Constrangimento

Nas informações que a seguir publico, em face de habeas corpus, desnudo, deixo transparente, à vista de todos, às escâncaras –  mas constrangido – as nossas mazelas, a falta de sintonia entre as diversas instâncias penais.
No caso em comento, não se sabia sequer em quais condições se tinha dado a prisão do paciente, do que se pode concluir que, além de as instâncias penais estarem voltadas apenas para os desvalidos, ainda age irresponsavelmente, como se a liberdade fosse algo irrelevante.
Os excertos a seguir transcritos das informações em comento dão a dimensão do descaso com que foi tratado o acusado.

  1. …De qualquer sorte, a verdade é que o paciente se apresenta como mais uma vítima das nossas mazelas, da nossa desorganização, da falta de sintonia entre os órgãos responsáveis pela persecução criminal. E, por ser vítima da nossa reconhecida incompetência em lidar com essas questões, deve ser posto em liberdade, para reparar o constrangimento ilegal a que se acha submetido.
  2. A considerar a data do recebimento da denúncia, de rigor, não haveria excesso.
  3. Mas aqui, compreendo, está-se diante de uma excepcionalidade, pois a verdade é que o paciente está preso, tudo indica que por conta de um decreto de prisão emanado na central de inquéritos, mas vinculado a este processo, e essa prisão já se mostra arbitrária, pois que, até a data atual, é verdade, sequer foi interrogado.
  4. Estando o paciente preso sob a chancela dos órgãos persecutórios do Estado, desde junho de 2007, sem que tenha início a instrução, está, sim, submetido a constrangimento ilegal e deve ser colocado em liberdade, incontinenti; é o mínimo que se espera de um juiz garantista, num regime também garantista.
  5. É claro que essa situação me constrange e contribui, ainda mais, para o descrédito de nossas instituições. Nada posso fazer, no entanto, porque não depende só da minha vontade a mudança desse quadro.
  6. Acima enumerei algumas das vitimas de latrocínio em nossa Estado nos últimos meses, objetivando sensibilizar os que têm compulsão por liberdade provisória, sem lembrar do sofrimento das vítimas e de seus familiares. Fí-lo como uma homenagem que presto às que sucumbiram diante da arma de um assaltante, assaltantes que, muito provavelmente, não foram punidos e, mais grave ainda, devem estar soltos por aí assaltando e matando novamente…”

A seguir, as informações, integralmente:

Ofício n º 55/2008. São Luis, 05 de maio de 2008
EXCELENTÍSSIMO SENHOR
DESEMBARGADOR LOURIVAL SEREJO
RELATORA DO HC Nº 00857/2008 – SÃO LUIS(MA)
PACIENTE: ANDERSON MUNIZ DE OLIVEIRA
IMPETRANTE: ADRIANO ANTUNES DAMASCENO

PARA REFLETIR
Soraya Cavalcante Costa e Silva, Marina Palácio Teixeira, João Nismar Montel, Wellington Jorge Leite Santos, Emerson Andrey Pinheiro Pestana, José Nilson Escórcio Resende, José Fernandes Araújo, Márcio Fernando Lima, João Damasceno Campos Penha, Genilson Lima Carvalho, Valter Gomes Rodrigues Sousa, Natanael da Silva Reis, Valter Gomes Rodrigues Sousa, Raimundo Nonato Spíndola Pontes, Benevenuto Ferreira,João Gomes Marques, Maria Augusta Lima, Osvane de Sousa Alves, Emerson Andrey Pinheiro Pestana, Jonas Lira de Oliveira, Eudivan Araújo Silva, Mateus, Jonas Filho, Sâmara, Brenda, Francisca Maria Araújo Silva, Dulcirene Araújo Silva,Nivaldete Ferreira da Silva, Raimundo Tadeu Maciel Serra, Antônio da Conceição Neto e Antônio da Conceição Neto.

