Li no Estadão

Decisão do STJ ameaça prisões por embriaguez determinadas pela lei seca

14 de outubro de 2010 | 0h 00

Mariângela Gallucci / BRASÍLIA – O Estado de S.Paulo

Uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) poderá servir de precedente para que se torne sem efeito a lei seca, que endureceu as punições, prevendo até a detenção, a motoristas flagrados dirigindo sob o efeito do álcool. Na prática, vai bastar um acusado se recusar a fazer exame de bafômetro ou de sangue.

A 6.ª Turma do STJ determinou o arquivamento de uma ação penal aberta contra um motorista que se recusou a fazer exames após ser flagrado por PMs dirigindo na contramão e com sinais de embriaguez. A decisão pode encorajar motoristas infratores e os questionamentos só terão fim após sentença do Supremo Tribunal Federal (STF).

Durante o julgamento, que ocorreu em junho e só foi divulgado na segunda-feira, prevaleceu o voto do ministro Og Fernandes. Ele lamentou o fato de que a lei se tornou ineficaz por estabelecer que a embriaguez deve ser comprovada por meio de um exame de sangue ou teste do bafômetro. “O que se inovou com o objetivo de coibir mais eficazmente os delitos de trânsito pode tornar-se absolutamente ineficaz, bastando o indivíduo não se submeter ao exame de sangue ou em aparelho de ar alveolar pulmonar.”

No julgamento, o ministro citou liminar dada no ano passado pelo ministro Joaquim Barbosa, do STF, segundo a qual, com a mudança da lei, para comprovar o estado de embriaguez é necessária a realização do exame. Como a Constituição estabelece que ninguém é obrigado a produzir prova contra si, estabeleceu-se um impasse. No momento, uma Ação Direta de Inconstitucionalidade que questiona a constitucionalidade da lei seca, proposta pela Associação Brasileira de Restaurantes, está parada, sob relatoria do ministro aposentado Eros Grau.

Anteriormente, a legislação não previa a realização dos testes. Estabelecia apenas que poderia ser punido o motorista que dirigisse sob influência de álcool ou substância com efeitos análogos, expondo outras pessoas a danos. “É extremamente tormentoso deparar-se com essa falha legislativa”, diz Fernandes. Os ministros do STJ acataram o relator e determinaram o trancamento da ação que tinha sido aberta contra o motorista por crime de embriaguez ao volante. De acordo com o Código de Trânsito Brasileiro, esse crime pode ser punido com pena de detenção de até 3 anos, multa e suspensão ou proibição para dirigir.

O ministro Og Fernandes ainda observou que a mudança legislativa teve enorme repercussão e deu a impressão de que violência no trânsito decorrente do uso de bebida por motoristas “estaria definitivamente com os dias contados”. No entanto, o legislador não levou em conta a necessidade da prova. “Não tendo sido realizado o teste do bafômetro, falta, obviamente, a certeza da satisfação desse requisito”, afirmou o ministro na ocasião.

Li na Folha de São Paulo

Impunidade para traficantes

ANDRÉ LUIZ DOS SANTOS e SILVIO DE CILLO LEITE LOUBEH


Ao permitir que traficantes tenham penas substituídas por medidas alternativas, o STF passou por cima da manifestação do Legislativo


