Para reflexão

Publico, a seguir, artigo que capturei no site Consultor Jurídico, merecedor de detida reflexão.

Duas instâncias não satisfaz demandas da sociedade

POR ALBERTO ZACHARIAS TORON E FÁBIO TOFIC SIMANTOB

Artigo originalmente publicado no jornal O Estado de S. Paulo desta segunda-feira (11/4)

Todos conhecem a história do homem que, ao chegar em casa, encontra a mulher deitada com o amante no sofá da sala e para acabar com a infidelidade resolve… vender justamente o sofá. Assim parece ser a proposta de emenda constitucional apresentada pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) no último dia 21 de março, a qual prevê a abreviação da tramitação de processos judiciais para acabar com a lentidão do Judiciário. A ideia do ministro é simples: a causa seria decidida em duas instâncias (juiz de primeiro grau e Cortes estaduais ou regionais federais) e recursos aos tribunais superiores – Superior Tribunal de Justiça (STJ) e STF – não impediriam a execução da pena.

Há um sedutor argumento, sobretudo na área cível, no sentido de que caberia ao vencedor executar a sentença e, se o vencido depois conseguisse revertê-la no STJ ou no STF, seria ressarcido do valor pago indevidamente. Mas e na área penal? Quem devolveria o tempo de liberdade perdido em consequência de uma condenação posteriormente considerada inválida por uma Corte superior? O Altíssimo?

Deixando de lado importantes questões técnicas que a proposta suscita, perguntemos: como falar em Justiça rápida se mesmo no Estado de São Paulo, no ano passado, os servidores do Judiciário estadual fizeram greve de 127 dias por “reposição salarial”, estimando-se o atraso no andamento dos processos em um ano e meio? Como falar em Justiça rápida se o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) encontrou no Pará, em 2010, execuções penais paradas havia anos, sem nenhum andamento processual? Destaque-se o caso do presidiário encontrado no regime fechado, quando teria direito à progressão para o semiaberto desde 2001 – o seu pedido, entretanto, nunca foi analisado. Ou, então, o caso de Francimar Conceição do Nascimento, no Amazonas, que mesmo sendo doente mental foi preso e condenado a quatro anos de reclusão e quando descoberto pelo Núcleo de Advocacia Voluntária do CNJ já estava preso havia cinco anos, esquecido pelo juízo da execução. Um escândalo, claro! Há outros piores, mas é mais fácil a mágica ou panaceia da supressão das instâncias recursais.

Como no Brasil existem várias Justiças, é preciso tomar cuidado a fim de não criar soluções-padrão para situações bastante diferentes. Enquanto na esfera cível a grande maioria da população amarga anos de luta no Judiciário para poder receber o que lhe é devido, na esfera criminal acontece justamente o inverso: a esmagadora maioria da população cumpre a sua pena, às vezes, antes até de o processo ser examinado pela segunda instância. Recursos aos tribunais superiores – STJ ou STF – acabam sendo muito excepcionalmente usados. Primeiro, por falta de advogado e, segundo, porque, depois de cumprir a pena quase inteira, o réu – pobre, na esmagadora maioria das vezes – não quer mais perder tempo com a Justiça para conseguir uma decisão cujo efeito será, no máximo, moral.

A proposta de acabar com a natureza recursal dos recursos especial (STJ) e extraordinário (STF) e criar no lugar medidas rescisórias só teria um efeito: entupir os tribunais superiores com ações dessa natureza para, quem sabe daqui a 10 ou 20 anos, o futuro presidente do STF, na sessão de abertura do ano judiciário, precisar lançar o “enésimo” Pacto Republicano, propondo a criação de mecanismos necessários para reduzir a quantidade dessas mesmas “medidas rescisórias”.

Pés no chão, data venia! Não é verdade que existam quatro instâncias recursais no Brasil. Existem duas instâncias ordinárias, nas quais os fatos e as provas são examinados com amplitude. Já os recursos extraordinário e especial não se prestam ao reexame de prova (Súmulas n.º 279 do STF e n.º 7 do STJ), tampouco à correção da injustiça do julgado recorrido. Servem, como se sabe, para garantir a vigência e a uniformidade da interpretação das leis infraconstitucionais e da Constituição federal, daí por que se dizer tratar-se o STJ e o STF de instâncias excepcionais, e não ordinárias.

Aqui, de fato, diferentemente de outros países, como os Estados Unidos da América, o Direito Penal é um só para o País inteiro. Assim, permitir que os entendimentos regionais sirvam por si sós para mandar alguém para a cadeia configura, além de tudo, grave ameaça ao nosso modelo federativo, pilar do nosso Estado Democrático de Direito.

