Utopia

imagesEnquanto isso, em Amaurota:

“[…]Em torno da cidade e um pouco além de seus muros estão situados quatro hospitais de tal forma espaçosos, que poderiam ser tomados por quatro burgos consideráveis. Evita-se assim a acumulação e o atravancamento dos doentes, inconvenientes que retardam a cura; além disto, quando um homem é atingido por uma moléstia contagiosa, pode-se isolá-lo completamente. Esses hospitais possuem com abundância todos os remédios e todas as coisas necessárias ao restabelecimento da saúde. Os doentes são aí tratados com um cuidado afetuoso e assíduo, sob a direção dos mais hábeis médicos. Ninguém é obrigado a ir para lá; entretanto, não há quem, em caso de doença, não prefira tratar-se no hospital do que em sua casa.

Depois que os provedores dos hospitais recebem o que pediram, segundo as prescrições dos médicos, o que há de melhor no mercado é distribuído, sem distinção, entre todos os refeitórios, proporcionalmente ao número dos comedores. Serve-se, ao mesmo tempo, o príncipe, o pontífice, os traníboras, os embaixadores, os estrangeiros, se os há, o que é muito raro. Estes últimos, ao chegarem à cidade, encontram os seus alojamentos já preparados e providos de todas as coisas de que podem necessitar[…]”

Sim, sim! Você está sonhando. Esse tipo de hospital só existe na obra ficcional de Thomas More ( Utopia).

Fique certo, todavia, que se não fosse o desvio das verbas públicas destinadas à saúde por bandidos aboletados no poder, tudo seria diferente.

Infelizmente, ao que parece, para nós não há salvação, em face da cultura sedimentada de que verba pública é para ser desviada m esmo, ainda que seja da saúde, ainda que muitos morram e/ou que sejam tratados de forma desumana, em face desses desvios.

Ambição pelo poder

poder202_0Há uma teoria segundo a qual todas as nossas motivações, todas as nossas energias, enfim,  não passam de aspirações pelo poder. Essa seria, pois, segundo a teoria, a essência da energia humana.

Hobbes, nessa linha de compreensão, entendia que o movimento primário de todo ser humana é, sim,  em direção ao poder.

É de Hobbes a conclusão: “[…]evidencio uma inclinação geral de toda humanidade, um perpétuo e incansável desejo de poder após poder, que só cessa com a morte”. Por causa disso, entendia que devia haver um poder absoluto para controlar o homem[…]” ( apud Martin Cohen, Casos Filosóficos, 2012, p.135)

Sei não…Acho que comigo não ocorre bem assim!

Em verdade, posso afirmar, eu não tenho nenhuma ambição de poder. Sinto-me, essa é a verdade, acanhado no poder.

Estranho, não!?

Não peçam para eu explicar porque não saberei fazê-lo.

Não é nada patológico, inobstante. Vou me contorcendo e vou levando.

Não chego, pois, a me angustiar.

Aliás, acho que nem mesmo na minha casa eu sei exercer o poder. Tenho dúvidas, sim, se sei exercer o poder de pai, pois eu sempre compreendi – e compreendo – que o melhor que posso fazer é dar exemplo. Mais do que isso me julgo incapaz de fazer.

Não sei repreender.

Não sei gritar.

Não sei castigar.

Não dou murro na mesa.

Não dou contraordem.

Não desmancho o que está feito.

Não falo alto e  não fomento discórdia.

Alias, digo, com a necessária ênfase: não tolero discórdia.

Quem apostar na discórdia vai perder comigo, pois, os que estão em volta de mim sabem que  só sei viver em paz; sou viciado em paz.

Qualquer desentendimento, mínimo que seja,  me agasta, me tira do sério, me faz soturno, sorumbático…

Eu gosto de seguir dando o exemplo; de preferência, claro, bom exemplo. Pelo menos, penso assim.

Mas posso estar equivocado. Aliás, para ser bem sincero, eu nem sei se dou bons exemplos, a considerar os valores morais atuais e a considerar que, como qualquer pessoa, eu também posso me deixar levar pelas tentações do mundo.

