Sentença condenatória. Qualificadora. Afastamento. Falta de prova pericial

A sentença a seguir publicada faz parte do meu antigo acervo e difere, em muito, das que hoje prolato. É que já recebi muitas críticas em face do tamanho das minhas sentenças. Para satisfazer a todos, vou publicar, a partir de agora, algumas das decisões mais antigas, nas quais fui mais objetivo.

Na sentença afasto a qualificadora decorrente do rompimento de obstáculo, à falta do indispensável exame de corpo de delito.

Processo nº 140/02

Ação Penal Pública

Acusado: A. A., vulgo “Nhô Dé”

Vítima: Igreja Evangélica Congregacional e outro

Vistos, etc.

Cuidam os autos presentes de ação penal que move o Ministério Público contra A. A., brasileiro, solteiro, artesão, filho de A. E. de A. e M. da G. A., residente e domiciliado à Rua do Fio, Salina, 34, Sacavém, nesta cidade, por incidência comportamental no artigo 155, §4º, I, do Código Penal, em razão de ter arrombado a Igreja Evangélica Congregacional, localizada no bairro da Alemanha, fato ocorrido no dia 12/10/02.

A persecução criminal teve início com a prisão em flagrante do acusado(fls.07/10).

Auto de apresentação e apreensão às fls. 13.

Recebimento da denúncia às fls.33.

O acusado foi requisitado, tendo sido qualificado e interrogado às fls.48/50.

Defesa prévia às fls. 53/54.

Durante a instrução criminal foram ouvidas as testemunhas J. A. C. G.(fls.62), J. C. S.(fls.63), L. F. L. P.(fls.64), A. S. S. de A.(fls.65), V. M. S.(fls.73), E. S.(fls.74) e M. da C. S.(fls.75).

O Ministério Público, em sede de alegações finais, após detido exame da prova, pediu, alfim, a condenação do acusado, nos termos da denúncia(fls.83/87).

A defesa, de seu lado, argumenta que não há provas a justificar a condenação do acusado, que a espécie, se crime efetivamente ocorreu, cuida de crime tentado, pois que o acusado sequer se apossou da res furtiva e que não há prova da qualificadora, à falta de exame de corpo de delito, pelo que requer a) a absolvição do acusado, b) a desclassificação para tentativa c) o afastamento da qualificadora e d) a aplicação da pena no mínimo legal(fls.89/95).

Relatados. Decido.

1. Examinei a prova amealhada nos autos psub oculli, para, alfim e ao cabo do exame, concluir que o acusado, em verdade, fez subsumir a sua ação no receito primário do artigo 155 do Código Penal, crime que, entretanto, não se consumou por circunstâncias alheias à sua vontade.

2. Do exame da prova colacionada resulta, ademais, a constatação de que a qualificadora deve ser afastada, à falta de exame de corpo de delito e tendo em vista que apenas uma testemunha declara a existência do arrombamento, cujo depoimento não devo buscar, supletivamente, para suprir a falta da prova pericial.

3. Ante as conclusões suso, passo, a seguir, ao exame dos dados probatórios que despontam dos autos e que me fizeram chegar à conclusão retro.

4. Primeiro, o crime imputado ao acusado e sua não consumação, por razões alheias à sua vontade.

5. O acusado, ao que ressurte dos autos, entrou na Igreja Evangélica de Sião, localizada no bairro da Alemanha, para, do seu interior, tentar subtrair vários objetos.

6. A execução material do crime restou frustrada, entretanto, em face da presença da testemunha J. A. C. G., que chegou ao local antes da subtração se concretizar, deduzindo-se daí que o acusado, como dito suso, embora tivesse iniciado a execução do crime, não logrou êxito, por circunstâncias alheias à vontade do acusado.

7. Do depoimento da testemunha J. A. C. G. colhe-se que o acusado, inclusive, chegou a arrombar uma porta da mencionada Igreja, cujo arrombamento, é bem de ver-se, se constitui ato típico do início da execução da subtração patrimonial.

