Dois homens; dois exemplos

Aproveito a manhã de sábado, depois de ter sofrido – na medida da minha racionalidade -,  em face da tragédia que se abateu sobre os  nossos irmãos do Rio de Janeiro, para destacar dois exemplos de superação e otimismo: José Carlos Martins e José de Alencar.

O pianista João Carlos Martins,  depois de perder os movimentos da mão,  foi condenado a nunca mais tocar piano. Mas tocou, superando todas as profecias negativas – aliás, o pai do pianista, diagnosticado com câncer de estômago, aos 36 anos, foi condenado a morrer dentro de seis meses. Morreu aos 102 anos, de acidente.

João Carlos Martins é, sim, um exemplo de superação. À indagação da repórter Carol Vaisman, da revista Lola Magazine,  acerca dos momentos mais gloriosos e mais lamentáveis de sua vida, respondeu:

” O mais lamentável foi o erro de me envolver em política. O mais difícil foi em 2003, quando os médicos disseram que eu nunca mais tocaria piano. O glorioso foi em setembro passado, quando fui aplaudido de pé por 2800 pessoas no Lincoln Center, em Nova York. E a grande virada aconteceu em 1978, quando, depois do primeiro acidente na mão, voltei a tocar.”

Outro exemplo de superação e de otimismo é o ex-vice-presidente José Alencar, que luta contra um câncer há vários anos. Numa recente entrevista a jornalista Cristiane Seghatto, repórter especial da revista Época,  ao ser indagado se pensou em parar o tratamento, respondeu:

“Às vezes isso vem à cabeça. Mas a gente tem que ter fé em Deus porque você não pode fazer isso. Está errado. Tem que fazer a sua parte. O dia que você vai morrer quem sabe é Deus e não você. Isso não significa que você não tenha que lutar pela vida. Por outro lado, peço a Deus que não me dê nem um dia a mais de vida do qual eu não possa me orgulhar.”

Tragédia fluminense

Para que não se diga que exagero ao culpar os políticos pelo ocorrido no Rio de Janeiro, destaco, a seguir, excerto do editorial de hoje, do Estadão:

“[…] Foi graças à imprevidência das autoridades – para não dizer descaso – que se repete em 2011 a tragédia de 1967. Além de afetar dolorosamente a vida das famílias, a falta de projetos e ações destinadas a evitar a ocorrência de desastres naturais em áreas ocupadas  por residências tem um forte impacto financeiro. Por não aplicar o que pode em prevenção, o governo acaba tendo de gastar muito mais em obras de recuperação[…]”.

De Marcos Sá Correa, no Jornal o Globo, de hoje, apanho o seguinte fragmento, acerca da inação dos homens públicos, a propósito da tragédia fluminense:

“[…]Não adianta ameaçá-los com ações contra o Estado ou a Administração Pública, porque o Estado e a administração pública, na hora de pagar a conta, somos nós, os contribuintes. O remédio é responsabilizar os homens públicos como pessoas físicas  pelos crimes que cometem contra a vida[…]”

Da Folha, edição de hoje, apanho o seguinte excerto, do editorial “A maior tragédia”.

“..Mas a expressão “causas naturais” é enganosa quando se fala em acontecimentos deste tipo. Se a violência das chuvas foi excepcional, não se deve a nenhum fenômeno atmosférico o fato de que encostas tenham sido ocupadas descontroladamente -a exemplo, aliás, do que acontece em muitas outras cidades do país.

Não depende da meteorologia a ausência de mapeamento adequado das áreas de risco. Não constitui, por fim, culpa de são Pedro (para usar o clichê das autoridades nesta época do ano) que menos da metade das verbas federais para prevenção de desastres tenha sido aplicada em 2010.
Segundo o Ministério das Cidades, de 99 municípios com histórico de tragédias apenas 45 apresentaram projeto que os habilitasse a receber dinheiro para obras de prevenção. Isso não justifica desvios políticos do governo federal, como os praticados pelo ex-ministro da Integração Nacional Geddel Vieira, que destinou metade das verbas a seu Estado, a Bahia, em 2009. Tampouco explica os atrasos ou a retenção de recursos -já escassos- prometidos quando ocorrem os desastres.
Não se trata apenas de incompetência técnica nem de falta de recursos. Por motivos políticos, autoridades nas mais diversas regiões do país não se dispõem a pagar o preço de remover os habitantes das áreas ameaçadas. Facilitaram, muitas vezes, a sua ocupação, criando redutos eleitorais em terrenos predestinados à tragédia. Ignoraram normas de edificação, consideraram dispensáveis os cuidados com a cobertura florestal e com a impermeabilização do solo.
Soluções técnicas podem ser diferentes, no vale do Itajaí (SC) ou na região metropolitana de São Paulo, em Pernambuco ou no Rio de Janeiro. Igual, entretanto, em toda parte, parece ser a omissão das autoridades -que só pode ser chamada de criminosa, quando suas vítimas, mais uma vez, se contam às centenas nestes dias.”