Mas retomando a teoria em comento, anoto que ela proclama que até mesmo o sexo pode se traduzir em categorias de poder, “seja porque queremos possuir o corpo de outra pessoa – e, portanto, possuímos a pessoa completamente -, seja porque achamos que, ao possuí-lo, impedimos outros de fazê-lo; ambas as situações nos permitem a satisfação do poder que exercemos sobre alguém” ( Leszek Kolakowki, in Pequenas palestras sobre grandes temas, editora UNESP, p. 12)

Apesar da teoria, reafirmo que não me dou com o exercício do poder; há muitas razões para isso.

Vou tentar elencar mais algumas que me ocorrem agora.

Sou tímido; sou acanhado.

Não sei dominar; quando julgo ter dominado, na verdade eu é que  estou quase sempre dominado.

Não sei traficar influência.

Não sei pedir – nem para mim, nem para ninguém.

Não sei influenciar.

Não gosto de deixar transparecer que eu possa estar  podendo.

Não me apraz os excessos de cortesia em face do meu cargo.

Não gosto de ser o alvo das atenções.

Tenho medo de parecer arrogante.

Piso sem firmeza quando percebo que estou chamando a atenção.

Não gosto de solenidades.

Não quero ser presidente do Tribunal de Justiça.

Não quero ser Corregedor.

Não tenho aptidão para mandar em ninguém.

Não sei fazer cobranças.

Não sei passar reprimenda nas pessoas.

Não gosto de ser deselegante.

Não gosto de parecer que sou melhor do que ninguém.

Não tenho fascínio de carro preto.

Não faço questão de andar com motorista.

Sou do tipo que se acanha quando é servido.

Não gosto de privilégios.

Não gosto de furar filas.

Não sei quando vou usar as minhas prerrogativas de idoso, pois me constrange ver pessoas saudáveis fazendo uso da prerrogativa por entender que direito é direito e ponto final.

Se entro num restaurante, piso em ovos com medo de ser reconhecido.

Não suporto quando me apresentam em algum lugar priorizando o cargo que exerço.

Fico muito mal quando constato que sou pouco importante como ser humano  e que, em certas ocasiões,  não fosse pelo cargo, não seria sequer cumprimentado.

Para mim, essa história de poder é muito complicada.

Prefiro ser apenas eu; nada mais.

Tudo o mais, para mim, parece excesso.

Gosto das coisas simples.

Gosto, até, de fazer  compras na Rua Grande.

As situações que envolvem poder sempre deixam mal.

Na verdade, me sinto fragilizado diante do poder.

O poder me assusta e me impulsiona na direção da minha casa, onde me sinto revitalizado.

Indago: uma pessoa que esse perfil pode se dar bem com o poder?

Como amar o poder  se o poder me assusta?

STF notícias

2ª Turma reafirma jurisprudência sobre presença de réu em audiência

stf2-300x214 Por unanimidade, a Segunda Turma do Supremo Tribunal (STF) reafirmou a jurisprudência da Corte ao conceder um Habeas Corpus (HC 111728) para anular a condenação de dois homens que, presos, não compareceram à audiência que ouviu testemunhas de acusação. Eles foram condenados por roubo à mão armada (artigo 157, parágrafo 2º, incisos I e II e artigo 70, caput, do Código Penal) pelo juízo da Vara Distrital de Ferraz de Vasconcelos, Comarca de Poá (SP).

A Defensoria Pública recorreu contra a condenação e o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), ao julgar a apelação, anulou o processo a partir da realização de tal audiência por entender que o direito à defesa e ao contraditório haviam sido comprometidos. A defesa alegou que a continuidade da audiência sem a presença dos réus prejudicou o seu direito de, eventualmente, questionar os depoimentos.

No entanto, quando o processo chegou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) por meio de recurso da acusação, aquela corte afastou a nulidade do processo e determinou que o tribunal de origem prosseguisse com o julgamento de recurso de apelação.

Voto

A relatora do caso, ministra Cármen Lúcia, apresentou o voto condutor do julgamento ao conceder a ordem para restabelecer a decisão do TJ-SP. Segundo ela, “de alguma forma ficou, sim, comprometido o direito à ampla defesa e, neste caso, seria uma nulidade absoluta, porque é um direito constitucional”.

