Princípio da proporcionalidade, na prática

É comum – mais comum do que se possa imaginar – o vilipêndio ao princípio da proporcionalidade ( da razoabilidade ou da proibição de excesso) em decretos de prisão preventiva que têm sido submetidos à intelecção da 1ª Câmara Criminal.

Explico. Muitas vezes, ante a evidência de que o paciente, ainda que fosse condenado, iniciaria o cumprimento de pena em regime aberto, ainda assim insiste-se em decretar a prisão preventiva, que condiz, assim posso entender, com  a antecipação do cumprimento de pena, sem que ainda tenha sido condenado – e em regime fechado, o que é mais grave.

Diante dessa constatação, qual seja, a de que o paciente, ainda que fosse condenado, cumpriria a pena privativa de liberdade em regime aberto ou, lado outro, poderia ser favorecido com a substituição da pena restritiva de liberdade por restritiva de direitos, é que tenho votado no sentido de conceder a ordem.

O voto que publico a seguir é emblemático e retrata bem essa questão. É que o paciente, ainda que fosse condenado à pena máxima (três anos de detenção), deveria cumprir a pena em regime aberto, ex vi legis. A despeito dessa constatação, ainda assim foi mantido preso. Id est, cumprindo parte da pena em regime mais gravoso.

Em determinado fragmento do voto, anotei: “[…]Imperioso que se ressalte, outrossim, que em caso de eventual condenação, a pena aplicada para o crime imputado ao paciente A.F.S. da S., ainda que aplicada em grau máximo – 03(três) anos de detenção -, ao indicar o regime inicial de cumprimento de pena aberto, nos leva à conclusão de que a imposição de segregação cautelar ao paciente, nos moldes do regime fechado, implica em injusto grave ao réu, não podendo ser concebível[…]”

A seguir, o voto, por inteiro.

PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL

Sessão do dia 09 de agosto de 2011.

Nº Único: 0002899-35.2011.8.10.0000

Habeas Corpus Nº 014302/2011 –  Caxias (MA)

Paciente : A. F.S. da S.
Impetrante : G. A. B.e J.A.S. P.
Impetrado : Juízo de Direito da 4ª Vara da Comarca de Caxias
Incidência Penal : Art. 129, § 9º, do CPB, c/c arts. 5º e 7º, da Lei nº  11.340/2006
Relator : Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida

Acórdão Nº 104813/2011

Ementa. HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. NECESSIDADE NÃO COMPROVADA. AUSENCIA DE REQUISITOS DA CUSTÓDIA CAUTELAR. PROCEDÊNCIA. ORDEM CONCEDIDA.

1. O habeas corpus é via imprópria para discutir autoria e materialidade vez que exigem dilação probatória, o que é defeso nesta via sumária.

2. A segregação cautelar, medida inequivocamente excepcional, deve trilhar os respectivos requisitos constantes nos arts. 312 e 313, do CPP, em cotejo com elementos concretos e evidenciada necessidade, assomados dos autos.

3. Ordem concedida.

 

Acórdão – Vistos, relatados e discutidos os presentes autos em que são partes as acima indicadas, ACORDAM os Senhores Desembargadores da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, por unanimidade e de acordo com o parecer da Procuradoria Geral de Justiça, em conceder a ordem impetrada, determinando a expedição de Alvará de Soltura, nos termos do voto do Desembargador relator.

Participaram do julgamento os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Antônio Fernando Bayma  Araújo (Presidente), José Luiz Oliveira de Almeida e Raimundo Nonato Magalhães Melo. Presente pela Procuradoria Geral de Justiça o Dr. Eduardo Jorge Hiluy Nicolau.

São Luís (MA), 09 de agosto de 2011.

DESEMBARGADOR Antônio Fernando Bayma Araújo

PRESIDENTE

 

 

DESEMBARGADOR José Luiz Oliveira de Almeida

RELATOR

Habeas Corpus Nº 014302/2011 – Caxias

Relatório – O Sr. Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida (relator): Cuida-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado pelos advogados G. A. B. e J. A.  S. P., em favor de A. .F. S. da S.

