Editorial da Folha de São Paulo

Chicana no STF

Decisão do ministro Marco Aurélio Mello de suspender poderes do CNJ é mais uma demonstração de corporativismo no Judiciário

A criatividade demonstrada por alguns advogados nos processos judiciais, em busca de brechas na legislação que possam mudar subitamente uma decisão que se afigurava justa, é chamada, no jargão da área, de “chicana”. Nesta semana, numa inusitada troca de papéis, o país viu uma dessas manobras ser patrocinada por um ministro do Supremo Tribunal Federal.

O ardil deu-se em meio à discussão de um processo de grande importância para o futuro do Judiciário: a delimitação dos poderes do Conselho Nacional de Justiça.

Criado para ser uma instância de controle, o CNJ tem a missão de combater desvios e aumentar a transparência administrativa e processual do Poder Judiciário.

A decisão do Supremo, como já observou esta Folha, poderá reafirmar essa função ou relegar o órgão a um papel apenas decorativo no jogo de poder da Justiça brasileira.

O ministro Marco Aurélio Mello é o relator do processo, que esteve na pauta da corte ao longo de praticamente todo o segundo semestre deste ano, mas não foi ainda julgado pelo plenário. Em setembro, o próprio ministro-relator chegou a solicitar que a matéria fosse retirada da pauta, alegando que não haveria “clima” para uma decisão.

Para surpresa da opinião pública, que anseia por uma discussão transparente sobre o tema, Marco Aurélio Mello esperou o último dia de trabalho do STF para conceder uma liminar que simplesmente suspende os poderes do CNJ.

Pela decisão do ministro, válida até o tribunal voltar a se reunir, em fevereiro, o Conselho não pode mais agir quando notificado de uma denúncia. Precisará aguardar a apuração a ser conduzida pelas corregedorias estaduais. O ministro também suspendeu o prazo de 140 dias que o CNJ estipulava para que fossem concluídos os processos disciplinares locais.

A consequência é que, até o fim do recesso, o CNJ terá seus poderes reduzidos para investigar eventuais irregularidades envolvendo a atuação de juízes.

O Supremo, com o ministro Mello à frente, tem se revelado, com acerto, contumaz crítico do abuso do governo federal na edição de medidas provisórias. Liminares como esta, que impõem a decisão do ministro sem que o colegiado do STF se pronuncie, de certa forma seguem a mesma linha impositiva da legislação “baixada” pelo Executivo e despertam apreensões quanto ao aperfeiçoamento do sistema de freios e contrapesos na democracia brasileira.

As frequentes movimentações de magistrados com o propósito de cercear a atuação do CNJ evidenciam as dificuldades para superar o tradicional corporativismo do Poder Judiciário, acostumado, há décadas, a lidar com seus problemas intramuros.

Da Folha de São Paulo

Ministro do Supremo beneficiou a si próprio ao paralisar inspeção

Ricardo Lewandowski, que concedeu liminar contra corregedoria, recebeu pagamentos sob investigação

Ministro atuava no Tribunal de Justiça de São Paulo antes de ir para o STF e não vê problema em conduta

Mônica Bergamo
COLUNISTA DA FOLHA

O ministro Ricardo Lewandowski, do STF (Supremo Tribunal Federal), está entre os magistrados que receberam pagamentos investigados pela corregedoria do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) no Tribunal de Justiça de São Paulo, onde ele foi desembargador antes de ir para o STF.

Lewandowski concedeu anteontem uma liminar suspendendo a investigação, que tinha como alvo 22 tribunais estaduais. O ministro atendeu a um pedido de associações como a AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros), que alega que o sigilo fiscal dos juízes foi quebrado ilegalmente pela corregedoria, que não teria atribuição para tanto.

Por meio de sua assessoria, Lewandowski disse que não se considerou impedido de julgar o caso, apesar de ter recebido pagamentos que despertaram as suspeitas da corregedoria, porque não é o relator do processo e não examinou o seu mérito.

A liminar que ele concedeu suspende as inspeções programadas pelo CNJ e permite que o relator do caso, ministro Joaquim Barbosa, volte a examinar a questão em fevereiro, quando o STF voltará do recesso de fim de ano.

A corregedoria do CNJ iniciou em novembro uma devassa no Tribunal de Justiça de São Paulo para investigar pagamentos que alguns magistrados teriam recebido indevidamente junto com seus salários e examinar a evolução patrimonial de alguns deles, que seria incompatível com sua renda.

