Preparo e ações penais públicas

 Várias questões relevante foram enfrentadas no voto que proferi, em face da APC nº 012207/2001, cumprindo destacar os fragmentos no quais deliberei acerca da cobrança do preparo, tratando-se de ação penal pública, como se colhe do excerto abaixo, verbis:

“[…]Nada obstante, entendo que agiu com excesso o magistrado de base, quando exigiu do apelante o imediato recolhimento do preparo recursal, isso porque, o fez em momento processual inadequado, conforme pontuarei a seguir. 

Nas ações penais públicas incondicionadas, é ressabido que os valores decorrentes de preparos recursais e custas são recolhidos somente ao final do trâmite processual, não sendo lícito exigir tal recolhimento no exato momento da interposição do recurso. Apenas nas ações penais privadas é que o recolhimento do preparo deve ser contemporâneo à interposição recursal, conforme dispõe o art. 806, do CPP[…]” 

Mais adiante: 

“[…]No caso vertente, embora inapropriado o momento processual de exigência do recolhimento do preparo, observo que o trânsito em julgado da condenação se avizinha, o que indica ser contraproducente determinar-se a devolução do valor já recolhido aos cofres públicos, que seria, de qualquer modo, computado juntamente com a quantia atinente ao pagamento das custas processuais, que ainda remanesce em aberto. 

Apenas ressalvo o meu ponto de vista, de que a exigência do recolhimento do preparo do recurso, contemporânea à sua interposição, é indevida, conforme acentuei no voto-vista, proferido no MS n. 029016/2010, em que situação similar foi enfrentada, mas, diante das impropriedades processuais, foi concedida ordem de habeas corpus de ofício, para que o recurso tivesse sua tramitação regularmente processada, sem a exigência de recolhimento do preparo no momento da interposição. Ali, advirto, a situação era distinta porque o recurso sequer havia sido conhecido. No caso presente, como o apelante recolheu o preparo, o recurso teve seu regular processamento, garantindo o exercício da ampla defesa[…]”. 

Outras questões, igualmente relevantes – com a pena de multa, v.g. –,  também mereceram  reflexões, as quais podem ser vislumbradas no voto cujo teor, por inteiro, publico a seguir. Continue lendo “Preparo e ações penais públicas”

Coautoria e participação

É comezinho que o concurso de pessoas poderá ocorrer na modalidade de participação e coautoria. O autor é o protagonista principal do crime. Ele dele a liderança. É ele que exerce o papel principal. Os coadjuvantes, os que desenvolvem atividas secundárias, já se sabe, são  partícipes. O autor é aquele que decide o se, como e quando deve o crime ser praticado.

Só é, pois,autor, quem tem o domínio do fato. Fora disso, a figura cooperativa situa-se na esfera da participação.

Sempre, pois, que a atuação de um acusado for decisiva para o êxito da empreitada criminosa, não há de se falar em participação, mas, sim, em coautoria.

Os Tribunais têm decidido nessa linha de pensar:

“Na coatoria funfional que se fundamenta no princípio da divisão de tarefas, o agente que realiza atos executórios na parte que lhe cabe realizar do plano criminoso não pode ser considerado partícipe e receber o benefício da participação de menor importância” ( TJMG, AC . 1.0188.05.030945-2/001, Rel. Alexandre Victor de Carvalho)

No no voto que dei, em face da APC nº 0018518-70.2009.8.10.0001, do qual resultou o acórdão de nº 104661/2011, tive a oportunidade de enfrentar a questão,  verbis:

“[…]Importante ressaltar, nesse ponto, que a atuação dos apelantes na empreitada criminosa deu-se a título de autoria e não de participação, tendo em vista que praticaram, de forma pessoal e direta, a figura delituosa, sendo certo que cada um possuía o domínio funcional da tarefa que lhe fora confiada com o fim de executar a infração criminal[…]”

Publico, a seguir, o voto em comento, por inteiro, cumprindo consignar que nele tratei, ademais, do crime de bagatela, do quantum da redução da pena, em face da tentativa, e da substituição da pena restritiva deliberdade por restritivas de direitos. Continue lendo “Coautoria e participação”

Garantismo penal, na prática

No artigo intitulado JUIZ PRECONCEITUOSO, tive a oportunidade de, em determinado excerto, afirmar, verbis:

 “[…]A audição da parte mais frágil da relação processual em face da juntada de um laudo pericial aos autos e que tenha relevância para o deslinde da questão, por exemplo,  é de suma relevância  para que se possa fazer um julgamento constitucionalmente justo.