Aduz o impetrante, em síntese, que o paciente está sofrendo constrangimento ilegal em sua liberdade de locomoção, por ato do MM. Juiz de Direito da 4ª Vara da Comarca de Caxias, alegando que:

I – inexiste nos autos elementos suficientes para aferir que tenha o paciente praticado o delito que se lhe imputa o Ministério Público;

II – que a peça acusatória sequer deveria ter sido recebida pela autoridade dita coatora, vez que a materialidade do delito, não restou comprovada, porquanto a suposta vítima não se submeteu a exame de corpo de delito; e

III – que ausentes estão, in casu, os pressupostos autorizadores da segregação prematura, previstos no art. 312, do CPP.

Com fulcro em tais argumentos, requer, em caráter liminar, a concessão da ordem de habeas corpus para fazer cessar o ventilado constrangimento ilegal incidente sobre seu jus libertatis, sendo confirmada, posteriormente, em julgamento meritório.

Instruiu o writ com cópia da decisão interlocutória que indeferiu o pedido de liberdade provisória em favor do paciente (fls. 22/34).

O pedido liminar foi recebido pelo Plantão Judicial e deferido pela Desembargadora Anildes de Jesus Bernardes Chaves Cruz, em decisão acostada às fls. 36/40.

Solicitadas as informações da autoridade apontada como coatora, as quais foram acostadas às fls. 59.

Com vista dos autos, a Procuradoria Geral de Justiça, em parecer da lavra do Procurador Eduardo Jorge Hiluy Nicolau, opinou pela concessão da ordem (fls. 63/69).

Os autos vieram-me conclusos.

É o que havia de relevante para relatar.

Voto O Sr. Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida (relator): Colhe-se dos autos em apreço que A. F. S. da S., foi preso em flagrante delito no dia 22 de maio de 2011, por ter, supostamente, praticado o delito previsto no artigo 129, § 9º, do CPB, c/c arts. 5º e 7º, da Lei nº. 11.340/2006.

Preliminarmente, conheço do presente writ.

Em síntese, consoante relatado, o impetrante alegando presunção de inocência e ilegalidade da prisão por ausência de justa causa para sua manutenção, pede a concessão liminar do writ e, no mérito, sua confirmação, para que o paciente seja posto em liberdade.

Prossegue argumentando que inexistem provas de que o paciente tenha praticado a conduta que se lhe imputa o Ministério Público, e que, diante da inexistência de exame de corpo delito na vítima, nem mesmo a materialidade delitiva pode ser aferida.

 Sucede que a discussão acerca da materialidade e autoria do crime, pelo qual responde o paciente, sobeja os lindes cognitivos do remédio heroico, ante a impossibilidade de dilação probatória.

Como ressabido, o habeas corpus é ação de rito sumaríssimo cabível em caso de violência ou coação à liberdade de locomoção do paciente por ilegalidade ou abuso de poder [1], exigindo-se prova pré-constituída das alegações de quem o impetra, não sendo a via adequada para discussão acerca da materialidade e autoria delituosas, nem se prestando à análise do acervo probatório constante dos autos da ação penal.

Quanto ao agitado constrangimento ilegal na decretação do ergástulo preventivo, sob a alegação de ausência de justa causa para a manutenção da custódia, entendo que ocorre na espécie, conforme ponderou a PGJ em seu parecer conclusivo, às fls. 63/69.

Trago à colação, o fundamento do decisum:

[…] Extrai-se do auto de prisão em flagrante, principalmente pelo relato das testemunhas e da própria vítima que o fato imputado ao indiciado se qualificou pela gravidade e violência, principalmente quando restou evidenciado que o instrumento que provocou as lesões (chicote de perna de fio).

Intensifica ainda mais a gravidade o fato do indiciado, mesmo após a agressão efetivada, ter ameaçado a vítima de que continuaria a sua ação mais tarde à noite.

Ainda que supostamente primário, reconheço que o fato imputado ao indiciado se revela grave para justificar a sua permanência no cárcere, consubstanciada na garantia da ordem pública. […]

É ressabido que a prisão preventiva, por traduzir restrição ao direito fundamental de liberdade, deve ter como norte, os postulados da proporcionalidade, compreendidos usualmente como, adequação (ou idoneidade) da medida em face dos escopos visados, necessidade da medida, somente justificável nos casos de sua extrema imprescindibilidade, e a proporcionalidade em sentido estrito, a reclamar cotejo entre os meios eleitos e os fins a serem alcançados pela própria persecução penal.