Um dos pagamentos que estão sendo examinados é associado a uma pendência salarial da década de 90, quando o auxílio moradia que era pago apenas a deputados e senadores foi estendido a magistrados de todo o país.

Em São Paulo, 17 desembargadores receberam pagamentos individuais de quase R$ 1 milhão de uma só vez, e na frente de outros juízes que também tinham direito a diferenças salariais.

Lewandowski afirmou, ainda por meio de sua assessoria, que se lembra de ter recebido seu dinheiro em parcelas, como todos os outros.

O ministro disse que o próprio STF reconheceu que os desembargadores tinham direito à verba, que é declarada no Imposto de Renda. Ele afirmou que não entende a polêmica pois não há nada de irregular no recebimento.

A corregedoria afirmou ontem, por meio de nota, que não quebrou o sigilo dos juízes e informou que em suas inspeções “deve ter acesso aos dados relativos à declarações de bens e à folha de pagamento, como órgão de controle, assim como tem acesso o próprio tribunal”.

No caso de São Paulo, a decisão do Supremo de esvaziar os poderes do CNJ suspendeu investigações sobre o patrimônio de cerca de 70 pessoas, incluindo juízes e servidores do Tribunal de Justiça.

Liminar concedida anteontem pelo ministro Marco Aurélio Mello impede que o conselho investigue juízes antes que os tribunais onde eles atuam analisem sua conduta -o que, na prática, suspendeu todas as apurações abertas por iniciativa do CNJ.

No caso de São Paulo, a equipe do conselho havia começado a cruzar dados da folha de pagamento do tribunal com as declarações de renda dos juízes. O trabalho foi paralisado ontem.

Colaboraram FREDERICO VASCONCELOS e FLÁVIO FERREIRA, de São Paulo

Da Folha de São Paulo

Hélio Schwartsman

SÃO PAULO – A liminar do ministro Marco Aurélio Mello que esvaziou os poderes do CNJ para fiscalizar juízes representa um retrocesso, pois empurra para os tribunais, isto é, para pessoas perigosamente próximas aos investigados, a responsabilidade primária de processá-los.

E isso tende a ser um problema. Como mostra Daniel Kahneman em seu recém-lançado “Thinking, Fast and Slow”, nossas mentes operam sob dois registros independentes e complementares. Há o Sistema 1, intuitivo, baseado em sentidos e emoções e que é muito rápido. Não temos de raciocinar antes de recusar comida estragada ou fugir de um predador.

Já o Sistema 2 é analítico e se vale de ferramentas como probabilidades e lógica formal. Ele é abstrato e lento.

Idealmente, um processo judicial seria decidido apenas pelo Sistema 2, que avaliaria o peso das evidências e calcularia o veredicto. Na prática, o Sistema 2 é preguiçoso, dispersivo e ainda se deixa levar por erros às vezes infantis gerados pelo Sistema 1.

Um exemplo chocante da inabilidade humana para julgar vem de um estudo com juízes do comitê que decide os pedidos de liberdade condicional em Israel. Os casos são distribuídos por sorteio e a junta os analisa por cerca de seis minutos. O índice de rejeição é alto: só 35% das condicionais são concedidas.

O problema é que as concessões se concentram no período imediatamente posterior às refeições, quando os juízes estão descansados e bem alimentados. Nesses momentos, 65% dos pedidos são aprovados, contra zero nas horas de maior fome.

Muito do que tomamos como decisões pensadas está contaminado por vieses e caprichos do Sistema 1.

A questão aqui não é confiar ou não nos desembargadores, mas, sim, criar estruturas que sejam o menos vulneráveis possível a influências espúrias, como compadrio, corporativismo e até os níveis de glicemia do julgador. O problema, no fundo, é a arquitetura do cérebro humano.

helio@uol.com.br

O estouro do champagne

Eu não me iludo com a decisão do ministro Marco Aurélio. Em face dela, não tenho dúvidas,  poucos, raros, raríssimos serão os magistrados de primeiro grau punidos em face de um desvio de conduta.

Eu não me iludo: com a decisão do ministro Marco Aurélio, nenhum – nenhum, mesmo!-  magistrado de segundo grau será punido.

Essa constatação  é fruto da minha experiência nos primeiro e segundo graus:  magistrado não “gosta” de punir magistrado.