Lugar de traficante não é mais na cadeia. É na escola, prestando serviços. Pelo menos é essa a decisão do STF, que, em setembro, julgou inconstitucional dispositivo da Lei de Drogas que proibia a aplicação das chamadas penas alternativas àqueles condenados pelo crime de tráfico de entorpecentes.
A decisão, proferida no julgamento de um habeas corpus, produz efeitos apenas para o caso específico, mas indica um entendimento que poderá ser repetido em outros julgamentos.
O fundamento para o reconhecimento da inconstitucionalidade da norma foi o princípio constitucional da individualização das penas.
Ora, é a própria Constituição Federal que prevê tratamento mais rigoroso para os autores dos crimes hediondos e equiparados, como é o caso do tráfico.
Também é a Constituição que remete ao Congresso a regulamentação das penas alternativas, que já o havia feito, inclusive criando restrições à sua aplicação, sem que se falasse em ofensa ao referido princípio da individualização das penas.
É certo que o legislador não pode tratar, de forma diversa, situações idênticas. Não é o caso do traficante, o que traz correção à decisão do Poder Legislativo na vedação de pena alternativa para o tráfico.
Ao permitir que traficantes tenham suas penas substituídas por medidas alternativas, o STF passou por cima da soberana manifestação do Poder Legislativo, que, de forma legítima e atendendo ao espírito da Constituição, impôs a estes criminosos um tratamento mais severo.
A Lei de Drogas, não com nosso aplauso, já havia criado diferença no tratamento para pequenos e grandes traficantes, permitindo àqueles redução drástica na pena.
Ou seja, o Poder Legislativo já tinha estabelecido uma política criminal favorecendo os criminosos de menor gravidade, com menos tempo de cárcere e possibilidade de reinserção rápida à sociedade, com a progressão de regime.
Nesse sentido, um traficante primário e não integrante de organização criminosa é condenado, em regra, a pena de um ano e oito meses.
Com a progressão, permanece apenas oito meses no regime fechado, passando ao semiaberto, com possibilidade de trabalhar fora do presídio, e depois para o aberto.
Isso já nos parece por demais brando, tratando-se de crime que a própria Constituição Federal considerou hediondo.
Não podemos nos esquecer, ainda, que Justiça criminal não se confunde com justiça social. Os malefícios decorrentes do tráfico de entorpecente são amplamente conhecidos pela sociedade brasileira e precisam ser reprimidos duramente.
A experiência mostra que, direta ou indiretamente, a maior parte dos crimes violentos (homicídios, latrocínios, roubos) está relacionada ao comércio e ao consumo de drogas.
A recente decisão do Supremo Tribunal Federal representa grave prejuízo para a repressão do tráfico de drogas e um incentivo para o envolvimento de nossos jovens no comércio de entorpecentes.


ANDRÉ LUIZ DOS SANTOS, 34, mestre em direito constitucional, é promotor de Justiça em Guarujá (SP). Trabalhou no Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) em Santos.
SILVIO DE CILLO LEITE LOUBEH 35, é promotor de Justiça em Cubatão (SP). Trabalhou no Gaeco em Guarulhos.

Pobre Cururupu

Aproveitei o feriado e fui a Cururupu, cidade localizada na baixada maranhense. Levei três votos para revisão. Esperava servir-me da internet para essa finalidade. Mas fui surpreendido com uma situação que me causou inquietação: não tinha internet. A única pessoa que fornecia o serviço tinha ido embora para Florianópolis. Eu poderia até usar outro servidor. Para isso, inobstante, eu tinha que comprar uma antena por duzentos reais – fora o preço do serviço. Resultado: sem internet, não pude rever os votos. Frustrado, passei três dias jogando conversa fora.

Mas em Cururupu o problema não se resume a falta de internet. Lá estabeleceu-se o caos. As ruas são um depósito de lixo, além de estarem esburacadas – quase intrafegáveis. Não há carro que resista a tanto buraco.

Para que se tenha uma idéia do que é Cururupu, para me ver livre do lixo próximo de minha residência – claro que produzido por mim – tive que pagar trinta reais a um carroceiro. Ou pagava ou ficava com o lixo na porta, pois a prefeitura não disponibiliza esse serviço.

Mas não é só isso. Em Cururupu, se você não tem parabólica, só tem acesso à programação da Globo e do SBT. E como a TV Globo está sem sinal, o povo de Cururupu fica sem a opção da novela, da notícia e do futebol.

É assim mesmo. Sem mais, nem menos.

Pobre Cururupu!

Não me pergunte a razão de tanto descaso. Eu sei, mas não vou responder, porque não desejo, sob qualquer pretexto, imiscuir-me em questões políticas da paróquia.

Mas não é só isso. A principal praça da cidade virou depósito de lixo e campo de pastagem. Vê-se animal – bois, vacas, porcos, etc – por todos os lados. Os urubus são os convidados mais destacados do banquete proporcionado pelo lixo que não é recolhido.

Tem mais. A praça São Benedito também virou depósito de lixo. Estive lá, segunda-feira, dia 11 do corrente. O que vi é de estarrecer. Nada mais deprimente. E olhe que ele é o padroeiro da cidade e a cidade está em festa em sua homenagem.

Cururupu, enfim, está abandonada. E nada se faz. E fica tudo como está. Mas é revoltante. Eu fico indignado. É tudo muito nebuloso. Tudo tem a cara de maquinação, de desleixo, de descaso, de falta de respeito, de insensibilidade moral.

Pobre Cururupu!

A atual administração iniciou a construção da praça da matriz. A obra, pra variar, não foi concluída. Há pelo menos três anos está parada. Resultado: os vândalos levaram todos os tijolos que tinham sido colocados para realização da obra.

E agora, como fica? Vai ficar assim mesmo? E não se presta contas? E não se tem a quem dar satisfação? E Ministério Público, não sabe de nada? Não viu nada? Não sentiu nada? Não vai se mexer? Vai quedar-se inerte?