01. Colho o presente para prestar a Vossa Excelência as informações requisitadas, em face doa habeas corpus epigrafado.
02. O paciente ANDERSON MUNIZ DE OLIVEIRA, preso sob a acusação de ter hostilizadoo artigo 157,§3º, segunda parte, c/c artigo 29, ambos do CP, manejou o habeas corpus sob retina, alegando, dentre outras coisas, que está submetido a constrangimento ilegal, tendo em vista que está preso desde o dia 16.06.2007, em face de um decreto de prisão preventiva, sem que tenho sido sequer interrogado até a data atual.
03. Após receber o pedido de informações sob retina, fui informado pela Secretaria Judicial da 6ª Vara Criminal, que a prisão do paciente não era do conhecimento deste juízo.
03.01. Segundo informações que a mim me foram prestadas pela Secretaria Judicial, das quais, em princípio, não se pode duvidar, somente depois de ofertada a denúncia, em 13/07/2007 e recebida, em 10/03/2008, foi que se teve notícia, oficiosa, da prisão do paciente.
03.01.01. Com essa informação, cuidou-se de ligar para a delegacia da Cidade Operária, tendo colhido a informação de que o paciente, efetivamente, estava custodiado na CCPJ do Anil, enquanto que o co-réu Hildelberto Lima Ramos estava internado no Socorrão II, na ala Carandiru.
04. Infere-se do exposto que o acusado, realmente, está preso, tudo fazendo crer – ainda não se sabe se, também, em função de outro mandado de prisão, emanado em outra vara – que em razão de um decreto de prisão que antecedeu à distribuição do inquérito policial a esta vara.
04.01. Todavia, é de relevo que se reafirme, não se tinha notícia do seu cumprimento, como, ao que parece, não lha tinha o Defensor Público subscritor do writ, ao que se infere da cópía do mandado de prisão que acostou no mandamus.
05. A prisão do paciente, é provável, deve ter sido comunicada à Central de Inquéritos, onde foi gestado o decreto de prisão preventiva. Mas essa comunicação, repito, não chegou a este juízo, daí a razão pela qual o processo a que responde não recebeu nenhuma prioridade.
06. Essa situação, verdadeiramente anômala, aproveito o ensejo para denunciar, mais uma vez, decorre do funcionamento a latere e concomitantemente com a Central de Inquéritos com as vara criminais.
06.01. Sou – e sempre fui – radicalmente contrário á existência dessa central, que só tem nos causado transtornos. Esse é apenas mais um dos muitos transtornos que nos causam essa famigerada Central de Inquéritos.
07. Retomando o tema sob retina, compreendo que, sem que tivesse este juízo notícia da prisão do paciente, não se pode imputar ao signatário a responsabilidade pelo excesso de prazo que ora se verifica.
08. De qualquer sorte, a verdade é que o paciente se apresenta como mais uma vítima das nossas mazelas, da nossa desorganização, da falta de sintonia entre os órgãos responsáveis pela persecução criminal. E, por ser vítima da nossa reconhecida incompetência em lidar com essas questões, deve ser posto em liberdade, para reparar o constrangimento ilegal a que se acha submetido.
09. A considerar a data do recebimento da denúncia, de rigor, não haveria excesso.
09.01. Mas aqui, compreendo, está-se diante de uma excepcionalidade, pois a verdade é que o paciente está preso, tudo indica que por conta de um decreto de prisão emanado na central de inquéritos, mas vinculado a este processo, e essa prisão já se mostra arbitrária, pois que, até a data atual, é verdade, sequer foi interrogado.
09.01.01. Estando o paciente preso sob a chancela dos órgãos persecutórios do Estado, desde junho de 2007, sem que tenha início a instrução, está, sim, submetido a constrangimento ilegal e deve ser colocado em liberdade, incontinenti; é o mínimo que se espera de um juiz garantista, num regime também garantista.
10. É claro que essa situação me constrange e contribui, ainda mais, para o descrédito de nossas instituições. Nada posso fazer, no entanto, porque não depende só da minha vontade a mudança desse quadro.
11. Acima enumerei algumas das vitimas de latrocínio em nossa Estado nos últimos meses, objetivando sensibilizar os que têm compulsão por liberdade provisória, sem lembrar do sofrimento das vítimas e de seus familiares. Fí-lo como uma homenagem que presto às que s sucumbiram diante da arma de assaltante, assaltantes que, muito provavelmente, não foram punidos e, mais grave ainda, devem estar soltos por aí assaltando e matando novamente.
12. A verdade é que a minha obstinação, a minha luta no combate a criminalidade violência é quase uma quimera. Luto, luto e quase nada consigno, pois, via de regra, deparo-me com situações semelhantes a aqui refletida, numa demonstração mais do que clara de que, como está, não pode continuar.
13. Estou determinando, Excelência, a liberdade do paciente, por entender que está, sim, submetido a constrangimento ilegal.
14. Seguem juntos o despacho e o Alvará de Soltura.
15. Com as informações emolduradas no presente, colho o ensejo para manifestação de apreço e respeito.
Cordialmente,

Juiz José Luiz Oliveira de Almeida
Titular da 7ª Vara Criminal, respondendo pela 6ª Vara Criminal

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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