Nesse sentido, vislumbrando o magistrado que determinada prova, essencial à resolução do litígio, foi colacionada com afronta aos princípios  do contraditório e da ampla defesa, deve, sim, sem titubeio, anular o processo, para que se repare  a eiva, em tributo, também, à dignidade da pessoa submetida a julgamento, afinal, como ensina o sempre lembrado professor  José  Frederico Marques, o livre convencimento não significa liberdade de apreciação das provas em termos tais que atinja as fronteiras do mais puro arbítrio.

 Mais adiante,   destaquei, litteris:

Mas quando eu afirmo que deve o magistrado, diante de uma eiva que macule a defesa do acusado,  anular o processo, reporto-me ao magistrado garantista; não me refiro, portanto, aos que se travestem de justiceiros, aos  que não hesitam em arrostar os direitos do mais débil, para parecer aos olhos dos incautos como arautos do combate à criminalidade[…]”

Pois bem. No voto que publico a seguir, o acusado teve o seu direito ao contraditória e a ampla defesa espezinhado pelo juiz monocrático, que julgou feito, inobstante o laudo pericial tenha sido acostado aos autos, sem que a defesa tivesse sido dele cientificado.

 Do voto destaco o seguinte fragmento: 

“[…]Ante tais considerações, acolhendo, em parte, o parecer da Procuradoria Geral de Justiça, nego provimento ao recurso, no tocante ao pleito absolutório e, de ofício, declaro nulo o processo, a partir da sentença, inclusive, devendo o juízo a quo dar vista às partes para se manifestarem acerca do laudo de exame definitivo e, após, proferir nova decisão[…]”

Abaixo, o voto, por inteiro. Continue lendo “Garantismo penal, na prática”

Condenação com base em prova administrativa

Na sessão da 1ª Câmara Criminal, da última terça-feira, fui voto vencido numa apelação, em face do crime de roubo.

No voto-vista, demonstrei, com todas as letras, que não havia prova judicializada apontando o apelante como autor do crime.

Deixei consignado, ademais, que, conquanto estivesse a vítima na sala das audiências com o acusado, ao tempo da instrução, o juiz e o representante do Ministério Público se preocuparam em fazer o reconhecimento do acusado; e bastava, para tanto, que fosse indagado da ofendida se aquele cidadão, colocado à sua frente, tinha, ou não, participado do crime.

A despeito dessa gravíssima omissão, o acusado foi condenado e a decisão mantida em segundo grau. E, o que é mais grave, com base, exclusivamente, em provas produzidas em sede administrativa, numa total e flagrante afronta aos mais comezinhos princípios que disciplinam a espécie.

Um dos argumentos que serviu de base para manutenção da decisão de primeiro grau foi  que o acusado tinha o passado de crimes, numa invocação perigosa do Direito Penal do autor. 

Eu ainda fiz ver aos meus pares que o réu deve ser julgado pelo que fez, em face do fato que praticou e não em razão do que é ou do que tenha feito no passado.

Nada disso adiantou! A decisão de primeiro grau foi mantida. Fui vencido, mais uma vez. Todavia, somo Sísifo, não sou de desistir.

Não perco o estímulo de continuar pregando a necessidade de que se respeite as franquias constitucionais dos acusados, ainda que venha a ser alvo de críticas vindos do que supõem que garantismo  só vale para os criminosos de colarinho branco.

Na apelação  nº 003985-2011, o fato quase se repetia, pois o apelante foi condenado com base em prova extrajudicial, com a agravante de que a prova administrativa foi adulterada.