Pobre Cururupu!

Cururupu não tem polícia, ademais. Na segunda-feira, dia 11, precisei dos serviços da Polícia Militar. Foram dados três telefonemas e nada! Depois de muito esperar, resolvi entregar a Deus a minha segurança. E o mais engraçado é que no último telefonema fui informado que a viatura já tinha passado em minha residência.

Tudo mentira, engodo, falta de respeito.

Talvez se eu tivesse me identificado a Polícia teria ida me socorrer. Mas, teimoso, não lhes dei esse gostinho, pois quem estava em apuros não era o desembargador, era o cidadão José Luiz Oliveira de Almeida.

Cururupu é isso aí – e muito mais.

Cururupu só tem servido para acalentar a malandragem de uns poucos.

E o povo, pacífico, fica na esperança de que um dia as coisas mudem.

Mas não mudarão, ao que vejo e sinto.

Pobre Cururupu!

O povo de Cururupu não merece o que estão fazendo ( ou não fazendo) com a sua cidade.

A outrora pacífica Cururupu, nos dias atuais, mete medo.

Eu não me atrevo sair de casa à noite. É apavorante!

E povo, também nessa questão, permanece silente, na esperança que as coisas mudem um dia.

O povo se sente impotente diante de tanto descaso.

Pobre Cururupu!

Em tempo:

Espero que ninguém ouse usar estas reflexões politicamente, pois estou desabafando apenas como cidadão, com ligações afetivas com a cidade, de onde, inclusive, fui Promotor de Justiça, na década de oitenta.

Nenhum outro sentimento me move.


Em favor do mais antigo

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As razões pelas quais decidi não concorrer a nenhum cargo de direção para o Tribunal de Justiça – ou para o Tribunal Regional Eleitoral do Maranhão – foram muito claramente expostas por ocasião da minha posse.

Vou reafirmar, agora, essa minha inabalável convicção: não me candidato, não participo de nenhuma disputa para direção (Presidência e Corregedoria do Tribunal de Justiça e Presidente e Corregedoria do Tribnunal Regional Eleitoral), se não for pelo critério da antiguidade.

É que, desde a minha compreensão, pedir voto para um cargo de direção deixav o(s) colega(s) em situação desconforável. Não é confortável para quem pede, nem para quem se dirige o pedido.

São duas situações igualmente desconfortáveis, que poderiam ser evitadas, se fosse adotado o critério do Supremo Tribunal Federal, ou seja, da antiguidade, já que, de rigor, todos estão aptos para o exercicio de qualquer direção.

Todo pedido, mais dia menos dia, pode significar uma concessão ou uma dissensão.

Isso é fato! Todos sabemos dessa possibilidade.

Um voto negado, sejam quais forem as razões, pode ferir suscetibilidades, pode causar um desconforto nas relações entre os membros de uma confraria.

Todas as vezes que houve disputa por cargo no Tribunal de Justiça do Maranhão houve sérias dissensões; desinteligências deletérias, muitas das quais se eterneizaram, ao que vejo e sinto.

Um Tribunal de Justiça não pode se dividir em face dessas questões menores. Todos temos que compreender que mais que o interesse pessoal deve ser sublimado o interesse público.

As disputas internas fazem muito mal a qualquer instituição .

Fico sempre com a impressão de que quem pede um voto sente-se na obrigação de não desagradar o eleitor. É por isso que sou contra essa prática. Eu prefiro regras definidas, claras, objetivas.

Quem depende de um voto para ascender, pode – eu disse pode! – se sentir na obrigação de fazer uma concessão, da qual pode resultar, sim, sério atentado às suas convicções.

Eu já vi este filme e não gostei.

É por isso que não tenho pendores para ser protagonista desta história da vida real, da qual resultam, não raro, fissuras irreparáveis.

Tenho dito, como o fiz acima, que para que a disputa por um cargo de direção não se traduza em um jogo de constrangimento, o ideal mesmo é seguir a regra que privilegia o mais antigo. Nesse sentido, todos ficam sabendo quem – e quando – assumirá essa ou aquela direção. Não precisa pedir voto, não precisa ser simpático, não precisa abalar as convicções.

Eu nunca forçarei uma simpatia para ter direito ao sufrágio do meu nome.

Por isso, não me candidato.

É por isso que entendo que deve ser escolhido sempre o mais antigo.

Pode parecer estranho, mas ainda é o melhor critério, a considerar que todos nós estamos em condições de exercer a direção de um dos órgãos que compõem o Poder Judiciário.

Sobre mim

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Sinto necessidade de, muitas vezes, refletir sobre mim; e de dizer sobre mim.