7.1 Nesse sentido têm decidido os Tribunais, segundo os quais “ o arrombamento é ato clássico de início de execução de furto, principalmente se o agente vem a ser surpreendido quando, no interior da casa da vítima, estava a subtrair-lhe diversas coisa”

8. Mencionada testemunha, em sede judicial, afirmou, verbis:

“ que o depoente é membro de uma igreja no bairro da Alemanha, que no dia 12 de outubro do ano passado, por volta das 19:00 horas o depoente deslocou-se para fazer alguma coisa na casa do pastor; Ao chegar notou que o portão não estava como havia deixado, a porta arrombada e um pedaço de ferro encostado na parede; Ao entrar na casa o depoente encontrou o acusado e um monte de roupas na cama, pertencentes ao pastor; que o acusado disse ao depoente que havia entrado na casa porque tinha visto dois ladrões entrar na mesma e que ambos haviam ido embora, que o depoente clamou por socorro pelos vizinho e pelo seu celular; que nesse instante o acusado jogou para o lado de fora da casa o celular do pastor, que muitas coisas estavam desarrumadas no interior da casa e que a janela da igreja foi arrombada; que o local onde é guardado as ofertas e dízimos havia sido revistado, que os dois imóveis foram revirados, que alguns amigos da igreja do depoente vieram e guarneceram o local, que em seguida chegou a polícia, que o acusado acusou de morte o depoente na polícia, que não conhecia o acusado”(fls.62).

9. O acusado, nos dois momentos da persecução, negou a autoria do crime, fato que, entrementes, não o exime de responsabilidade, pois que, como antes registrado, foi flagrado, sim, quando dava início à execução material do crime.

10. Tendo sido flagrado quando ainda não tivera a posse tranqüila da res mobilis, é bem de concluir-se que a espécie cuida, sim, de crime de furto, mas na sua forma tentada, pois que a res substracta não saiu da esfera de disponibilidade da vítima.

11. O processo executivo teve início; o bem jurídico da vítima esteve em risco, mas o plano do acusado não se completou, em face da intervenção da testemunha José Américo Costa Gomes, daí poder-se reafirmar que o crime não se consumou por circunstâncias alheia à vontade do acusado.

12. À vista do quadro de provas que se descortinou nos autos, posso afirmar, assim, que o acusado, efetivamente, malferiu o preceito primário do artigo 155 do Código Penal, crime que, entretanto, não restou consumado.

13. Definida a autoria do crime e provado tratar-se a espécie de crime de furto tentado, passo, a seguir, no exame da qualificadora.

14. Devo grafar, de logo, que a qualificadora deve ser afastada, à falta de exame de corpo de delito.

15. É cediço que, para configuração da qualificadora decorrente do rompimento de obstáculo, por se tratar de ação de que resulta vestígios, faz-se necessário o exame pericial.

16. Verificando o magistrado que inexiste nos autos o necessário exame de corpo de delito, para comprovação da destruição ou rompimento do obstáculo à subtração da coisa, deve o furto ser desclassificado para forma simples.

17. In casu, entendo que a Polícia Judiciária, a exemplo de outros processos submetidos a julgamento nesta vara, fez-se omissa e não é justo que o acusado, malgrado contumaz agressor da ordem pública, pague pela omissão.

18. Releva anotar que, eventualmente, ante a peculiaridade de cada caso, pode-se, sim, supletivamente, buscar a definição da qualificadora nas provas testemunhais. Para isso, todavia, a prova deve mostrar-se plena e irretorquível.

19. Ocorre que, ao que vislumbro dos autos, a prova, sob esse aspecto, está circunscrita à palavra de uma única testemunha, pelo que entendo, à luz desse fato, que o mais justo é o afastamento da qualificadora.

20. Repito que, em tese, há, sim, possibilidade de, supletivamente, suprir-se o exame de corpo de delito pela prova testemunhal, com o que, releva dizer, não se atenta contra ordem jurídica.

21. Reafirmo, contudo, que, in casu, com uma única prova testemunhal de visu, o melhor, o mais justo, é que se afaste a majorante, ainda que, por isso, tenha-se que infligir ao acusado pena mais branda.

22. Reflita-se que se ao depoimento da testemunha que flagrou o acusado deve ser emprestada a necessária credibilidade acerca da tentativa de furto, deveria, em tese, ter a mesma credibilidade para suprir a falta de exame de corpo de delito.

23. À luz dessa reflexão, releva anotar que o rompimento de obstáculo exige a sua comprovação mediante prova técnica, diferente da subtração, que, para sua tipificação, não se exige da testemunha conhecimento técnico do tipo penal afrontado pelo acusado.