Além disso, os recursos dirigidos ao STJ e ao STF muito raramente são remetidos para Brasília, porque a lei foi criando ao longo dos anos mecanismos bastante eficazes de seleção dos casos, como a exigência de que a matéria discutida seja de repercussão geral, peneira esta, é bom dizer, menos sentida quando a interposição é feita pela acusação…

Tudo isso está provocando a diminuição de processos distribuídos ao STF, conforme admitiu o ministro Cezar Peluso em seu discurso na abertura do ano judiciário de 2011: “Foram distribuídos em 2010 apenas 41.098 processos, em oposição aos 106.128 feitos registrados em 2007” – fato esse que se deve repetir no STJ.

Agora, uma coisa é certa: apesar de demorado, o acesso aos tribunais superiores ainda é a única forma de assegurar que quem está respondendo a processo em liberdade não começará a cumprir pena sem o respaldo das Cortes superiores, e que o Direito Penal aplicado no interior do Piauí será o mesmo praticado na capital da República.

A proposta de reduzir a duas as instâncias da Justiça é semelhante à de oferecer dieta de emagrecimento a quem está morrendo de fome. Não há dúvida que ter somente duas instâncias seria o ideal, mas nem sempre o ideal está apto a atender às demandas e urgências da sociedade.

Lágrimas, consternação e dor

Ontem, pela primeira vez, vi, na televisão, as cenas do massacre de Realengo – e o enterro de algumas vítimas.  Não pude fazê-lo antes, em face de compromissos. Não resisti. Chorei. Estava na companhia do colega José Bernardo, em Porto Alegre. Senti uma fortíssima emoção. Lembrei dos meus filhos, especialmente da minha filha. Telefonei para minha casa,  imediatamente após assistir ao telejornal da Globo. Falei com ela- com minha filha. Senti um certo alívio. Mas ela me disse que ia sair. Ia a um aniversário. Pedi a ela todo cuidado. Ela me prometeu que teria. Não foi suficiente. Deitei tomado de angústia e preocupação. Tomei um remédio. Dormi por volta da meia-noite. Acordei algumas vezes. Voltei a lembrar das cenas de tristeza por ocasião do enterro das vítimas de Realengo. Custei a dormir novamente. Mas dormi, para, poucos minutos depois, acordar para viajar. Estou em casa agora. O coração? Quase em paz. Ainda sofro com a dor dos pais das vítimas. Não tive coragem de assistir, hoje,  aos telejornais.  Não tenho a capacidade de ficar indiferente. Os rostos dos inocentes, ao fim do jornal da Globo, estão gravados em minha retina.  Quantos sonhos destruídos! Quanto dor! Quanta emoção! Eu não suportaria. Filho não devia morrer antes do pais. Não há dor maior! É o mesmo que morrer junto. Sei que não suportaria tanta dor. Por que que tem que ser assim? Por que logo elas, na flor da idade, com uma vida pela frente? Por que o destino reserva tanta dor a determinadas pessoas? Qual a explicação?!

Direito concreto

No voto que publico a seguir, o apelante pleiteou, dentre outras coisas, que fosse decotado da pena a majorante decorrente da aplicação da lei dos crimes hediondos, em face da revogação do artigo 224, do CP, pela Lei 12.015/2009.

Nessa parte do recurso entendi tivesse razão o apelante.

Em determinado excerto da decisão anotei:

“[…]Com efeito, a majorante suso mencionada restou revogada com a superveniência da Lei 12.015/2009, não sendo mais possível sua aplicação, para fatos posteriores à sua edição, aos crimes  em razão dos quais não tenha decorrido lesão corporal grave ou morte da vítima.

Convém registrar que os fatos narrados na exordial acusatória ocorreram antes da vigência da Lei nº 12.015/2009, que  revogou expressamente o artigo 224, a, do Código Penal, que tratava dos casos de violência presumida nos crimes contra a liberdade sexual, destacando-se, ainda, que não houve, na hipótese em discussão, violência real praticada contra a vítima.

Antes da nova legislação, que alterou a disciplina jurídica dos delitos sexuais, agora denominados crimes contra a dignidade sexual, o Superior Tribunal de Justiça já se posicionava no sentido da não incidência da majorante, a não ser quando resultasse lesão corporal grave ou morte[…]”

Noutra fragmento, anotei:

“[…]Nessa situação, é evidente que, tratando-se de violência ficta, a Lei 12.015/09 é mais prejudicial ao recorrente, posto que prevê pena mínima de 8 (oito) anos de reclusão, não se aplicando, portanto, o art. 217-A, do Código Penal, em virtude do princípio da irretroatividade da lei penal mais gravosa.

