Relxamento de prisão. Excesso de prazo para conclusão da instrução. Constrangimento ilegal.

Definitivamente, não é fácil fazer Justiça com as condições de trabalho que se tem. A decisão abaixo é um exemplo sintomático de que, por mais que se queira, pouco se pode fazer.

Na sétima vara criminal, da qual sou titular, tenho sido obrigado a, vez por outra, colocar em liberdade um meliante, por absoluta impossibilidade de concluir a instrução em tempo razoável, como proclama a Carta Política em vigor.

Todas as vezes que tenho que relaxar uma prisão por excesso de prazo, o faço constrangido. Nada posso fazer no entanto.

Os motivos para não conclusão de instrução em tempo razoável são os mais diversos. Há os problemas que são próprios do Poder Judiciário e os que são do Poder Executivo, mas que acabam por nos atingir. Não é incomum, por exemplo, não ter carros para transportar os presos às salas de audiência. Não é incomum, ademais, os oficiais de justiça não localizarem as testemunhas, não intimarem os advogados, não intimarem os acusados, etc.

Diante dessas dificuldades e tendo em vista que há formalidades processuais que não podem ser postergadas, máxime as que dizem respeito às garantias do contraditório e da ampla defesa, os processos vão se arrastando, até que, um dia, ocorre o excesso, que nos compele a colocar o acusado em liberdade.

Abaixo, uma decisão em que fui obrigado a colocar o acusado em liberdade, por excesso de prazo.

 

Processo nº 32202006

Ação Penal Pública

Acusado: F. D. C. da S.

Vítima: Raimundo Nonato Alves dos Santos

Vistos em correição,

 

Em face do contido na certidão retro, nomeio a advogada FERNANDA JORGE LAGO, para cuidar da defesa técnica do acusado F. D. C. DA S., podendo ser encontrada na Rua dos Botos, Quadra 17, Casa 23, Calhau, ou na Av. Castelo Branco, 333, Sala 07, São Francisco, nesta cidade.

Designo o dia 11(onze) de outubro, às 09:30 horas, para audição das testemunhas do rol do MINISTÉRIO PÚBLICO, as quais deverão ser intimadas e/ou requisitadas, para esse fim.

 

Notifiquem-se os representantes legais das partes.

O acusado está preso desde o dia 24 de fevereiro do ano corrente, portanto há quase sete meses, sem que se encerre a instrução, não se podendo atribuir a ele a responsabilidade pelo atraso, bem assim ao signatário.

Devo anotar que várias foram as razões do atraso para conclusão da instrução criminal, todas elas decorrentes da ineficiência da máquina estatal, que, infelizmente, não tem podido responder, eficazmente, aos ensaios da população.

Sem que se possa atribuir à defesa a responsabilidade por tamanho atraso, entendo ser mais do que justo que se repare o constrangimento ilegal a que está submetido o acusado.

É verdade que aqui se está defronte de um crime de especial gravidade. Não se deve perder de vista, nada obstante, que o só fato de cuidar-se de crime grave não autoriza o desrespeito à ordem jurídica, máxime por quem, como o magistrado, tem a obrigação de preservá-la.

Constranjo-me, fico incomodado, aborrece-me, me entristece, me dói na alma ter que colocar em liberdade o autor de um crime dessa magnitude, quiçá para tomar paradeiro incerto e para enriquecer as estatísticas da impunidade.

Apesar do exposto, não posso descurar de minhas responsabilidades, me aliando àqueles que não têm compromisso com as leis em vigor.

O magistrado, por mais que se constranja diante de situações de igual matiz, não pode com ela compactuar. Deve, ao contrário, reparar a ilegalidade que se descortina sob seus olhos.

A Justiça que sonhei – e sonho – não é esta. A Justiça que almejo é a Justiça célere e eficaz. Mas essa Justiça, ao que já constatei, é uma quimera.

No caso presente, mais uma vez resta demonstrado que a Justiça do meu Estado é um castelo de sonhos. Nós, juizes, nas condições em que trabalhamos, não temos como atender aos anseios dos nossos jurisdicionados. Diante dessa impossibilidade, só nos resta lamentar e colocar em liberdade o paciente, correndo o risco de ver frustrada a aplicação da lei, mais uma vez.

Ante o exposto, RELAXO A PRISÃO do acusado F. D. C. DA S., para que o mesmo seja colocado em liberdade, imediatamente, se por outra razão não se encontrar preso.

Expeça-se, pois, o necessário alvará de soltura.

 

Antes de ser o acusado colocado em liberdade, deve-se promover a sua intimação para audiência acima designada.

São Luís, 18 de setembro de 2006.

 

Juiz José Luiz Oliveira de Almeida

Titular da 7ª Vara Criminal

 

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Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

2 comentários em “Relxamento de prisão. Excesso de prazo para conclusão da instrução. Constrangimento ilegal.”

  1. Às vezes lendo sua decisões tenho a nítida impressão que não está no Brasil em que vivo.Aqui em São Paulo é rarissímo o magistrado conceder hc com base no excesso de prazo. Sou advogada e as me sinto uma ofice girl do sistema, pois muitas vezes fazemos a nossa parte, porém o judiaciárionão faz a parte dele dentro dos parametros legais. è muito prazeroso ler os seus comentários sobre o sistema. obrigada

  2. Excelência, nesse momento estou assistindo uma reportagem no Jornal Nacional sobre os arrastões em São Paulo, liderados por menores de 14 a 17 anos, e que deve ser discutido a pena para esses infratores.
    Tenho 56 anos de idade, e nunca pensei em assistir esses disparates na minha vida. Hoje foi minha última prova do último período da minha graduação em Direito. Deveria estar vivendo um sonho, pois vim do lixão, tal como na novela da globo (não assisto), mas minha história é muito parecida. Contudo, vou continuar sonhando, e lutando, e buscando melhores dias dentro do judiciário, no legislador, no doutrinador, no Estado…
    Vou prestar o exame de ordem, vou me tornar advogado, vou lutar por injustiças, e ainda, vou conhecer o Maranhão.
    Abraços, Mestre.

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