Portanto, é de se concluir que a prisão preventiva somente poderá ser decretada naquelas situações em que nenhuma outra providência menos gravosa prevista na Lei nº 11.340/06 for apta e suficiente para tornar efetivas as medidas de proteção determinadas no curso do inquérito policial ou do processo penal, com menor restrição aos direitos e garantias fundamentais do indiciado/acusado.

Ademais, segundo entendimento assente no ordenamento pátrio, a custódia cautelar deve ser fundamentada, sendo demonstrada a sua real necessidade com o preenchimento dos pressupostos a que se refere o art. 312, do Código de Processo Penal, verbis:

Art.312. Aprisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.

In casu, é de relevo que se diga, que nenhum dos requisitos autorizadores da medida acautelatória previstos no artigo supracitado foram demonstrados nos autos, sendo certo que a conduta praticada pelo paciente, por si só, não enseja em segregação cautelar até o fim do trâmite processual, salvo se subsistirem motivos para tanto, o que não foi declinado no caso em tela.

Imperioso que se ressalte, outrossim, que em caso de eventual condenação, a pena aplicada para crime imputado ao paciente A. F. S.da S. ainda que aplicada seu grau máximo –  03 (três) anos de detenção –, ao indicar o regime inicial de cumprimento de pena aberto, nos leva a conclusão de que a imposição de segregação cautelar ao paciente, nos moldes do regime fechado, implica em injusto gravame ao réu, não podendo ser concebível.

Nesse sentido:

[…] a medida cautelar a ser adotada deve ser proporcional a eventual resultado favorável ao pedido do autor, não sendo admissível que a restrição à liberdade, durante o curso do processo, seja mais severa que a sanção que será aplicada caso o pedido seja julgado procedente. A homogeneidade da medida é exatamente a proporcionalidade que deve existir entre o que está sendo dado e o que será concedido[2].

De outra banda, a novel dicção da Lei nº 12. 403/2011, evidencia, de forma clara, que a decretação de prisão preventiva, nos casos que o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, só será admitida para garantir a execução das medidas protetivas de urgência.

É notório que, quando da decretação da segregação contra a qual se insurge o paciente, a Lei nº 12.403/11 estava em período de vacatio legis, o que, certamente, levou o magistrado a quo, indigitado coator, à conclusão de que admissível àquela época, a imposição da medida cautelar ora fustigada.

Entretanto, já estando essa novel legislação em plena vigência, não há como manter o ergástulo ora combatido, razão pela qual conheço do presente habeas corpus para, de acordo com o parecer da Procuradoria Geral de Justiça, conceder a ordem.

É como voto.

Sala das Sessões da Primeira Câmara Criminal, do Tribunal de Justiça do Maranhão,em São Luís, 09 de agosto de 2011.

 

DESEMBARGADOR José Luiz Oliveira de Almeida

RELATOR


A[1] rt. 5º, LXVIII, da Constituição Federal: “conceder-se-á ‘habeas-corpus’ sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder

[2] RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 11. ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 559-560.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

2 comentários em “Princípio da proporcionalidade, na prática”

  1. Desembargador José Luiz, por gentileza como é mesmo aquela frase que o Sr. sempre cita em seus arrazoados orais sobre convicção do julgador em matéria penal e quem é o autor? No aguardo. Armando Serejo.

  2. Olá, conheço um caso no qual o individuo se encontra em regime fechado por dois meses e meio, o pedido de liberdade provisória foi negado, o advogado entrou com pedido de H.C e a audiência de instrução e julgamento foi marcada para o dia vinte e dois de novembro. Ele será julgado por roubo de um celular, porem a prisão foi em flagrante mas não portava nenhum tipo de arma, mas o mesmo não é réu primário, quais possibilidades dele ser absolvido, e caso condenado, qual estimativa de pena, existe possibilidade deste tempo que ele aguardou audiência influenciar positivamente para um menor tempo de cumprimento de pena?

    Aguardo resposta, grata

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