Recebimento da denúncia. Decreto de Prisão Preventiva.Periculosidade do acusado.

No despacho a seguir, observe, caro leitor, que cumulei o recebimento da denúncia com a decretação da prisão preventiva do acusado.

O acusado, pode-se ver do despacho, é daqueles que acha que tudo pode, que mata sem pena e sem dó, que não respeita as instituições, que acha que está acima do bem e do mal, devendo, por isso, ser segregado, em homenagem à ordem pública.

Processo nº 213332006

Ação Penal Pública

Acusado: L. F. C., vulgo “Doutor”

Ofendido: Raimundo Nonato da Silva Teixeira, vulgo “Cabeludo”

 

Vistos em correição,

Cuida-se de ação penal que move o MINISTÉRIO PÚBLICO contra L. F. C. por incidência comportamental no artigo 121, §2º, II, do CP, por ter assassinado RAIMUNDO NONATO DA SILVA TEIXEIRA.

Examinei o caderno administrativo, tendo constatado a presença dos s pressupostos legais, id. est., ou seja, os fatos narrados,são, tese, TÍPICOS, a parte LEGÍTIMA e não está EXTINTA A PUNIBILIDADE do(s) réu(s), RECEBO a DENÚNCIA formulada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO contra o(s) acusado(s) acima nominado(s), por incidência comportamental no tipo penal antes mencionado.

Designo o dia 23 de outubro de 2007, às 15:00 horas, para o interrogatório do(s)acusado(s), que deverá(ão) ser citado(s) por mandado e/ou requisitado(s), notificando-se o representante ministerial para o ato, bem assim o DEFENSOR PÚBLICO com atribuição junto a esta vara, que nomeio para o ato, ad cautelam.

Faça-se constar do mandado que o(s) acusado(a) deverá(ão) se fazer acompanhar de advogado ou declarar em juízo não poder fazê-lo, por faltar-lhe condições financeiras para constituição de procurador, hipótese em que ser-lhe-á nomeado o DEFENSOR PÚBLICO com atribuição junto a esta vara, para cuidar de sua defesa técnica.

Faça-se constar do mandado, ademais, que a presença de advogado é indispensável, sob pena de não se realizar o ato.

Requisitem-se e/ou informações as informações de praxe acerca dos antecedentes do acusado.

O MINISTÉRIO PÚBLICO, ao ofertar denúncia contra o acusado, pediu a DECRETAÇÃO de sua PRISÃO PREVENTIVA.

Vieram-me os autos conclusos para deliberar.

Da denúncia colho que o acusado matou a vítima em face de um acidente com uma bicicleta. Vejo da denúncia, demais, que o acusado, inconformado porque a vítima não quis pagar os danos que disse ter sofrido, sacou de uma arma de fogo e disparou contra o ofendido; como não conseguiu acertar o ofendido no primeiro disparo, o acusado, mais uma vez, disparou contra o mesmo, atingindo-o e matando-o.

Depois de assassinar o ofendido, o acusado fugiu para São Paulo, tendo retornado no mês de junho do corrente, em razão de não ter mais dinheiro.

O acusado, inquirido em sede administrativa, confessou que pretendia viajar para Bequimão e que, como não tinha dinheiro, resolveu praticar um assalto.

A conclusão a que chego, com esses dados, é que o acusado não tem controle de suas ações. E é violento! E pode voltar a matar! E acha que pode usurpar do Estado o direito de infligir pena ao infrator. Entende que pode fazer Justiça com as próprias mãos. Desmerece os agentes do Estado. É perigoso. Não merece permanecer em liberdade, sob pena de voltar a delinqüir. É dessas pessoas que precisam de peias, de controle, da ação enérgica dos agentes responsáveis pela persecução criminal.

É claro que o acusado, com esse perfil, não pode permanecer em LIBERDADE. A liberdade do acusado, perigoso que é, pode vir em detrimento da ordem pública. A ordem pública, já ultrajada por ele, em duas ocasiões, pode, sim, mais uma vez, ser vilipendiada, pois que, ao que posso inferir do seu depoimento, é dos tais que não leva desaforo pra casa. O acusado é daqueles que está, sempre, a um passo da delinqüência. E precisa, por isso, ser obstado.