Em outras palavras, a irretroatividade da novel legislação se impõe tendo em vista que quem praticou o delito de atentado violento ao pudor contra menor de 14 (quatorze) anos, na vigência da lei anterior, respondia pelo delito tipificado no art. 214, do CP, com violência ficta, em combinação com o disposto no art. 9º, da Lei 8.072/90, resultando a pena mínima em 9 (nove) anos de reclusão[…]”

A seguir, o voto, por inteiro.

Continue lendo “Direito concreto”

Garantismo penal, na prática.

J.W. A. da S. foi condenado pelo Tribunal do Júri de Timon.

O seu patrono, ainda na sessão, imediatamente após a publicação da sentença,  recorreu da decisão, por termo nos autos.

Ocorreu, entrementes, que, durante o processamento da apelação, o recurso se perdeu na burocracia da comarca.

O advogado de W., supondo que tudo corria dentro da mais absoluta normalidade, apresentou as razões do recurso, que, após regular processamento, subiu, mas não foi conhecido na 1ª Câmara Criminal, por intempestivo.

É que dos autos não constava o termo de apelação. Constava dos autos, tão somente, as razões do recurso.

Cediço, à luz do exposto, que, para todos os efeitos, a decisão que condenou o acusado transitara em julgado, disso resultando a inevitabilidade de sua prisão, para cumprir a pena privativa de liberdade.

É claro que, diante dessa situação, a defesa não se conformou, porque, efetivamente, tomara recurso a tempo e hora.

Mas, diante do inusitado da situação, o que fazer?

O procurador do acusado entendeu devesse propor uma revisional.

Analisando o pleito, conclui que não era o melhor caminho.

Ocorre que eu me defrontei com um caso de flagrante injustiça, afinal, que culpa tinha o acusado de não terem consignado nos autos o termo de apelação?

Uma solução tinha que ser encontrada!

Eu tinha que reparar a injustiça!

E reparei!

No voto que publico a seguir, está a solução que encontrei.

No voto está materializado o verdadeiro sentido do garantismo penal.

Acho que vale a pena ler o voto, que conduziu a decisão da Câmara, por unanimidade, no sentido de reparar a injustiça.

Continue lendo “Garantismo penal, na prática.”

Crimes de ódio

Os crimes de ódio contra nordestinos, homossexuais, negros e judeus cresce de forma assustadora, de tal sorte que, às vezes, estando no Sul do país (Porto Alegre)  a gente chega quase a supor – penso que equivocadamente – que estamos sendo  vítimas  de algum um tipo de discriminação; por sermos nordestinos: eu e o colega José Bernardo, que, registro,  tem suportado, estoicamente,  a minha companhia.

Contraditoriamente,  ontem, estando no Shopping Iguatemi, nos encontramos – eu e o desembargador José Bernardo, claro – com um dos palestrantes – com sua esposa, Aldacy Rchid Coutinho , Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, professor titular de Direito Processual Penal na Universidade Federal do Paraná, os quais fizeram elogios desmedidos ao conterrâneo Agostinho Marques.

Claro que pode parecer um caso isolado, porque, afinal, tratávamos  de um gênio.

Todavia, ainda assim, ao que pude sentir, eles – pelo menos eles – não deixaram transparecer que tenham algum tipo de aversão a nordestinos.

E não podia ser diferente, afinal são dois eméritos professores, acostumados a lidar com a divesidade racial.

Mas o certo é que os crimes de ódio estão se disseminando de uma forma assustadora.

Quem não recorda da frase de uma adolescente, na internet – ” Nordestisto(sic) não é gente, faça um favor a SP, mate um nordestino afogado!” – , depois a eleição de Dilma Rousset?

A delegada Margaret Correa Barreto, da Delegacia Especializada na investigação de crimes contra negros, homossexuais, judeus e nordestinos na internet, em São Paulo,  afirmou, a propósito:

“O problema é que o crime de ódio tem características de onda. Depois da repercussão daquele caso (refere-se ao caso da adolescente paulista) , ocorreu um tsunami de manifestações antinordestinos na internet”

Segundo o jornal Folha de São Paulo, edição de 03 do corrente, um passeio no Orkut permite encontrar manifestações do tipo que ” uma bomba seja despejada na África” ou propondo o “estupro corretivo de lésbicas”.