O ministro Celso de Mello citou alguns processos já julgados pelo STF em que o tribunal deixou claro que “o Estado tem o dever de assegurar ao réu preso o exercício pleno do direito de defesa”. Ele ainda destacou que no contexto dessa importante prerrogativa está o direito de presença do acusado, que muitas vezes deixa de comparecer não porque deseja, mas porque o Estado falha no cumprimento de sua obrigação.

“O acusado, embora preso, tem o direito de comparecer, de assistir e de presenciar, sob pena de nulidade absoluta, os atos processuais”, destacou o ministro Celso de Mello ao afirmar que “são irrelevantes as alegações do poder público concernentes à dificuldade ou inconveniência, muitas vezes, de proceder a remoção de acusados presos a outros pontos do estado ou até mesmo do país, uma vez que razões de mera conveniência administrativa não tem e nem podem ter precedência sobre as inafastáveis exigências de cumprimento e respeito ao que determina a Constituição”.

O ministro Gilmar Mendes acrescentou que é preciso encontrar uma forma de dar efetividade a essas decisões para além do caso concreto, uma vez que por falhas do próprio sistema esses casos continuam a se repetir. “A jurisprudência em geral nesses casos é pacífica, mas a despeito disso continuam-se a reproduzir essas situações com grande constrangimento para todos os atingidos”, afirmou.

CM/AD

Distância de patrocinadores

CNJ limita participação de magistrados em eventos patrocinados

 

19/02/2013 – 20h06
CNJ limita participação de magistrados em eventos patrocinados

O Conselho Nacional de Justiça (CN) aprovou, nesta terça-feira (19/2), na 163ª Sessão Ordinária, resolução que disciplina a participação de magistrados em congressos, seminários e eventos culturais. Pela norma, que entrará em vigor 60 dias após sua publicação, o magistrado só poderá participar de eventos jurídicos ou culturais, patrocinados por empresa privada, na condição de palestrante, conferencista, debatedor, moderador ou presidente de mesa. Nessa condição, o magistrado poderá ter as despesas de hospedagem e passagem pagas pela organização do evento.

A resolução do CNJ proíbe os magistrados de receberem prêmios, auxílios ou contribuições de pessoas físicas ou entidades públicas ou privadas. Se o magistrado quiser participar de algum evento, deve arcar com os custos de hospedagem e deslocamento, a não ser nos casos em que a própria associação de classe custeie totalmente o evento.

Nos casos de eventos realizados por tribunais, conselhos de justiça e escolas de magistratura, será permitido que empresas contribuam com até 30% dos custos totais do evento. Mas o tribunal, o conselho ou a escola responsável terá de remeter ao CNJ a documentação dos gastos com o evento.

O texto da resolução aprovada foi redigido pelos ministros Carlos Alberto Reis de Paula e Francisco Falcão, corregedor nacional de Justiça. Anteriormente, Francisco Falcão havia apresentado outra proposta, que foi aperfeiçoada em conjunto com Carlos Alberto.

Debate – A resolução aprovada foi a possível, segundo o ministro Francisco Falcão. No texto anterior, ele propunha a proibição total de patrocínio aos eventos, mas aceitou estabelecer o limite de 30% para garantir a aprovação pelos conselheiros. “É um passo inicial. A resolução atende em parte aos anseios da sociedade”, afirmou Falcão.

Durante o debate, o conselheiro Silvio Rocha defendeu que os eventos patrocinados pelos órgãos do Poder Judiciário fossem custeados totalmente com verbas orçamentárias.

Os conselheiros Tourinho Neto e Ney Freitas, por sua vez, ponderaram que a proibição poderia prejudicar as associações, e os cursos e seminários destinados ao aperfeiçoamento dos magistrados. Ney Freitas lembrou que os tribunais não dispõem de verbas para o aperfeiçoamento de magistrados.

No julgamento, ficaram vencidos os conselheiros Tourinho Neto e Silvio Rocha e parcialmente vencidos os conselheiros José Lucio Munhoz e Vasi Werner.

Veja a íntegra do texto aprovado pelo Plenário.