Felizmente, os meus pares compreenderam a gravidade do fato e seguiram o meu entendimento.

Em determinado fragmento do voto, anotei:

“[…]Embora a magistrada faça alusão ao termo de reconhecimento fotográfico positivo de fls. 37, e as imagens das cenas do assalto arquivadas no CD assentado às fls. 247, como provas que, supostamente, robustecem o conjunto probatório que dá suporte à condenação pelo crime de formação de quadrilha, o certo é que nem mesmo a confissão do apelante na fase inquisitorial (prova principal), se presta para sustentar a condenação.

Digo isso porque, ao analisar o referido depoimento, pude notar uma gravíssima adulteração, uma rasura no depoimento, para ser mais preciso, na parte em que o apelante afirma: “[…] QUE é verdadeira a imputação que lhe é feita, ou seja, de ter participação no assalto ao Banco do Brasil na cidade de Santa Luzia do Tide, levado a efeito no dia 30.06.09, por volta das 14:30 horas; […]”. (fls. 17) (sem grifos no original).

Com efeito, é notória, aliás, grotesca, a tentativa de “correção” deste depoimento, onde se vê, claramente, que no texto original estava grafado “[…] QUE não verdadeira […]”, sendo o “não” apagado, usando-se um corretivo, e inserido o verbo “é”, manuscrito em caneta, resultando numa informação manipulada, de que o apelante estava confessando a prática delitiva[…]”

A seguir, o voto, por inteiro: Continue lendo “Condenação com base em prova administrativa”

Habeas corpus. Falta de fundamentação idônea

Não é incomum  magistrados, descurando de sua condição de garantista, decretarem prisões preventivas exclusivamente em vista da gravidade do crime, com desprezo pelas circunstâncias que envolveram a ação criminosa.

É verdade que, ao tempo em que judiquei na primeira instância, agi com muito rigor em face dos roubares. E se voltasse à primeira instância agiria da mesma forma, por entender que, ao lado das drogas ilícitas e  do desvio de verbas públicas, o roubo é o flagelo do nossos  dias. Com a agravante de que os roubadores, de arma em punho, saem sempre dispostos a matar ou morrer; e podendo matar, claro, eles não morrem. Por isso, em face deles,  sempre agi com muito rigor, sem descurar, claro, das peculiaridades de cada caso, pois nem sempre a capitulação do crime condiz com a perigosidade do autor. Cada caso, pois, sempre mereceu de mim, com de resto deve merecer de todos nós,  analise particularizada, levando em conta todas as circunstâncias que envolveram o atuar reprochável.

Mas voltando ao tema central dessas reflexões, é preciso, de uma vez por todas, deixar claro que somente a gravidade do crime, isoladamente considerada, à míngua de qualquer outra circunstância, não autoriza, desde o meu olhar, a prisão cautelar, tida e havida, nos regimes garantistas, como extrema ratio da ultima ratio.

Inobstante, os magistrados de primeiro grau ainda insistem, repito, em decretar prisões, com esteio, tão somente, na gravidade do crime, a autorizar,  por isso, a  restituição da liberdade do paciente, via do habeas corpus.

No voto que publico a seguir, em determinado fragmento,  anotei, verbis

“[…]A prisão cautelar, como é cediço, é medida excepcional e deve ser decretada apenas quando devidamente amparada pelos requisitos legais previstos na legislação de regência, em observância ao princípio constitucional da presunção de inocência ou da não culpabilidade, sob pena de antecipar a reprimenda a ser cumprida quando da condenação definitiva[1].

Ressalta-se, ainda, que o juízo valorativo da gravidade genérica do crime imputado ao paciente, desvinculada de qualquer fator concreto ensejador da configuração dos requisitos do art. 312, do CPP, não constitui fundamentação idônea a autorizar a prisão cautelar[…]”.