É que as pessoas muitas vezes só conhecem o julgador sob a toga. Muitos pensam, até, em face de algumas decisões, que se trata de uma pessoa destituida de sentimento. É como se, para alguns, fôssemos apenas uma máquina produtora de decisões. Mas não é assim, inobstante.

Com essas notas introdutórias, vou às reflexões, que tratam hoje especificamente da minha incapacidade para o conflito.

Digo logo, por óbvio, que não gosto de viver em conflito comigo e muito menos com as pessoas que amo – e, até, com as que não amo.

Os conflitos que travo comigo mesmo só a mim interessam, claro. Eu os resolvo, com algum sofrimento, mas os resolvo; e nem sofro tão intensamente, pois o tempo me ensinou a resolvê-los sem traumas.

O que pega mesmo, para mim, são os conflitos que travo com o semelhante. Esses me agastam sobremodo.

Não sou do tipo que, diante de um desentendimento banal, abre a boca e diz não estar nem aí.

Eu estou aí, sim. Eu me importo, sim, com as desavenças que eventualmente travo com o meu semelhante.

A verdade é que, diante do mais corriqueiro desentendimento, sou candidato ao sofrimento, ao abalo emocional.

Claro que é um erro ser assim, afinal, ninguém vive sem conflito, sem bater de frente com o semelhante.

Eu não gosto, todavia – antes, tenho pavor – , de litigar (sentido amplo) com o semelhante, máxime se o semelhante está dentro da mesma corporação, se vive no mesmo ambiente que vivo.

Mas, que fique claro, eu não estou refletindo sobre conflitos de ponto de vista, de posições acerca de determinadas questões. Não! Eu falo mesmo é de discórdia, desavença, desinteligência, daquelas que afastam as pessoas umas das outras, que faz nascer um sentimento de vendeta.

Sou assim porque eu preciso de paz para viver.

Uma desavença, por mais banal que seja, tem reflexo imediato no meu emocional; fico inquieto, irratadiço, com os pés e as mãos gelados, sintomas de que não estou bem.

É que sou da paz, da harmonia, da convivência pacífica.

Já fui belicoso, importa reconhecer, mas sem nenhuma convicção.

As contendas nas quais me envolvi serviram apenas para provar que não faço proselitismo da altercação.

Sou do tipo tão sem convicção para a malquerença, que, em pouco tempo, sou instado a procurar a paz; se não o faço, sou tomado de intenso sofrimento.

Nessas pelejas feitas para medir forças, para sustentar uma discórdia, eu já entro derrotado.

Não sou capaz de um jeb de direita – ou de esquerda, tanto faz – no meu oponente, se o assunto é discórdia.

Eu não sei me proteger nessas questões. Eu dou a minha cara de bandeja ao “oponente”.

Eu sempre fui assim.

Quando o assunto é dissensão, desinteligência, pode parecer irreal, mas eu não sou de nada.

Aliás, nessa questão eu sou uma farsa.

Diante de uma desavença, sou levado ao autoflagelo, me imponho um sofrimento que, muitas vezes, não sei se posso suportar.

Nunca levei o opositor a nocaute, quando tentei partir para o confronto.

Nessa seara sou sempre quem sucumbe, pois, se é verdadeque não sei atacar, é muito mais verdadeiro ainda que não sei sequer me defender.

E eu que pareço, para quem não me conhece, tão decidido, tão desabrido, tão corajoso.

A verdade é que sou um péssimo protagonista, se o assunto é discórdia; atuo sem a mais mínima convicção, reafirmo.

Mas atenção: não ouse interpretar essas reflexões como uma fraqueza em sentido amplo.

Não ouse, pois, dar às minhas palavras a dimensão que elas não têm, pois se a questão for a defesa das minhas convicções e das coisas que acredito, não sou de recuar, pusilânime não sou ; por elas luto como um gigante, me transformo, multiplico as minhas forças. E se o contendor vier desprevenido, jogo-o na lona, com o simples jeb de direito – ou de esquerda, tanto faz.

Miséria e cidadania

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Mais uma eleição se encerra, exceto, claro, a de Presidente da República, levada ao segundo turno.

Qual a lição que fica?

Para mim não fica uma lição; fica uma constatação, qual seja, a de que a liberdade de escolha de grande parte de nossa população, máxime do Maranhão, ainda é uma quimera, pois que obliterada, vilipendiada, desrespeitada, afrontada, desde as mais priscas eras, pelo abuso do poder econômico e pelo discurso de ocasião (rectius: demagogia), decorrência lógica do grau de miserabilidade e da ignorância do povo.

