Deu na Folha de São Paulo

Cadeia de distorções

Superlotação e condições degradantes convivem, nas prisões do país, com privilégios e luxos concedidos a um punhado de delinquentes perigosos, que de dentro das cadeias continuam a coordenar ações criminosas. Dois exemplos dessa distorção dividiam, ontem, as páginas desta Folha.
No Rio, 2.600 latas de cerveja foram apreendidas, no domingo, no presídio exclusivo para policiais da PM fluminense. O carregamento, segundo o corregedor-geral da corporação, seria suficiente para satisfazer, por uma semana, o consumo diário dos 300 policiais e ex-policiais ali detidos. “Ou dez latinhas para cada um, em uma festa”, calcula o coronel. “Quebraram a cara”, disse.
Não é a primeira vez que há registro, no mesmo local, de abusos e facilidades. Em setembro, um ex-PM, condenado por envolvimento com milícias e por homicídio, fugiu pela porta da frente.
Facilidades, ainda que num grau menor, têm encontrado integrantes da facção criminosa PCC, nascida nos presídios paulistas, para ampliar seu raio de ação no país. Estima-se que o cartel da delinquência atue hoje em 16 Estados brasileiros, em geral associado a grupos criminosos locais. Como em São Paulo, tais filiais do crime comandariam, de dentro das carceragens, uma série de delitos praticados nas ruas.
Trata-se do mesmo sistema prisional que, apesar de contar com 298 mil vagas, mantinha, no final do ano passado, 496 mil pessoas atrás das grades. Essa crônica de distorções abrange presos mantidos em contêineres e encarcerados cuja pena já foi cumprida.
Os contrastes aparentes não são mais que sintomas de um mesmo problema: o predomínio da ilegalidade, da corrupção e da ineficiência estatal na gestão das prisões brasileiras. Seus efeitos são percebidos, com intensidade maior do que é possível contabilizar, também aqui do lado de fora.
Com o objetivo de enfrentar a criminalidade e estabelecer condições de vida seguras nas grandes cidades do país, alguns dos primeiros passos devem ser dados no próprio sistema prisional.
O princípio geral é manter presos apenas aqueles que representem ameaça à sociedade -penas alternativas e regimes semiabertos podem ser aplicados aos demais.
Mas a prisão, até porque reservada aos indivíduos mais perigosos, precisa ser dura o suficiente para anular o poder de delinquir.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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