Gilson Euzébio
Agência CNJ de Notícias

Tributo ao colega Stélio Muniz

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O nosso estimado colega Stélio Muniz deixará o proscênio; com a lucidez e o tirocínio inalterados,  vai, com certeza, prestar o seu labor em outra atividade – devendo fazê-lo, claro, com a sua proverbial proficiência e honradez, atributos que emolduraram a sua profícua e exemplar ação judicante ao tempo em que serviu, com desvelo e denodo, ao Poder Judiciário do nosso Estado.

José Stélio Muniz, para deleitação dos que pensam e agem como ele – e dissabor dos que agiram ou agem noutra linha de conduta -,sai como entrou: limpo, íntegro, reto, probo, digno, humano, honrado, admirado e reconhecido pela comunidade jurídica maranhense, donde não se ouve um único zumbido tendente a deslustrar a sua ação enquanto magistrado zeloso e pai de família extremado.

O Poder Judiciário do Maranhão perde, pela força inexorável do tempo, um dos seus mais ilustrados e bem-afamados integrantes; homem de boa cepa, dos mais dignos e representativos de sua geração, cuja atuação, correta e exemplar, ficará marcada, com cores vivas, em face  de sua profunda afeição e excessivo desvelo para com a res pública, numa quadra na qual somos bombardeados, todos os dias, com a veiculação de notícias dando conta da confusão que se tem estabelecido entre o público e o privado, como uma erva daninha a fragilizar as nossas instituições.

O colega Stélio Muniz é daqueles homens públicos de postura moral irrepreensível, de correção profissional admirável; espécie rara, do tipo quase em extinção, dos que dão estatura moral à instituição a que pertencem, que vergam em face das intempéries, dos contratempos e dos dissabores, mas que, duros como uma rocha, sem radicalismos e sem excessos, não quebram, não fazem concessões que não sejam legítimas, não se deixam seduzir pelo beneplácito que o poder proporciona e que a tantos fascina e leva de roldão.

De formação moral sólida, de abnegação e intrepidez inigualáveis, vai fazer falta – eu já sinto a sua falta. Todos sentiremos a sua falta!  A comunidade jurídica sentirá a sua falta, pois que sua ação judicante foi sempre uma garantia ao jurisdicionado de uma decisão bafejada pela correção e imparcialidade.

Assistimos, estupefatos e impotentes,  a passagem implacável do tempo; tempo que, em relação ao Poder Judiciário, tem nos roubado, nos últimos anos, muitos dos mais conspícuos protagonistas da moral, artífices de conduta ilibada que tanto nos fazem falta: Carlos Aires Brito, Cezar Peluso, Eros Graus, Sepúlveda Pertence, Francisco Rezek , Sidney Sanches, Paulo Brossard, dentre outros ilustrados e renomados juristas brasileiros.

Com o Poder Judiciário do Maranhão não tem sido diferente. Assim é que, nos últimos anos, temos perdido para o tempo nomes destacados da nossa corporação; destacados não só pela retidão, mas, sobretudo, pelo zelo e lucidez com que trataram as mais diversas e complexas demandas judiciais submetida à sua intelecção.

O estimado colega Stélio Muniz deixa o Poder Judiciário e entra para história como um dos mais honrados magistrados da nossa geração, do qual todos temos que nos orgulhar, mesmo aqueles que eventualmente não concordem com as suas posições.

O magistrado Stélio Muniz escreveu, na minha avaliação, algumas das páginas mais dignas que um homem público pode escrever, estando no exercício do poder, poder que nos impõe, não se há de negar, determinadas provações e mimos; mimos e provações que muitos, por fraqueza ou ambição, não são capazes de resistir.

Stélio Muniz deixa o tablado, sai de cena, verá o pano cair com a costumeira dignidade. Mas, que bom!, deixará o palco como um magistrado honrado e probo. Será, doravante, para mim e muitos outros, um paradigma, uma referência, um exemplo, uma figura destacada, que nunca deslustrou a toga, conquanto se tenha que admitir que, aqui e acolá, como ser humano que é, deve ter cometido os seus erros, incorrido em equívocos, os quais, inobstante, apenas reafirmam a sua condição de ser humano.

