Consignando os descasos e decidindo

Cuida-se de relaxamento de prisão, que decorreu na anulação do feito, de cujo despacho colhi os seguintes fragmentos, nos quais consigno a minha inconformação com a omissão do órgão fiscalizador.

  1. O processo em comento já passou nas mãos de vários profissionais – juiz, promotor de justiça, advogados, etc-, sendo certo que nenhum desses profissionais se deu conta de que o feito está contaminado por nulidade absoluta. O MINISTÉRIO PÚBLICO, a quem se confere o poder, em casos que tais, de figurar no pólo ativo da relação processual – sem perder a sua condição de custos legis – por várias vezes esteve de posse dos autos, sem que, no entanto, se apercebesse que não há nos autos as defesas prévias dos acusados; e não há pela singela razão de que os advogados dos acusados nunca foram intimados para ofertá-las.
  2. Em vários despachos, ao longo de minha inglória militância judicial – Deus, como é difícil ser juiz! – tenho conclamado, sobretudo o MINISTÉRIO PÚBLICO, para que, de posse do processo, tenha o cuidado de examinar a sua tramitação, pois que, com a carga de trabalho que tenho, é humanamente impossível analisar todos os processos com minudência; muitas vezes só posso fazê-lo quando vou prolatar sentença. Infelizmente, o que vem se sucedendo, vez por outra, é que tenho flagrado nulidades que passaram despercebidas por quem de direito. Quando a nulidade é relativa sigo em frente, pois que a anulação do feito fica condicionada à prova de prejuízo; quando a nulidade é absoluta, como entrevejo nos autos presentes, não há o que fazer que não anular o feito.
  3. A anulação do processo sob retina processo, cuja instrução já se arrasta desde abril do ano passado, nos apequena diante dos nossos jurisdicionados. Confesso que tenho vergonha, me sinto mal, contristado, acabrunhado, amargurado mesmo, quando tenho que anular um processo para repetir uma instrução, máxime quando a nulidade decorreu de injustificável omissão, que, muitas vezes, se parece muito com descaso, desleixo, incúria, negligência. Para mim, anular um processo, depois de tanta despesa para realizarem-se incontáveis diligências, depois de tanto desperdício de tempo, de dinheiro e de saúde, equivale a concluir uma ponte, para, depois, antes de ser usada pela população, ter que derrubá-la para outra construir, em face de um erro de cálculo, conquanto o cálculo tenha sido objeto de exame por vários profissionais que tinham a obrigação de detectar e expungir o erro.

A seguir, o despacho, por inteiro.

Processo nº 6835/2006

Ação Penal Pública

Acusado: Arenilson Silva reis e outros

Vítima: Rubenildo Cardoso Pereira e outros

Vistos, etc.

Cuida-se de ação penal que move o MINISTÉRIO PÚBLICO contra ARENILSON SILVA REIES E DANIEL SÁ MENEZEZ por incidência comportamental no artigo 157, §2º, I e II, do CP.

Os acusados estão presos desde 23 de abril do ano passado. Vários foram os pleitos formulados pela defesa, no sentido de restabelecer-lhes a liberdade; vários foram os pleitos indeferidos, cujos indeferimentos se deram por várias razões, avultando de importância a gravidade do crime e a necessidade de se preservar a ordem pública.

O processo em comento já passou nas mãos de vários profissionaisjuiz, promotor de justiça, advogados, etc-, sendo certo que nenhum desses profissionais se deu conta de que o feito está contaminado por nulidade absoluta. O MINISTÉRIO PÚBLICO, a quem se confere o poder, em casos que tais, de figurar no pólo ativo da relação processual – sem perder a sua condição de custos legis – por várias vezes esteve de posse dos autos, sem que, no entanto, se apercebesse que não há nos autos as defesas prévias dos acusados; e não há pela singela razão de que os advogados dos acusados nunca foram intimados para ofertálas.