Aliás, numa corporação como o Poder Judiciário, ousar votar contra o entendimento de um colega já gera desconforto, que dirá ousar votar pela punição de um igual!

Os magistrados de toga suja podem, agora, estourar o champagne.

Daqui pra frente, se for mantido entendimento do ministro Marco Aurélio, não tenho dúvidas, os malfeitores vão sair da toca e vão continuar fazendo bandalhas, as quais, de rigor, refletirão em todos nós, porque esfacelam  ainda mais a nossa já pouca credibilidade.

A limpeza que vinha sendo feita pelo CNJ, descontados alguns excessos, recebia de  todos nós os mais esfuziantes encômios.

A verdade é que, agora, com a decisão em comento –  sobre a qual não emito nenhum juízo de valor,  para não ferir a ética, mas me permito analisar os seus efeitos práticos, enquanto cidadão e membro do Poder Judiciário –  estou, sim, preocupado com o porvir.

Em todas as instituições, em todas as corporações há desvios de condutas, não se pode obscurecer.

O problema se torna insuportável e revoltante é quando os desvios de conduta são protagonizados por magistrados.

Mais grave e mais revoltante, ademais, é a impunidade.

Eu, do meu canto, vou ficar apenas observando – e lamentando.

Os togas sujas, de seu lado, certamente,  com essa decisão, já planejam a  saída da toca  para perseguir as suas presas.

Dissimulação

Há pessoas peritas, experts, na arte da dissimulação; outras, nem tanto. Algumas pessoas, todos percebemos, são tontas. Essas são incapazes de disfarçar. São babacas, tolas. Denunciam-se ao primeiro flagra. Todavia, ainda assim, dissimulam – ou tentam, pelo menos.

Confesso que, apesar dos meus cinquenta e oito anos de experiência, sou facilmente flagrado quando minto ou quando faço uma bobagem. Se minto ou faço uma travessura, não tenho dificuldades em me “entregar”. Mas, também, como qualquer pessoa, dissimulo, conquanto o faço sem muita convicção. É que sou um dos muitos tolos, semelhante àqueles aos quais fiz referência acima.

A verdade é que sou inábil, incompetente na arte de mentir, de dissimular, conquanto admita que, algumas vezes, me saí até melhor do que esperava. É dizer: fui além da minha capacidade. Contudo, não me ufano por isso.

O meu sucesso nessa “arte”, registre-se, dá-se , apenas, em face da mentira boba, da dissimulação sem resultado danoso, daquelas que não produzem consequências relevantes, das que se mostram necessárias para garantir uma relação, uma amizade, a coabitação, o conviver, o compartilhar.

A vida nos ensina – e nos compele, no mesmo passo – a, diante de determinadas circunstâncias, dissimular. Essa é a mais luminosa verdade. Todos dissimulamos, em determinadas circunstâncias.

Contudo, ter-se-á de convir, dissimula-se para o bem e para o mal.

Exemplo: o roubador, quando pretende assaltar, dissimula. O fingimento do assaltante, não obstante, é para o mal, para pegar a presa desprevenida.

Nós, outros, quando tencionamos nos livrar de um aborrecimento, também dissimulamos; a dissimulação, nesse caso, é necessária e aceitável. Dissimula-se, nessas circunstâncias, sem a perspectiva, sem a pretensão, enfim, de fazer o mal.

O certo é que, para o bem ou para o mal, vivemos dissimulando. Dissimular, muitas vezes, é uma necessidade que flui das relações entre pessoas.

Eu dissimulo, tu dissimulas, ele dissimula – nós dissimulamos, enfim. Essa é a conjugação do verbo.

Nessa linha de pensar, importa consignar que, em razão do conviver, há exemplos vários de dissimulação, utilizadas em nome da elegância, da cordialidade, para preservar uma relação ou, pura e simplesmente, para uma satisfação interior.

Desse tipo de dissimulação, todos nós, em determinado momento, somos protagonistas. Eu sou, tu és, ele é. Somos nós. Uns com arte; outros, nem tanto.

Por ocasião de uma visita, daquelas sem hora para encerrar, não é incomum fingir-se “lamentar” a decisão da visita incômoda de ir embora e pôr termo ao desconforto, quando, em verdade, gostaríamos mesmo era de dizer: já vai tarde.

Nesse caso, dissimulamos para o bem da relação. Não faz mal. Não ofende. Não magoa. Preserva a amizade e espanca os incômodos, próprios de uma visita sem limite de tempo.

