo prazo recursal.[2]

Desse entendimento, os tribunais inferiores não discrepam, conforme é possível verificar por meio das ementas abaixo colacionadas:

EMENTA: RECURSOEM SENTIDO ESTRITO. VIOLAÇÃODE DIREITO AUTORAL. SENTENÇA CONDENATÓRIA. OPOSTOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO E INTERPOSTA APELAÇÃO, CONCOMITANTEMENTE. NÃO APRESENTADAS AS RAZÕES DE RECURSO (ART. 600, CAPUT, CPP) APÓS, INTIMADO DA REJEIÇÃO DOS EMBARGOS. RECURSO INTEMPESTIVO. DECISÃO MANTIDA. RECURSO IMPROVIDO.

[…] é extemporâneo o recurso de apelação interposto antes do julgamento dos embargos de declaração, sem posterior ratificação ou reiteração no prazo recursal, dos termos da apelação, protocolada prematuramente[3]

No mesmo norte:

AGRAVO REGIMENTAL. APELAÇÃO. NÃO CONHECIMENTO. RECURSO INTERPOSTO ANTES DO JULGAMENTO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. POSTERIOR RATIFICAÇÃO OU ADITAMENTO. AUSÊNCIA. INTEMPESTIVADE MANIFESTA. ENTENDIMENTO CONSOLIDADO PERANTE O COLENDO STJ E DESSE TRIBUNAL.

1. Aratificação ou aditamento do recurso de apelação interposto antes da decisão dos embargos declaratórios, é medida que se impõe sob pena do apelo ser considerado intempestivo. Precedentes do STJ e desse Tribunal.

2. Agravo regimental improvido.[4]

Importante consignar que o não conhecimento do apelo interposto prematuramente, isto é, antes do julgamento dos embargos declaratórios, justifica-se pela possibilidade de alteração do julgado ante o reconhecimento de omissão, contradição ou obscuridade e, ainda que não sobrevenha modificação, o julgamento dos aclaratórios passa a integrar a decisão embargada.

Embora possa o apelante alegar que o julgamento dos declaratórios não alterou a primeira decisão, tendo em vista que apenas supriu omissão referente à condenação do Estado ao pagamento dos honorários advocatícios (fls. 128), tal sustentação não encontra conforto na jurisprudência, consoante acima demonstrado.

Ante tais considerações, acolho o parecer ministerial e voto pelo não conhecimento do recurso.

Contudo, caso não seja esse o entendimento da Câmara, passo, a seguir, a pronunciar-me acerca do mérito do recurso.

Como fundamento de seu apelo, o recorrente alega que sua condenação não pode subsistir com base apenas no depoimento da vítima, diante de sua tenra idade, devendo, por isso, ser absolvido da imputação que lhe foi atribuída.

Após detida análise das provas carreadas aos autos, entendo que a pretensão absolutória do apelante não deve prosperar, haja vista a constatação inequívoca da autoria e materialidade delitivas.

A idade da vítima à época dos fatos – 9 (nove) anos de idade –, ao contrário do que afirma o recorrente, em nada comprometeu as suas declarações, colhidas em ambas as fases da persecução criminal, prestadas com segurança, clareza e em consonância com o acervo probatório.

A propósito, confira-se trecho de seu depoimento prestado em juízo (fls. 48):

[…] que a informante levantou-se para colocar água para um porco, quando o acusado agarrou-a por trás e levou-a para o quarto de sua mãe, jogou-a na cama e tirou sua calcinha; que nessa tarde a informante estava sozinha em casa; que o acusado introduziu o dedo na vagina da informante e esta lhe disse que se não saísse de cima iria gritar, foi então que o mesmo saiu de cima da informante; que o acusado disse para a informante não dizer nada do que tinha acontecido para a sua mãe, pois esta iria lhe bater e disse, também, que depois lhe daria RS 1,00 (um real) […]

Ainda sob o crivo do contraditório, a testemunha I. N. S. afirma:

[…] que Bruna havia contado para a avó que por volta das 16h chegou à casa Erinaldo, ora acusado, e perguntou por seu pai Jeovan; que Bruna respondeu que seu pai não estava em casa, mas pescando; que o acusado não chegou a bater na porta, entrou pela lateral da casa; que, então, Bruna se levantou para colocar água para o leitão e que nesse momento o acusado a pegou por trás e levou para o quarto da depoente onde colocou a menina em cima da cama e tirou sua calcinha, e, em ato contínuo, introduziu o dedo na vagina da criança  […]

Nota-se, ainda, que a mesma versão é apresentada pela avó da ofendida, ao prestar depoimento em juízo, onde relata:

[…] que no dia, já no final da tarde, estava na sua casa quando foi procurada por Bruna; que Bruna estava muito nervosa, lacrimejando , e parecia estar com muita vergonha, pois permanecia de cabeça baixa; que Bruna contou para a depoente que estava em casa assistindo filme quando “Nal” chegou, perguntando por Jeovan; que a menina respondeu que não estava em casa pois estava pescando; que o acusado começou a tomar gosto com Bruna, foi quando a menina decidiu levantar-se e ir até o quintal, colocar água para o porco para ver se o acusado ia embora; que quando voltava do quintal o acusado agarrou-a por trás, levou-a para a cama, tirou sua calcinha e introduziu o dedo em sua vagina […]

Observa-se, assim, que a autoria do crime mostrou-se indene de dúvidas, sobretudo pelas declarações prestadas pela ofendida, as quais, conforme entendimento predominante, assumem especial importância nos crimes contra a dignidade sexual, mesmo que se trate de vítima menor de idade.

Acerca do depoimento prestado por crianças em delitos desse jaez, confira-se, através das ementas abaixo transcritas, o entendimento dos nossos Tribunais:

PENAL. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. VIOLÊNCIA PRESUMIDA. VÍTIMA CRIANÇA. AUTORIA. PROVA.
A palavra da vítima tem especial valor probatório em crimes sexuais, os quais normalmente são ocorridos às ocultas, sem a presença de testemunhas. No caso dos autos, a vítima, uma criança de 5 anos de idade, apontou o réu como sendo o autor do abuso sofrido tanto na fase policial, quanto durante a instrução criminal, em entrevista à psicóloga deste Tribunal. O fato de não ter confirmado tais declarações em audiência não infirma seus depoimentos anteriores, porquanto justificável o constrangimento de uma criança em relatar o ocorrido em audiência.
As declarações coerentes da vítima e de sua mãe aliadas ao exame pericial, que atestou a presença de feridas compatíveis com o que descreveu a menor, são elementos suficientes a comprovar a autoria do crime.
Recurso desprovido.[5]

No mesmo sentido:

ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR – PROVA – PALAVRA DA VÍTIMA – TESTEMUNHO INFANTIL – VALIDADE – CRIME COMETIDO COM VIOLÊNCIA PRESUMIDA – MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS – INEXIGIBILIDADE DE COMPROVAÇÃO PERICIAL SE A INFRAÇÃO NÃO DEIXA VESTÍGIOS – CRIME CONSIDERADO HEDIONDO – REGIME DE CUMPRIMENTO. A palavra da vítima, corroborada por outros elementos dos autos, é de se admitir como prova válida nos delitos contra a liberdade sexual, que em geral, são cometidos na clandestinidade. O depoimento infantil quase sempre precário, não pode ser desprezado quando vier corroborado por outros elementos de prova, sobretudo se guardar coerência e compatibilidade com a realidade dos fatos. […].

Assim, da análise das declarações prestadas pela vítima, que se harmonizam com os demais depoimentos constantes nos autos, resta indubitável a autoria do crime em tela.

Quanto à materialidade do delito, da mesma forma, encontra-se comprovada através do laudo de exame de conjunção carnal, de fls. 17, no qual consta expressamente a presença de vestígios de violência caracterizada por “irritação da mucosa himenal”.

O laudo pericial constante nos autos, de fato, não apresentou qualquer vestígio de conjunção carnal ou de violência na vítima, às fls. 77. No entanto, cuida-se de crime que dispensa essa espécie de prova para sua comprovação.

Destarte, restando comprovadas a autoria e a materialidade pelo conjunto probatório constante nos autos, não vejo como prover o apelo para absolver o recorrente.

Quanto ao requerimento formulado pela defesa no sentido de que o cumprimento da pena seja realizado no local onde o apelante reside, entendo que a matéria deverá ser apreciada pelo juízo da execução, após o trânsito em julgado da decisão condenatória.

Por todo o exposto, no mérito, nego provimento ao recurso interposto por E. de J. M. L..

É como voto.

Sala das Sessões da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão,em São Luís, 09 de agosto de 2011.

DESEMBARGADOR José Luiz Oliveira de Almeida

RELATOR


[1] STJ, AgRg nos EDcl no Ag 1371290/PR, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 14/06/2011, DJe 28/06/2011.

[2] STF, AI 807053 AgR, Relator(a):  Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 31/05/2011, DJe-121.

[3] TJPR, REsp 659.663-MG, Rel. Des. Miguel Pessoa, 4ª Câmara Criminal, Julgado em  14/04/2011, DJ: 623.

[4] TJMA, 117692011/MA, Relator: Des. Lourival de Jesus Serejo Sousa, 3ª Câmara Cível, Julgado em 30/05/2011. 

[5] TJDFT, APC 20061010031596, Relator CÉSAR LOYOLA, 1ª Turma Criminal, julgado em 03/09/2009, DJ 11/01/2010.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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