24. Uma coisa é flagrar o acusado tentando subtrair os bens da vítima; outra, diferente, em face de seus aspectos técnicos, é comprovar a ocorrência de rompimento de obstáculo.

24.1. O simples desatarraxar de parafusos para retirar a res furtiva, verbi gratia, não caracteriza rompimento de obstáculo , daí porque entendo que, na hipótese em comento, o melhor caminho é a é não reconhecer do rompimento do obstáculo, em homenagem à parêmia in dubio pro reo.

25. Fosse a prova testemunhal, sob esse aspecto, plena, induvidosa, inquestionável, entendo que a qualificadora poderia, sim, em tese, ser reconhecida. Limitando-se, no entanto, à palavra de uma única testemunha, deve ser afastada, ad cautelam, em razão do que fica operada a necessária desclassificação da imputação inicial, para que recaia no artigo 155, caput, do Código Penal.

26. Assim postas as questões acerca da ação do acusado, da tipificação de sua conduta, da certeza que a espécie cuida de crime de furto tentado e de que deva ser afastada a qualificadora, passo, a seguir, ao exame das circunstâncias judiciais do artigo 59, para efeito de fixação da pena-base.

27. Sob essa perspectiva, devo dizer que o acusado, ao que ressai da certidão de fls.79/80, já foi condenado nesta comarca seis vezes, tendo sido distribuídos contra o mesmo, ademais, cerca de 05(cinco) inquéritos, pelo que se pode afirmar que tem péssima conduta social e maus antecedentes, nada obstante o princípio da presunção de inocência.

28. A péssima conduta social do acusado e seus péssimos antecedentes, é bem de ver-se, autorizam a majoração da pena-base, ex vi legis.

29. Anoto, que a redução da pena, em face da tentativa deverá ser de 1/3, em face de o acusado, com sua ação, ter-se aproximado da consumação do ilícito, id. est. em face do iter percorrido.

30. Tudo posto, julgo procedente a denúncia, para, de conseqüência, condenar o acusado por incidência comportamental no artigo 155, caput, cuja pena-base fixo em 03(três) anos de reclusão e 30(trinta)DM, à razão de 1/30 do SM vigente à época do fato, que diminuo em 1/3, em face da causa geral de diminuição de pena prevista no parágrafo único do artigo 14 do CP, totalizando, definitivamente, 02(dois) anos de reclusão e 10(dez)DM, devendo a pena privativa de liberdade ser cumprida, inicialmente, em regime semi-aberto, em face de as circunstâncias judiciais do artigo 59 serem desfavoráveis ao acusado, ex vi do §3º, do artigo 33, do CP.

31. O acusado, em face dos seus antecedentes, deverá aguardar preso eventual recurso tomado desta decisão.

32. De mais a mais, o acusado é contumaz agressor da ordem pública, em razão do que, a fortiori, deve permanecer preso, em homenagem à ordem pública.

33. Desnecessário, a meu sentir, maiores considerações acerca da periculosidade do acusado, em face da certidão do cartório de distribuição acostada e antes mencionada.

P.R.I.

Custas, na forma da lei.

Recomende-se o acusado na prisão em que se encontra.

Certificado o trânsito em julgado, lance-se o nome do réu no rol dos culpados.

Encaminhem-se os autos, depois, à Vara de Execução, via distribuição, com a baixa em nossos registros.

São Luís, 16 de maio de 2003.

José Luiz Oliveira de Almeida

Juiz de Direito da 7ª Vara Criminal

 

 

JUTACRIM 99/163

TACRIM 8/197

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

Um comentário em “Sentença condenatória. Qualificadora. Afastamento. Falta de prova pericial”

  1. É MUITO DIFICIL EMITIR QUALQUER JULGAMENTO QUANDO NÃO CONHECEMOS AS CAUSAS DO DELITO, LAMENTAMOS QUE PESSOAS IMPORTANTES NO REINO DE deus possa ser implicada, justa ou ionjustamente, todavia , tudo isto, faz parte, pois o sol vai brilhar sobre os justos e injustos, gostaria de aproveitar o ensejo para pedir que voces orem, acessem e divulguem o site da igreja online, o site ; http://www.igmissaopentecostalonline.com, estamos buscando parceria,veja como, acesse o site, muito obrigado

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