Da mesma forma, quando se ouve uma pessoa dizer, sem a menor convicção, que não está nem aí para o que dizem dela, pode ter certeza que ela está muito aí, sim; está mais aí do que se imagina. Mas ela prefere dissimular, numa vã tentativa de se enganar.

Não é incomum ouvir um interlocutor dizer, depois de uma acirrada discussão, que não retira uma só palavra do que disse, quando, em verdade, está profundamente arrependido de, sem pensar, ter dito o que não diria em condições emocionais normais.

Nessa ordem de ideias, pode ocorrer, ao reverso, de, depois de uma alfinetada num desafeto, o contendor, com ares de arrependimento, desculpar-se dizendo que não pretendia ofender, muito embora a sua verdadeira intenção tenha sido mesmo de ofender. Contudo, diante do desconforto, propiciado pelo que disse, prefere dissimular, ainda que o faça sem a mínima convicção.

Quantas vezes, numa discussão entre casais, ouvem-se um dizer para o outro: “Tu morrestes para mim”. Essa afirmação, no entanto, pode não retratar o verdadeiro sentimento do autor da frase. Pode ser puro mimetismo, pura dissimulação. Pode ocorrer que, verdadeiramente, o autor da afirmação continue amando profundamente a quem finge não amar, a quem finge querer esquecer, a quem finge desejar a morte. Se ele(a) fosse humilde, diria: “Não me deixes, eu não vivo sem você. Prefiro a morte a perdê-la(o)”. Mas prefere dissimular , ainda que o faça com evidente desconforto, propiciado pelas ofensas assacadas contra a pessoa amada.

E, assim, seguimos todos nós: disfarçando, fingindo, dissimulando.

É a vida, dirão. É a vida, direi.

Associações divergem sobre decisão que esvazia poderes do CNJ

DANIEL RONCAGLIA

FREDERICO VASCONCELOS
DE SÃO PAULO

Associações de classe que representam os juízes divergiram sobre a decisão do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Marco Aurélio Mello de suspender o poder “originário” de investigação do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) contra magistrados, determinando que o órgão só pode atuar após as corregedorias locais.

A liminar concedida pelo ministro deve ser levada a plenário na primeira sessão do ano que vem, no início de fevereiro, para que seus colegas avaliem o tema. Até lá, no entanto, as funções da corregedoria do CNJ estarão esvaziadas.

A ação foi movida pela AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros), entidade que é contra o poder “originário” de investigação do conselho. “A decisão restabelece a constitucionalidade das ações correcionais no Brasil”, afirmou o presidente da AMB, Nelson Calandra.

Para ele, a liminar vai evitar “inconvenientes” criados por decisões do próprio CNJ que são anuladas por não seguirem o “devido processo legal”.

Calandra ainda entende que a decisão vai reforçar a confiança das pessoas nos tribunais locais. Ele voltou a negar que a intenção da associação seja a retirada de poder do conselho.

“O CNJ tem que atuar como uma instância revisora”, disse o presidente da AMB.

Já a Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho) afirma ser contrária a uma decisão que limitaria o poder o CNJ.

“Me parece que não há problema do CNJ atuar de forma concorrente como vem sendo feito até hoje”, disse o presidente da associação, Renato Henry Sant’Anna.

Segundo ele, essa não é uma questão prioritária da Anamatra. Sant’Anna afirma ainda que a opinião da entidade é mais “liberal” sobre o assunto.

“O CNJ vem cumprindo a sua função. Ele tem acertado mais do que errado”, afirmou.

A Ajufe (Associação dos Juízes Federal) entende que a decisão liminar do ministro apenas reafirmou o que está dito na Lei Orgânica da Magistratura.

“A decisão foi correta para que não se cometa abusos na corregedoria do CNJ. Um corregedor não pode violar o princípio do devido processo legal”, disse o presidente da Ajufe, Gabriel Wedy.

Ele, porém, afirma que a corregedoria do CNJ pode atuar em alguns casos se tiver o apoio do plenário do conselho. “Em casos excepcionais, pode a corregedoria do CNJ agir antes”, disse.

O juiz lembrou ainda que a Ajufe foi uma das poucas associações de juízes a defender a criação do CNJ.

ADVOGADOS

Já o presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Ophir Cavalcante, criticou a decisão do STF.