O mais grave é que, segundo a mesma Folha, os autores dessas manifestações ficam orgulhosos quando são flagrados e presos pela polícia, porque, assim, demonstram sua devoção à causa.

Segundo a mesma delegada:

Tivemos o caso de um skinhead que, flagrado quando ia atacar uma vítima, foi detido e trazido ao Decradi. O rapaz estava eufórico. Dizia que, enfim, conseguira se igualar ao irmão e teria um quadro no quarto com seu próprio BO por agressão”.

Voltarei a tratar da questão com mais vagar.


Calor?

Pegou muito mal esse argumento de que o calor impede os juízes de trabalharem do meio dia às quinze horas.

Esse é o tipo do argumento que, de tão pueril, só pode ser utilizado em momento de pura falta de lucidez.

A declaração do presidente do Colégio Permanente de Presidentes dos Tribunais de Justiça foi de tamanha falta de inteligência, que, às vezes, fico imaginando que estou sonhando.

As condições de trabalho dos magistrados, tem-se que admitir, são boas, sim, nos dias atuais.

Mesmo no passado, já muito distante, seria inconcebível esse argumento.

Pior de tudo foi ficar a impressão de que nós, nordestinos, somos indolentes.

É c0mo se não costumássemos trabalhar em três turnos, quase em tempo integral, para dar vazão – pelo menos em parte – à enorme demanda.

Lúcio Cândido, trabalhador braçal,  do Piauí, em resposta ao argumento  do desembargador Marcus Faver, disse:

‘- O calor nunca me atrapalhou no trabalho porque o Piauí é quente mesmo. Nasci aqui e trabalho há 24 anos. Nunca fiquei doente por causa de calor.

Que fique claro, pois, que o desembargador Faver não falou em meu nome e em nome dos que, como eu, temos o costume de trabalhar em três turnos, aos sábados domingos e feriados, abrindo mão até do convívio com os amigos e parentes.

Esse tipo de defesa eu dispenso.

O calor não me desestimula, não me estimula o ócio ou a pachorra.

O que me desestimula é saber que muitos se escondem por trás dessas desculpas para não trabalhar.

E lembrem: que ganha do serviço público sem trabalhar, não é em nada melhor que um reles batedor de carteira.

E aí?

ELIANE CANTANHÊDE

Justiça e injustiça

BRASÍLIA – Três governadores eleitos em 2006 foram cassados em 2009 por “abuso do poder econômico”: Marcelo Miranda (PMDB), do Tocantins, Cássio Cunha Lima (PSDB), da Paraíba, e Jackson Lago (PDT), do Maranhão, que morreu ontem, melancolicamente.
Foram acusados de dispor da máquina pública para obter votos, nomeando afilhados e distribuindo benesses entre os eleitores. Dos três, dois, Cunha Lima e Lago, foram substituídos pelos candidatos que haviam derrotado nas urnas.
Será que eles fizeram algo muito diferente dos adversários? Será mesmo que Lago usou mais o poder econômico no Maranhão do que a derrotada Roseana Sarney?
Ele perdeu a eleição em 2002 para José Reinaldo, que, de amigo, virou inimigo dos Sarney numa guinada política e pessoal. Quatro anos depois, numa eleição que deixou os institutos de pesquisas rubros de vergonha, Roseana passou a campanha inteira como favorita, mas Lago ganhou no segundo turno. Ganhou nas urnas, perdeu na Justiça Eleitoral três anos depois.
Em 2010, a eleição no Maranhão foi um festival de barbaridades. Lula obrigou o PT a dar uma cambalhota e usar a bandeira e a estrela vermelha na campanha de Roseana, a oposição se dividiu entre Lago e Flávio Dino (PC do B), e o Estado teve quase um quarto de abstenções, o recorde nacional. Resultado: Roseana venceu no primeiro turno por 50,08%, por um triz.
Dúvida: Jackson Lago foi cassado para que o país se torne efetivamente melhor, ou porque não teve a mídia, o dinheiro, os advogados e as vantagens que a adversária Roseana teve a vida inteira?
E por que só os governadores de Maranhão, Paraíba e Tocantins? É improvável que só eles tenham usado a máquina, as verbas, os secretários e rádio, TV, internet, programas sociais e compra de votos em eleições para si ou para aliados. Nos Estados ricos ninguém faz isso? Aliás, e Lula para eleger Dilma?

Folha Online

elianec@uol.com.br