O acusado, concluo do que vislumbrei nos dados albergados na fase administrativa, é daqueles que não mede as conseqüências dos seus atos. E o que é mais sintomático, tem propensão para o ilícito. Primeiro, matou RAIMUNDO NONATO DA SILVA TEIXEIRA, por motivo banal. Em seguida, praticou um assalto, para conseguir recursos para viajar. Com essas duas ações pode-se concluir que precisa ser afastado da sociedade, que não pode, sob qualquer fundamento, ficar à mercê das ações deletérias do acusado.

Os dois dados acima registrados, a meu sentir, são o que basta para legitimar a PRISÃO PREVENTIVA do acusado, o qual, a que parece, sem empeço e sem controle pode, a qualquer momento, se em liberdade estiver, voltar a delinqüir.

A criminalidade violenta e/ou reiterada, devo dizer, está a exigir de nós, agentes públicos, responsáveis pela persecução criminal, a adoção de medidas enérgicas.

O magistrado, a quem o Estado confere o poder de obstaculizar a ação de meliantes, não pode se omitir. Deve, ao reverso, agir com sofreguidão, tudo devendo fazer no sentido de obstar as ações perniciosas que possam vir em holocausto da ordem pública. – desde que, claro, não contrário ao Estado de Direito e desde que, ademais, não malfira os comezinhos direitos dos cidadãos, máxime o de alçada constitucional.

Não se argumente, para profanar esta decisão, que o indiciado goza da presunção de não-culpabilidade, pois que, é por demais sabido, essa presunção não se constitui óbice para adoção da medida de força sob retina, desde que se faça necessária e se em questão estiver a ordem pública, como, aliás, previsto na própria Constituição.

Não se pode deslembrar que a ordem pública foi vituperada com a ação do acusado, por duas vezes – a considerar os dados amealhados em sede administrativa – a justificar a sua segregação provisória.

Devo grafar que a garantia da ordem pública não se limita, tão-somente, no evitar que o acusado, solto, possa voltar a delinqüir. Ordem pública, no sentido aqui almejado, é, também, o necessário resguardo da credibilidade e a respeitabilidade das instituições públicas – POLÍCIA, MINISTÉRIO PÚBLICO, PODER JUDICIÁRIO, etc.

O crime albergado no caderno policial é grave, muito grave. É seguramente, um dos mais graves do elenco de crimes do nosso ordenamento jurídico. Todavia, tão grave – ou mais grave – que o crime que se está defronte é, seguramente, o descrédito do PODER JUDICIÁRIO, se o acusado se mantiver solto, convivendo com os seus congêneres, como se não tivesse deslustrado ordem pública.

Nessa toada, chamo à colação a lição do sempre citado JÚLIO FABBRINI MIREBETE que, a propósito, preleciona, verbis:

“ O conceito de ordem pública não se limita a prevenir a reprodução de fatos criminosos, mas também acautelar o meio social e a própria credibilidade da Justiça em face da gravidade do crime e sua repercussão”.

Prossegue o ilustrado doutrinador, litteris:

“A conveniência da medida deve ser regulada pela sensibilidade do juiz à reação do meio ambiente à prática delituosa”.

Mais adiante o mesmo jurisconsulto obtempere:

“Embora seja certo que a gravidade do delito, por si, não basta para decretação da custodia, a forma e execução do crime, a conduta do acusado, antes e depois do ilícito, e outras circunstâncias, podem provocar uma imensa repercussão e clamor público, abalando a própria garantia da ordem pública, impondo-se a medida como garantia do próprio prestígio e segurança da atividade jurisdicional”.

Conclui o ilustrado jurisprudente, litteris:

“A simples repercussão do fato, porém, sem outras conseqüências, não se constitui em motivo suficiente para a decretação da custodia, mas está ela justificada se o acusado é dotado de periculosidade, na perseverança da prática delituosa, o quando a denúncia na prática do crime perversão, cupidez e insensibilidade moral” 

Creio, sem pretender aprofundar o exame da quaestio, para não incidir em grave julgamento a destempo, que o indiciado, até que se prove em contrário, ao agir como agiu, demonstrou, prima facie, insensibilidade moral, a legitimar, também por isso, a decretação de sua prisão – a considerar, sempre, os dados emoldurados no caderno administrativo.

Não se pode dizer, sem incorrer em grave erro de análise, que o crime – homicídio qualificado – sob retina não tenha impactado a sociedade. Só se justificaria argumento nesse sentido, se se admitisse que a reiterada prática de crimes tenha molificado o sentimento de Justiça das pessoas.