Para ele, a decisão “não pode permanecer porque retira da sociedade o controle que ela passou a ter sobre a magistratura com a Emenda Constitucional 45, não no tocante ao mérito em si de suas decisões, mas no que se refere ao comportamento ético dos juízes”.

O advogado afirmou que a OAB continuará defendendo a competência “originária” do conselho.

“Fiquei chocada. Na verdade, a grande inovação que houve na Justiça foi o CNJ. Fico preocupada com ações que possam comprometer o trabalho do conselho”, diz a cientista política Maria Tereza Sadek.

“É importante preservar os poderes do CNJ e essa medida reduz e restringe a atuação do conselho”, diz o advogado Sérgio Renault, ex-secretário da Reforma do Judiciário.

“Os tribunais têm autonomia para resolver suas questões internas. O correto seria o entendimento de que o CNJ pode atuar de forma independente, sem aguardar a decisão dos tribunais. Espero que o STF não referende essa liminar. O CNJ é um órgão que atua para a moralização do Judiciário”, diz Renault.

DECISÃO LIMINAR

Com a decisão liminar de hoje, ficarão prejudicadas aquelas investigações que tiveram início diretamente no conselho, antes que tenham sido analisadas nas corregedorias dos tribunais onde os juízes investigados atuam.

Como está previsto na Constituição, o CNJ pode ainda avocar [determinar a subida de] processos em curso nas corregedorias, desde que comprovadamente parados. O ministro afirmou que o conselho deve se limitar à chamada “atuação subsidiária”.

Em outras palavras, o que não pode é iniciar uma investigação do zero, fato permitido em resolução do CNJ, editada em julho deste ano, padronizando a forma como o conselho investiga, mas que foi questionada pela AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros).

“A solução de eventual controvérsia entre as atribuições do Conselho e as dos tribunais não ocorre com a simples prevalência do primeiro, na medida em que a competência do segundo também é prevista na Constituição da República”, diz o ministro em sua decisão. “A atuação legítima, contudo, exige a observância da autonomia político-administrativa dos tribunais, enquanto instituições dotadas de capacidade autoadministrativa e disciplinar.”

Foi exatamente este assunto que colocou em lados opostos o presidente do CNJ, ministro Cezar Peluso, e sua corregedora, Eliana Calmon. O primeiro defendia exatamente a função subsidiária do conselho, enquanto a última afirmava ser fundamental a atuação “concorrente” e “originária”.

Calmon chegou a dizer que o esvaziamento dos poderes do CNJ abriria espaço para os chamados “bandidos de toga”.

A ação da AMB está na pauta do STF desde o início de setembro, mas os ministros preferiram não analisar o tema, exatamente por conta desta polêmica.

Como a última sessão do ano aconteceu durante a manhã e os ministros só voltam a se reunir em fevereiro, Marco Aurélio decidiu analisar sozinho uma série de pedidos feitos pela AMB.

Além desta questão, o ministro também suspendeu mais de dez outras normas presentes na resolução do CNJ em questão. Entre elas, uma que permite a utilização de outra lei, mais dura que a Loman (Lei Orgânica da Magistratura Nacional), para punir magistrados acusados de abuso de autoridade.

Outra regra, que também foi suspensa, dava direito a voto ao presidente e ao corregedor do CNJ.

Matéria capturada na Folha Online

A recomendação de Peluso

Ministro Peluso recomenda método mais confiável para calcular penas

19/12/2011 – 17h23

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) precisa adotar um mecanismo confiável para calcular as penas dos sentenciados. A afirmação foi feita pelo presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Cezar Peluso, na entrevista coletiva em que divulgou os principais resultados do Mutirão Carcerário do CNJ em São Paulo, nesta segunda-feira (19/12), em Brasília.

O primeiro Mutirão Carcerário que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) realizou no Estado de São Paulo reconheceu o direito a liberdade de 2,3 mil pessoas que se encontravam presas. Desse total, 400 detentos foram libertados porque suas penas já estavam cumpridas ou encerradas e outros 1.890 apenados receberam liberdade condicional. O mutirão também concedeu indulto a 10 pessoas.

“Embora o relatório final do Mutirão Carcerário de São Paulo ainda não esteja finalizado, adiantamos a necessidade de o TJSP adotar mecanismos confiáveis para calcular penas, abandonando os cálculos manuais, como é feito atualmente em muitos lugares do país”, afirmou. De acordo com Peluso, a informatização desses cálculos pode melhorar a execução penal. O presidente ressaltou, ainda, que o CNJ lançou uma calculadora virtual que pode ser adotada por qualquer tribunal do país.