Um dado preliminar confirma a conclusão do editorial  do jornal o  Estado de São Paulo: a reconstrução de Teresópolis custará R$ 590 milhões. Com esse dinheiro dava, sim, para construir muitas moradias populares  para retirar as pessoas humildes das encostas do morros.

Claro que só a ação das autoridades não evitaria o desastre. Mas, com certeza, minimizaria o número de mortes.

A verdade é que, passado o clamor, as autoridades ( rectius: políticos) voltam a situação de antes, ou seja,  voltarão a cuidar dos seus próprios interesses e nada farão, até que sobrevenha mais uma tragédia.

É claro que há, sim, exceções. Mas elas existem só para confirmar a regra.


Penas alternativas para o pequeno traficante

O secretário nacional de Políticas sobre Drogas, Pedro Abramovay, propõe acabar com a pena de prisão para pequenos traficantes, sem vínculo com o crime organizado. O secretário entende como pequeno traficante os chamados “aviões”, que vendem pequenas quantidades de drogas para custear o próprio consumo e que estão no meio do caminho entre o tráfico ligado ao crime organizado e o usuário.

Sei não…Acho que, na prática, é difícil estabelecer essa diferença.

O certo é que a proposta é polêmica e, por isso mesmo,  divide opiniões, tanto que, na edição de ontem do jornal O Globo,o Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, desautorizou o secretário, afirmando, inclusive, que apretensão do governo é endurecer o jogo contra os traficantes.

De meu lado, o que entrevejo  subjacente na proposta é a pretensão  de reduzir a população carcerária. É dizer: é mais fácil, aos olhos dos nossos dirigentes, não prender que construir novas penitenciárias.

Vejo com reservas a pretensão, mesmo porque na legislação atual há um benefício ao traficante ocasional, que pode, inclusive, ser agraciado com a prisão aberta, segundo têm decidido os nossos Tribunais.

De qualquer sorte, vou aprofundar o exame da questão.

Tragédia, descaso, irresponsabilidade…

Em face da tragédia que se abateu sobre o Estado do Rio de Janeiro, confesso que não tenho vontade sequer de sair de casa, pois estou arrasado emocionalmente.  É que, diferente dos nossos políticos, eu não consigo ficar indiferente. A minha tristeza se transforma em indignação, ao concluir que, não fora a irresponsabilidade desses mesmos políticos,  essas tragédias seriam minimizadas.

Além da tragédia do Rio, causa-me indignação, ademais, a situação da saúde em Roraima, também consequência do descaso dos nossos políticos, pois que, ao que se sabe, mais de seiscentos milhões de reais foram destinados à saúde de Roraima e quase nada se fez

Deu na Folha de São Paulo

A reportagem que segue abaixo, capturada na edição de hoje do jornal Folha de São Paulo, é de estarrecer, mas não surpreende, pois os maus-tratos a presos são uma rotina de todos conhecida. Pena que o Ministério Público não se movimente em torna dessa questão. A verdade é que os encarcerados brasileiros têm recebido, ao longo da nossa história, tratamento desumano e degradante, em franca e total afronta ao princípio da dignidade humana inserido em nossa Constituição, com a conivência de muitos dos que, podendo, nada fazem para mudar o quadro.

Vamos à matéria.

Chefe da PF na Papuda é acusado de tortura

Agente Avilez Novais é denunciado também por abuso de autoridade na prisão de Brasília; PF não comenta o caso

Promotoria afirma que crimes foram cometidos 22 vezes pelo suspeito, que pode ser condenado a até 176 anos de prisão