Pessoalmente, sentirei falta, sim, do estimado e correto colega Stélio Muniz, de quem sempre esperei, nunca embalde,  nos nossos julgamentos, a palavra sensata, equilibrada, altiva, ponderada, elegante, atenciosa, respeitosa – sempre no mesmo tom, às vezes monocórdica, sem ser monótona, mas sempre benfazeja e oportuna, a mostrar, pelo menos para mim, a direção, o caminho, o norte, o rumo a ser seguido, como se fosse uma bússola, como se fora um GPS a me conduzir a um porto seguro.

Desde que cheguei no Tribunal de Justiça, tenho observado, com a devida atenção, o comportamento de todos os colegas. Faço isso porque tenho no sangue o vírus do cronista. E como cronista devo estar sempre atento aos fatos da vida, pois de um determinado acontecimento, muitas vezes irrelevantes para muitos, nascem as crônicas que escrevo.

Como me ponho a perscrutar e analisar, sempre e sem trégua, tudo que está em meu entorno,  me impressionei, desde os primeiros dias de atuação no segundo grau, com a capacidade de discernimento, o equilibro, a sensatez e o tirocínio do colega Stélio Muniz.

Sempre me impressionou, de mais a mais, a sua capacidade de captar o sentido dos votos que proferimos, mesmo quando se imagina que ele possa não ter estado atento.

É esse egrégio magistrado, da melhor cepa, de postura moral exemplar, de conduta retilínea e ilibada que vai nos deixar em poucos dias, por conta da passagem inclemente do tempo.

No momento em que se exige mais e mais de um magistrado – de qualquer homem público, enfim – , que, além de diligente e estudioso,  seja também prudente e equilibrado, nós vamos perder para o tempo um dos nossos mais destacados quadros, que deixa o palco sem uma mácula sequer em sua vida profissional, que sai de fronte erguida, na certeza de que a história lhe fará justiça.

Quando nos tornamos inúteis

Nada é mais absoluto: em determinado momento da vida, nós não seremos mais úteis; e, nessa condição de inutilidade, somos (?) todos descartáveis.

Por isso a indagação: quando não somos mais úteis, como devem proceder em relação à nossa pessoa? Devemos, pura e simplesmente, ser descartados, como se descarta um bagaço de laranja?

franz-kafkaA verdade é que, enquanto as pessoas são úteis, elas tratados com alguma  consideração e, às vezes, até fidalguia, sobretudo pelos que dependem delas.

Mas um dia chegará que, mesmo as pessoas mais próximas, nos verão como um peso difícil de ser carregado. Nesse cenário, pode surgir a singela ideia de livrarem-se de nós.

Lembro, a propósito, de Gregor Samsa, protagonista da novela Metamorfose, de Franz Kafka.

Gregor Samsa, antes da metamorfose, não tinha vida própria: vivia para a família, trabalhando a plena carga, como caixeiro viajante, pois todos dependiam dele.

Determinado dia, transformado num inseto, dá-se conta de sua inutilidade; inutilidade que leva a sua própria família a cogitar a sua morte.

É dizer: no momento de maior dificuldade, em face de sua transformação,  Gregor, que tão útil tinha à família, descobre que não tem nenhum valor, passa a ser tratado como algo que deva ser descartado, sem mais demora.

A irmã de Gregor Samsa, diante do quadro, em determinado instante concitou os próprios pais a se livrarem do irmão metamorfoseado, o fazendo, fria e calculadamente, como entremostra o excertos abaixo transcrito, apanhado, in verbis, da novela de Kafka:

Queridos pais – disse a irmã, dando à maneira de introdução um forte soco sobre a mesa – , isto não pode continuar assim. Se vocês não compreendem, eu percebo isso. Diante desse monstro, não quero nem mesmo pronunciar o nome do meu irmão; e portanto apenas direi isto: é forçoso tentar livrar-nos dele. Fizemos o que era humanamente possível para cuidar dele e tolerá-lo e não creio que ninguém possa fazer-nos a menor censura.

– Tens mil vezes razão – disse então o pai.