Entre as recomendações a serem feitas pelo CNJ ao TJSP no relatório do mutirão, que deverá ser apresentado em fevereiro próximo, está a necessidade de descentralizar o acompanhamento da execução penal. “O CNJ vai sugerir ao TJSP que crie varas regionais, sob pena de concentrar a jurisdição sobre muitos presídios em poucas varas, o que acontece hoje com a 1ª e a 5ª varas de execução penal de São Paulo”, afirmou. 

Resultados – Durante o mutirão realizado em São Paulo, iniciado em 20 de julho e encerrado na última sexta-feira (16/12), foram analisados 76.331 processos de execução penal de réus presos em penitenciárias, centros de detenção provisória e delegacias de polícia daquele estado. O número de processos torna o mutirão de São Paulo o maior já realizado pelo CNJ desde o início do programa, em 2008. 

A análise dos processos de execução de pena terminou por reconhecer benefícios (como progressões de pena, por exemplo) em 12,4% deles. Foram concedidas 5.916 progressões ao regime semiaberto (7,8 % do total de processos analisados) e 98 progressões ao regime aberto (0,12 % do total). O restante do percentual (4,48%) corresponde a demais benefícios.

O mutirão também realizou um diagnóstico do sistema prisional paulista. Os relatos dos juízes que inspecionaram 160 casas prisionais, entre penitenciárias, centros de detenção provisória e delegacias de polícia, Paulo Irion, Esmar Filho e Soraya Brasileiro Teixeira, revelaram que a maioria das unidades prisionais de São Paulo está superlotada e apresenta condições insalubres – problemas semelhantes aos encontrados nas prisões do resto do país durante os mutirões carcerários do CNJ.

Na coletiva desta segunda-feira, o ministro Peluso classificou como “bom” o estado do sistema carcerário paulista, em termos de estrutura física. “Talvez o sistema prisional de São Paulo seja o melhor do país, comparado aos outros sistemas que o CNJ conhece por meio dos mutirões carcerários”, ressaltou. O ministro reconheceu que muitas unidades prisionais de São Paulo apresentam graves problemas de superlotação e insalubridade, conforme os relatos dos juízes coordenadores do mutirão.

Superlotação – Os centros de detenção provisória (CDPs), onde teoricamente só devem haver presos aguardando julgamento, apresentam os piores índices de superlotação. Em muitos casos, a lotação da casa prisional supera em até mais de três vezes a capacidade do estabelecimento. Este é o caso do CDP de Santo André, onde há 3,3 pessoas no espaço para uma – 1.706 pessoas no espaço feito para abrigar 512. 

Os quatro CDPs de Pinheiros, na capital, têm capacidade semelhante – entre 512 e 520 vagas, cada. A menor lotação é o do CDP III (1.190) é 132% superior à capacidade. A maior lotação, do CDP IV (1.682), é 228% superior à capacidade da casa. O CDP I de Osasco tem 768 vagas e 2.047 homens presos. Capacidade idêntica tem o CDP de Mogi das Cruzes, que abriga 1.552 pessoas.  

Insalubridade – Na Cadeia Pública de Cotia, foram encontrados vestígios de ratos dentro e fora das celas. “A falta de higienização das instalações e o fato de que os alimentos são armazenados dentro das celas geram a proliferação de baratas e até ratos, como se pode ver pela enorme quantidade de fezes nas celas e pelos buracos encontrados no chão da unidade e na parte externa do prédio”, diz o juiz Esmar Filho, que inspecionou a cadeia pública com o juiz Paulo Irion. 

Os magistrados encontraram deficiências graves de infraestrutura e de assistência à saúde no sistema prisional que abriga a maior população carcerária do país. Atualmente, existem 179.666 pessoas presas em São Paulo.  

Piores unidades – As situações mais graves registradas nos estabelecimentos penais sob a responsabilidade da Secretaria de Administração Penal do Estado de São Paulo foram observadas nos Centros de Detenção Provisória de Pinheiros I, II e III, pelas condições físicas e superlotação da unidade, além da assistência jurídica insuficiente à população carcerária da casa. 