FILIPE COUTINHO
LARISSA GUIMARÃES
DE BRASÍLIA

O chefe do núcleo federal do presídio da Papuda, maior penitenciária de Brasília, foi afastado pela Justiça por suposta tortura de presos, com agressões físicas e até fornecimento de água com detergente para eles.
Segundo a denúncia do Ministério Público Federal, o agente da Polícia Federal Avilez Novais cometeu abuso de autoridade e tortura 22 vezes, com ajuda de outros agentes e de um detento. Só Avilez foi afastado. As penas chegam a 176 anos de prisão.
A denúncia afirma que Avilez agia em retaliação às reclamações sobre o tratamento recebido na Papuda, apresentadas pelos presos durante audiências e inspeções do Ministério Público.
Os presos dizem que ficavam todos numa mesma cela, enquanto outro era algemado e espancado por ter reclamado da TV desligada, “um verdadeiro clima de terror e pavor”.
Um dos presos diz ainda que Avilez “desligava o exaustor para fazer pressão psicológica, e era impossível dormir à noite porque o local ficava infestado de insetos”. As testemunhas acusam também o agente de adiar a entrega de alimentos dados por parentes, e muitas vezes os presos comiam os produtos já estragados. Em protesto, alguns detentos fizeram greve de fome por dois dias.
De acordo com a denúncia do Ministério Público, Avilez, durante um acesso de fúria, subiu no telhado, quebrou a antena da TV e fechou o registro de água por quase dez dias. Os presos foram obrigados a beber água com detergente, o que provocou diarreia e desidratação.
Na denúncia, o chefe do setor federal da Papuda cortava os banhos de sol e visitas, além de obrigar os presos a dormirem sem colchão.
Em um dos episódios relatados, os detentos disseram que foram obrigados a correr nus, enquanto retornavam às suas celas após o procedimento de revista geral.

SOB O SOL
Em outro caso, os presos foram levados para o pátio de cuecas e ficaram por mais de três horas sob o sol, sentados com as pernas cruzadas, algemados. Dois internos passaram mal e um foi ao hospital, com suspeita de enfarte.
A Polícia Federal não comentou o caso e disse que não estava autorizada a passar os contatos de Avilez ou de seus advogados.
Na decisão de afastar Avilez, o juiz federal Ricardo Leite diz que havia o “risco iminente” de novos casos, se o agente permanecesse no cargo. De acordo com o magistrado, a permanência do agente da PF na Papuda “pode gerar um clima de tensão que não é recomendável em nenhum ambiente”. O juiz deu o prazo de 15 dias para que Avilez se pronuncie, antes de decidir se aceita a denúncia da procuradoria.

Zeramos, afinal recesso não são férias

Estou saindo de férias. Mas aproveitei o recesso para atualizar a minha relatoria. Não há nenhum processo em poder de assessor e nenhum processo em meu poder.

Há processos, sim, aguardando julgamento. O que estou dizendo é que o que dependia de mim e da minha equipe, foi feito. Todos os despachos, todos os votos foram elaborados e estão apenas aguardando pauta para julgamento.

Desde que o recesso foi instituído o tenho usado com essa finalidade, ou seja, para colocar em dia o meu trabalho,  afinal, diferente do que muitos pensam, recesso não são férias, mesmo porque seria de todo inadmissível que o magistrado, que já tem direito a sessenta dias de férias, ainda gozasse o recesso como se férias fosse.

 

O que não quero para mim não desejo para ninguém. Verdade?

Superado um desafio ou vencida uma dificuldade, costuma-se dizer:” que passei não desejo ao meu  maior inimigo”  ou ” o que não quero para mim, não desejo pra ninguém”. Verdade absoluta? Não! Claro que não! Há exemplos vários a demonstrar que, muitas vezes,  essas afirmações são  apenas força de expressão.

Mas há, sim, os que, tendo passado por uma dificuldade,  fazem de  tudo para que o semelhante não tenha que enfrentar os mesmos desafios. Eu, por exemplo, tendo  enfrentado sérias dificuldades em face da ausência do meu pai, procurei sempre me fazer presente na vida dos meus filhos. Acho que, em face do que sofri, eu até exagero. Mas, tudo bem! Os meus exageros são plenamente justificados pelo amor intenso e incondicional que lhes dedico.

Noutro giro,  não se há de negar, há pessoas que,  apesar das dificuldades passadas, são capazes de infligir aos semelhantes as mesmas  penas, os mesmos castigos, sem que se saiba ao certo a título de que preferem repetir o erro que condenaram, ao invés de seguir em outra direção.

Por volta de 1830, o escravo José Francisco dos Santos,  depois de anos de trabalho forçado, viu-se livre da escravidão. Conseguiu a sua carta de alforria, comprando-a ou ganhando de algum amigo rico.

José Francisco dos Santos, o “Ze Alfaiate”, apelido que ganhou porque cortava e costurava tecidos,  foi trazido da África para o Brasil,  amarrado, em um navio imundo, na mais tenra idade.

Depois de alcançar a sua liberdade, o que fez “Ze Alfaiate”?  Lutou contra a escravidão? Condenou os que lhes infligiram intensos castigos?  Não. José Francisco, ao invés, voltou à África e tornou-se, ele próprio,traficante de escravos.  Casou-se depois com uma das filhas de Francisco Félix de Souza, o maior vendedor de gente da África atlântica, e passou a mandar ouro, negros e azeite de dendê  para vários portos da América e da Europa.

Difícil entender?  Acho que não. Do ser humano pode-se esperar qualquer coisa. Infelizmente!