Mais adiante, fascinada pela ideia de se livrar do irmão metamorfoseado, ponderou, ademais:

-É preciso que ele se vá – disse a irmã. – Este é o único meio, pai. Basta que procures desfazer a ideia de que se trata de Gregor. O tê-lo acreditado durante tanto tempo é na realidade a origem de nossa desgraça. Como pode isto ser Gregor? Se assim fosse, já há tempos teria compreendido que não é possível que alguns seres humanos vivam em comunhão com semelhante bicho. E a ele mesmo teria ocorrido partir. Teríamos perdido o irmão mas poderíamos continuar vivendo e sua memória perduraria eternamente entre nós.

A metamorfose, de Kafka, nos induz a refletir sobre o comportamento humano e a indagar, nos mesmo passo: o que nós, leitores, numa situação semelhante, seríamos capazes de fazer? O ser humano, afinal, quando deixa de ser útil, sejam quais forem as razões, deve, pura e simplesmente, ser descartado?

Pense nisso!

O mensalão e a prerrogativa de foro por conexão

A necessidade de interpretação constitucional evolutiva sobre a conexão em ações penais originárias

1 INTRODUÇÃO

rodrigo-lago-300x232O julgamento da Ação Penal n° 470 é considerado por alguns o maior já realizado pelo Supremo Tribunal Federal. O Tribunal dedicou seus esforços durante um semestre, quase exclusivamente, ao julgamento de mérito deste processo. Neste processo, histórico, vários réus foram condenados por crimes contra a administração pública, incluindo altas autoridades do passado recente, e que compõem o grupo político que ainda governa o Brasil.

Os números deste julgamento de mérito impressionam. Foram cinquenta e três sessões dedicadas apenas ao julgamento de mérito da ação, tendo o Tribunal sido obrigado a aprovar previamente umcronograma próprio, marcando sessões extraordinárias do Plenário durante todo o segundo semestre de 2012. Algumas vezes, o Supremo Tribunal Federal realizou sessões durante todos os dias da semana. Ao advogado ou defensor de cada um dos trinta e oito réus foi garantido o direito de sustentar oralmente as suas razões de defesa durante uma hora, totalizando, sem eventuais intervalos, trinta e oito horas somente de sustentações orais. Ao final, somente da fase pública do processo, e ainda antes da publicação do acórdão de condenação, foram redigidos vinte e seis acórdãos, entre o recebimento da denúncia, agravos regimentais e questões de ordem.

É inegável o simbolismo deste julgamento, a representar a bandeira contra a impunidade dos poderosos. Mas, após este julgamento, várias questões ainda suscitam controvérsias, tanto em matéria penal, como também em matéria constitucional, incentivando os debates. E certamente a questão que merece maior atenção diz respeito ao foro por prerrogativa funcional, especialmente quanto a extensão da competência do Supremo Tribunal Federal a réus que não detém como prerrogativa o foro funcional.

O presente artigo analisa a compatibilidade com o texto constitucional da prorrogação legal da competência, por conexão, do Supremo Tribunal Federal para o julgamento de acusados que não detêm prerrogativa de foro funcional.

Leia o artigo por inteiro no blog os Constitucionalistas

Está na hora de acabar com esse privilégio

A folha de São Paulo de hoje traz editorial que cuida das férias dos magistrados, cujos excertos publico a seguir, com redução de texto do colega Frederico Vasconcelos

Trechos do editorial da Folha nesta segunda-feira (18/2), sob o título “Injustiça nas férias”:

A cúpula do Judiciário ensaia reduzir as férias dos magistrados dos atuais 60 dias para 30. Mais uma vez, pode-se antecipar forte reação corporativa contra o projeto. Pelo menos desde a Constituição de 1988 fala-se em acabar com o privilégio, mas há 25 anos os juízes resistem às investidas.

A benesse é difícil de sustentar, em termos econômicos como de igualdade republicana. Às férias dobradas se somam regalias como 12 dias de recesso no fim do ano e alguns feriados exclusivos -os dias da Justiça, do Advogado e do Servidor Público.

(…)

 É claro que apenas reduzir as férias dos magistrados não vai resolver o problema da morosidade e da ineficiência do Poder Judiciário, mas não há dúvida de que traria algum avanço.

Seria, além disso, uma demonstração importante de que a Justiça brasileira conseguiu superar o corporativismo e foi capaz de pôr fim a uma sinecura cara e antirrepublicana que a beneficiava.

 Não se omita. Dê sua opinião sobre o tema.