O CDP de Praia Grande, na Baixada Santista, também mereceu destaque negativo do mutirão carcerário pela constante falta d’água, inclusive para higienização pessoal mínima, na unidade. Na Penitenciária Feminina de Santana, a assistência material às detentas é mínima – mulheres já tiveram de usar de “miolo de pão” como absorvente íntimo.

Outra situação considerada das mais precárias entre as unidades visitadas é a da Penitenciária Feminina da Capital, que tem estrutura física antiquada e precária. Quase 500 das 800 presas na unidade são estrangeiras a cumprir pena ou aguardar julgamento sem assistência jurídica eficiente. Na Penitenciária Franco da Rocha III, a assistência médica é precária e a cozinha, insalubre. 

Delegacias – Entre as carceragens das Delegacias de Polícia a cargo da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP), os piores quadros foram encontrados na Cadeia Pública (Feminina) de Pariquera, onde não há camas para as presas. Em Registro, a unidade não tem segurança, a ponto de os juízes do mutirão sequer sentirem-se seguros para entrar nas celas.

Em Cananeia, as visitas aos presos da cadeia pública são impedidas de terem contato físico com seus familiares. Na Carceragem do 40º Distrito Policial da Capital, que acolhe presos com curso superior, as mulheres são autorizadas a receber três visitas mensais, enquanto os homens só podem receber uma visita por mês.

Medidas de segurança – O Mutirão Carcerário do CNJ também encontrou uma “fila de espera” de aproximadamente 900 portadores de sofrimento psíquico que cometeram delitos em todo o estado de São Paulo aguardando vaga em um dos três estabelecimentos destinados ao cumprimento de medidas de segurança.

Enquanto esperam, estas pessoas são mantidas em estabelecimentos prisionais, na maior parte sem nenhum tipo de tratamento para a doença que apresentam. Durante o mutirão carcerário, criou-se grupo de trabalho interinstitucional para reverter a situação com os órgãos envolvidos na questão – Poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública, Secretaria de Administração Penitenciária, Conselhos estadual de Saúde, pastoral carcerária, entre outros.  

Relatório – Como acontece tradicionalmente ao final dos mutirões carcerários o relatório do CNJ sobre o sistema carcerário de São Paulo será encaminhado ao Tribunal de Justiça (TJSP) com determinações sobre melhorias na avaliação da Execução Penal. E, também, ao governo estadual e ao Poder Executivo Federal com sugestões e recomendações diversas que levem à melhoria do sistema como um todo.

Desde a criação do programa de mutirões carcerários pelo CNJ, em agosto de 2008, já foram analisados 408.894 processos em todo o país. Em mais de três anos de trabalho, a mobilização permitiu a libertação de 36.318 presos – ou cerca de 9% do total de processos revisados. Como resultado do exame das condições legais do cumprimento das penas também foram reconhecidos os direitos a benefícios de 71.166 apenados.

Manuel Carlos Montenegro
Agência CNJ de Notícias

 

Poderes do CNJ por um fio

Decisão provisória do STF limita poderes do CNJ para investigar juiz

Caso entrou na pauta do plenário 13 vezes, mas não foi julgado.
Ministro Marco Aurélio optou por decidir sozinho. AGU diz que vai recorrer.

Débora Santos

Do G1, em Brasília

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello concedeu uma liminar (decisão provisória) nesta segunda-feira (19) que limita os poderes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para investigar e punir juízes suspeitos de irregularidades. Cabe recurso da liminar, e a decisão final sobre o caso ainda precisará ser analisada pelo plenário da Corte, em fevereiro, quando termina o recesso do Judiciário.

A Advocacia-Geral da União (AGU) informou que, ainda nesta semana, vai recorrer da decisão à Presidência do Supremo – no recesso do Judiciário, é o presidente do tribunal quem analisa os pedidos.

Na decisão individual, o ministro Marco Aurélio entendeu que o conselho não pode atuar antes das corregedorias dos tribunais. Para ele, a competência de investigação do CNJ é subsidiária, ou seja, deve apenas complementar o trabalho das corregedorias dos tribunais.

Até agora, a corregedoria do CNJ funcionava de maneira concorrente aos tribunais, tendo capacidade de abrir investigações contra magistrados e puxar para si casos que tramitavam nos estados. Essa iniciativa, para Marco Aurélio, pode ser mantida sem ferir a Constitiuição, desde que haja uma justificativa, como prescrição e negligência na condução do processo.

Leia matéria completa no G1