Quem foi juiz eleitoral por tantos anos, morando nas comarcas e vivendo próximo dessa realidade como eu, pode afirmar, como o faço agora, que a vontade do eleitor que vive nos rincões de miséria do Maranhão, em face das eleições, é nenhuma, não passa de uma falácia; é uma quimera, posso dizer.

Só pensa diferente que não vive – ou viveu – essa realidade, quem prefere dourar a pílula, quem, para se enganar, prefere crer que o resultado de uma eleição é a tradução da vontade e da consciência do eleitor.

A verdade é que a situação de miséria de um povo mascara, sim, a resultado de uma pugna eleitoral. Só não vê quem não quer, pois está diante dos olhos. É só abrir os olhos, ou melhor, a mente, pois os olhos não visualizam o que a mente não quer ver.

Do que afirmo só discordará quem, vivendo no mundo de fantasia, desconhece o verdadeiro sentido da palavra necessidade, em face das coisas mais simples, como um pão sobre a mesa para o desjejum ou um simples analgésico, para aliviar uma cefaléia.

A constatação a que chego, depois de tudo o que vi e vivi, na condição de magistrado e promotor de justiça, depois de ter trabalhado em tantas eleições, é que a vontade (?) do eleitor que sobrevive nos bolsões de miséria é nenhuma, pois que está sob o determinismo, sob o comando, sob a vontade, enfim, dos cabos eleitorais, os quais, inescrupulosos, sem pejo e sem pudor, negociam, em seu nome, o valor do voto que supõe lhe pertencer – e que, afinal, lhes pertence mesmo.

Nesse condição , sem horizonte, envolto em miséria, soçobrando diante de tantos infortúnios, com a barriga vazia, com os filhos implorando por um pedaço de pão para saciar a fome, vivendo em condições subumanas, sem perspectiva de futuro, com a consciência manipulada por um espertalhão, o eleitor(?) dirige-se à cabina indevassável, para, suprema ironia, exercer a sua cidadania, já com a vontade eleitoral viciada.

Com a consciência manipulada, sem ter noção da importância do voto, o eleitor miserável sai de casa, com a sua melhor vestimenta ( quando a possui), sem se dar conta de que, rigorosamente, compõe apenas um dado estatístico, para, em nome do espertalhão, depositar na urna o voto que não traduz a sua vontade, contribuindo, tão-somente, para o quociente eleitoral que levará ao poder um candidato – ou canditados – que nem mesmo conhece – e jamais conhecerá – , de quem sequer teve a chance de ouvir as propostas – ou as falsas promessas – , mesmo porque, se as ouvisse, é provável que sequer as assimilasse – ou as levasse na devida conta – , em face do “compromisso” já assumido com o líder político, esse, sim, o verdadeiro “proprietário” de sua “vontade”.

É nesse mundo de desventuras e infelicidades, nesse cenário de miséria, diante desse caos e de tantas adversidades e ignomínias – que, não se há de negar, desvirtua o conceito de cidadania – que encontra campo fértil para agir, para pôr em prática as suas maquinações, o todo poderoso alcaide municipal ( o cabo eleitoral ao qual fiz menção acima), o qual, não raro, usa o dinheiro público como se fosse propriedade particular, para, com ele, fazer mesuras, amealhar adesões, comprar consciências, e delas fazer uso em benefício próprio ou de outro líder político qualquer.

É ele, sim, o prefeito municipal – ressalvadas as exceções -, quem mais tem condições de corromper as consciências miseráveis e degradadas pelas adversidades. Nesse contexto, não se há de negar, é quem, com singular esperteza, paga, por exemplo, as contas de luz e água, uma dose de cachaça ou fornece um remédio para aliviar uma dor de cabeça, dentre outras gentilezas feitas com o dinheiro público, para, sem pudor, cobrar a conta, na primeira oportunidade; e a oportunidade é, sempre, a próxima eleção – e a contraprestação é, sempre, o voto, que é, afinal, o que interesse mesmo.

Por tudo isso – e mais alguma coisa – é que é ele, sim, o chefe do executivo municipal – e outras lideranças menos expressivas -, sobretudo nos municípios mais pobres, o proprietário absoluto dos votos dos miseráveis, dos incautos, dos que sobrevivem enfrentando toda sorte de intempéries, nos grotões miseráveis que têm servido apenas para essas finalidades.

Diante desse quadro, não se pode mesmo esperar liberdade de escolha e idealismo. Nesse contexto, falar-se que o pleito eleitoral é resultado da vontade do eleitor, é, para dizer o mínimo, um escárnio.