Em vários despachos, ao longo de minha inglória militância judicial – Deus, como é difícil ser juiz! – tenho conclamado, sobretudo o MINISTÉRIO PÚBLICO, para que, de posse do processo, tenha o cuidado de examinar a sua tramitação, pois que, com a carga de trabalho que tenho, é humanamente impossível analisar todos os processos com minudência; muitas vezes só posso fazê-lo quando vou prolatar sentença. Infelizmente, o que vem se sucedendo, vez por outra, é que tenho flagrado nulidades que passaram despercebidas por quem de direito. Quando a nulidade é relativa sigo em frente, pois que a anulação do feito fica condicionada à prova de prejuízo; quando a nulidade é absoluta, como entrevejo nos autos presentes, não há o que fazer que não anular o feito.

A anulação do processo sob retina processo, cuja instrução já se arrasta desde abril do ano passado, nos apequena diante dos nossos jurisdicionados. Confesso que tenho vergonha, me sinto mal, contristado, acabrunhado, amargurado mesmo, quando tenho que anular um processo para repetir uma instrução, máxime quando a nulidade decorreu de injustificável omissão, que, muitas vezes, se parece muito com descaso, desleixo, incúria, negligência. Para mim, anular um processo, depois de tanta despesa para realizarem-se incontáveis diligências, depois de tanto desperdício de tempo, de dinheiro e de saúde, equivale a concluir uma ponte, para, depois, antes de ser usada pela população, ter que derrubála para outra construir, em face de um erro de cálculo, conquanto o cálculo tenha sido objeto de exame por vários profissionais que tinham a obrigação de detectar e expungir o erro.

Devo dizer, para que não se extraia das minhas afirmações nenhuma leviandade, que sou responsável, tanto quanto a Promotora de Justiça que oficiou nos autos, pelo erro, pela omissão que agora me impõe a anulação do feito. Tenho convicção, nada obstante, que se o MINISTÉRIO PÚBLICO, com mais tempo disponível que o signatário, atentar com mais sofreguidão para a tramitação dos processos, decerto que as nulidades deixarão de ocorrer. O signatário, infelizmente, não dispõe de mais tempo para se dedicar à magistratura. Todos sabem – pelo menos minha família sabe – que, para bem desempenhar o meu mister, tenho trabalhado, ao longo de meus mais de vinte anos de magistratura, todos os dias, inclusive aos sábados e domingos, que são os dias dedicados para prolatar sentenças ou decidir questões complexas que exigem maior concentração e pesquisa.

Depois da digressão suso – necessária, a meu sentir – devo retomar a questão atinente à nulidade, para dizer que, não tendo sido oportunizado à defesa ofertar a defesa prévia, o processo está contaminado, eivado de nulidade absoluta, não restando outra alternativa que não anulálo, a partir do último interrogatório.

Em defesa da minha omissão – se é que, nesse caso, haja defesa, pois que sou, sim, sob qualquer ótica, o maior responsável pelo erro – devo anotar que só embarguei nessa canoa furada porque o juiz que me substituiu e realizou os interrogatórios modificou os termos de audiência, deles retirando a passagem em que se intimava a defesa, de logo, para ofertar a defesa prévia. Acostumado que estava a deixar logo os advogados intimados para ofertar as alegações preliminares, não me dei conta de que o magistrado que me substitui tinha modificado o termo, dele retirando esse dado que, tivesse permanecido, teria salvo o processo da nulidade que agora o contamina.

Com as colocações suso lançadas, chamo o feito à ordem, para anulá-lo a partir das fls. 166, determinando, de conseqüência, a intimação dos advogados dos acusados, para, no prazo da lei, ofertarem as defesas preliminares dos réus.

Com as defesas prévias, voltem os autos conclusos.

Em face da anulação do feito, a mim só me resta colocar os acusados em liberdade, pois que, agora, com a necessidade de se realizar nova instrução, estão, definitivamente, submetidos a constrangimento ilegal.

Expeçam-se os necessários alvarás de soltura.

Int.

Notifiquem-se os representantes legais das partes e a representante do MINISTÉRIO PÚBLICO – aqueles para que tenham ciência da decisão e apresentem as defesas preambulares dos acusados.

São Luis, 23 de dezembro de 2008.

Juiz José Luiz Oliveira de Almeida

Titular da 7ª Vara Criminal

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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