Mais adiante, já agora refletindo em face da Lei, consignei, litteris:

“[…]Importante registrar, ademais, que, após a vigência da Lei 12.403/2011, a necessidade da prisão preventiva deve passar por um filtro de ponderação e análise escalonada, só sendo cabível quando as demais medidas cautelares previstas no art. 319, do CPP não se mostrarem idôneas[…].

A seguir, o voto, por inteiro. Continue lendo “Habeas corpus. Falta de fundamentação idônea”

Princípio da proporcionalidade, na prática

É comum – mais comum do que se possa imaginar – o vilipêndio ao princípio da proporcionalidade ( da razoabilidade ou da proibição de excesso) em decretos de prisão preventiva que têm sido submetidos à intelecção da 1ª Câmara Criminal.

Explico. Muitas vezes, ante a evidência de que o paciente, ainda que fosse condenado, iniciaria o cumprimento de pena em regime aberto, ainda assim insiste-se em decretar a prisão preventiva, que condiz, assim posso entender, com  a antecipação do cumprimento de pena, sem que ainda tenha sido condenado – e em regime fechado, o que é mais grave.

Diante dessa constatação, qual seja, a de que o paciente, ainda que fosse condenado, cumpriria a pena privativa de liberdade em regime aberto ou, lado outro, poderia ser favorecido com a substituição da pena restritiva de liberdade por restritiva de direitos, é que tenho votado no sentido de conceder a ordem.

O voto que publico a seguir é emblemático e retrata bem essa questão. É que o paciente, ainda que fosse condenado à pena máxima (três anos de detenção), deveria cumprir a pena em regime aberto, ex vi legis. A despeito dessa constatação, ainda assim foi mantido preso. Id est, cumprindo parte da pena em regime mais gravoso.

Em determinado fragmento do voto, anotei: “[…]Imperioso que se ressalte, outrossim, que em caso de eventual condenação, a pena aplicada para o crime imputado ao paciente A.F.S. da S., ainda que aplicada em grau máximo – 03(três) anos de detenção -, ao indicar o regime inicial de cumprimento de pena aberto, nos leva à conclusão de que a imposição de segregação cautelar ao paciente, nos moldes do regime fechado, implica em injusto grave ao réu, não podendo ser concebível[…]”

A seguir, o voto, por inteiro. Continue lendo “Princípio da proporcionalidade, na prática”

Habeas Corpus

No voto que publico a seguir, o inusitado ficou por conta do equívoco na contagem do prazo prescricional por parte do impetrante.

Com efeito, o impetrante, olvidando-se dos marcos interruptivos, postulou a decretação da extinção da punibilidade do paciente, via prescrição,  não logrando êxito em sua postulação,  entrementes, pois que a mim, diante do equívoco,  não restou  outra alternativa que não denegar a ordem.

Acho que, em face do equívoco primário, devo publicar o voto, com as cautelas de praxe, em casos desse matiz, para não expor, desnecessariamente, o impetrante e o paciente, inobstante o writ  tenha sido julgado em sessão pública, como sói ocorrer. Continue lendo “Habeas Corpus”

Habeas corpus

No voto que publico a seguir, o paciente alega estar  sofrendo constrangimento ilegal, em face da expedição de mandado de prisão em seu desfavor.

Alega o impetrante, que há uma decisão desta egrégia Corte, garantindo-lhe o direito de aguardar, em liberdade, o trânsito em julgado da sentença condenatória.

Ocorre, entrementes, que a  ordem foi negada, pois que, diferentemente do que afirmou o impetrante,   o mandado de prisão expedido  decorreu, sim, de uma  decisão condenatória transitada em julgado.

Do exposto, resta indagar: O que leva alguém a buscar um ordem de habeas corpus, sabendo que, sem qualquer dúvida, será negada, em face do equívoco acerca do quadro fático narrado?

Essa resposta, infelizmente, não posso dá-la, à falta de elementos que baste para sustentar uma acusação.

De qualquer sorte, publico, a seguir, o inteiro teor do voto que conduziu a decisão denegatória, na esteira do parecer ministerial, para corroborar o que acima afirmei. Continue lendo “Habeas corpus”