Diante do impacto que decorreu da prática do crime, só mesmo um insensível deixaria de atender o pleito do MINISTÉRIO PÚBLICO.

Colho do escólio de GUILHERME DE SOUZA NUCCI, que “ a garantia da ordem pública é a hipótese de interpretação mais ampla e insegura na avaliação da necessidade da prisão preventiva. Entende-se pela expressão a indispensabilidade de se manter a ordem na sociedade, que, via de regra, é abalada pela prática de um delito. Se este for grave, de particular repercussão, com reflexos negativos e traumáticos na vida de muitos, propiciando àqueles que tomam conhecimento da sua realização um forte sentimento de impunidade e de insegurança, cabe ao Judiciário determinar o recolhimento do agente.” 

Não se há de negar que, em face do crime sob retina, a mantença da liberdade causará, sim, revolta, sentimento de impunidade e insegurança, daí a razão pela qual não se pode ser omisso; a omissão, in casu, pode ser mais grave que o crime cometido.

Entendo que quem tira a vida de um semelhante, nos moldes retratados nos autos em comento, não merece, em princípio, o beneplácito da Justiça, ainda que seja primário e possuidor de bons antecedentes.

Os Tribunais não dissentem, como se colhe abaixo, litteris:

Ementa HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. CRIME DE EXTORSÃO MEDIANTE SEQÜESTRO. PRISÃO EM FLAGRANTE. INDEFERIMENTO DE PEDIDO DE LIBERDADE

PROVISÓRIA. DECISÃO FUNDAMENTADA. CONDIÇÕES PESSOAIS DO PACIENTE. IRRELEVÂNCIA. PRECEDENTES DO STJ.

1. Devidamente fundamentada e demonstrada, por fatos concretos, a necessidade da manutenção da custódia cautelar do paciente, não há falar em constrangimento ilegal, por ausência de motivação na negativa judicial do pedido de liberdade provisória.

2. Conforme tem reiteradamente decidido o Superior Tribunal de Justiça, a primariedade e os bons antecedentes do acusado, per si, não têm o condão de revogar a segregação provisória, se a necessidade da prisão processual é recomendada por outros elementos dos autos.

3. Ordem denegada.

Na mesma alheta:

Ementa

PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ART 157, § 2º, I, II, V, CP. NULIDADE DO AUTO DE PRISÃO EM FLAGRANTE. PREJUÍZO NÃO DEMONSTRADO. FLAGRANTE. LIBERDADE PROVISÓRIA. DECISÃO. FUNDAMENTAÇÃO.

I – Não há que se falar em vício formal na lavratura do auto de prisão em flagrante de menor de 21 anos, se não houve demonstração de eventual prejuízo sofrido. Ademais, o inquérito é peça meramente informativa, sem natureza processual, não havendo que se falar em nulidade da prisão e cerceamento de defesa.

II – A decisão que, de forma convincente e motivada, nega o pedido de liberdade provisória, indicando, para tanto, as razões de prisão preventiva, não acarreta constrangimento ilegal ao paciente (Precedentes).

III – A circunstância de o recorrente possuir condições pessoais favoráveis como residência fixa, exercício de atividade lícita, primariedade e bons antecedentes não é suficiente, tampouco garantidora de eventual direito de liberdade provisória, quando o encarceramento preventivo decorre de outros elementos constantes nos autos que recomendam, efetivamente, a custódia cautelar.

Recurso ordinário desprovido.

A CONSTITUIÇÃO FEDERAL, em seu artigo 5º , LXVI, diz que “ ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança”.

Esse comando legal, nada obstante, não impede a DECRETAÇÃO de uma PRISÃO, se ela se mostra inarredável.

Os Tribunais chancelam a afirmação supra ao proclamarem que “O art. 5o, LVII, da Constituição Federal, segundo o qual ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, não impede a prisão preventiva ou cautelar do acusado, uma vez que sua decretação não ofende o princípio da presunção de inocência.”

Antes mesmo de ser ofertada a denúncia pode o magistrado decretar uma prisão, se tiver índole cautelar, ou seja, quando presentes os requisitos e pressupostos previstos no art. 312 do Código de Processo Penal, como se vê, às claras e a mais não poder, nos autos em comento.

Sublinho, pelo prazer do debate, que a constatação da perigosidade do acusado, ainda primário e possuidor de bons antecedentes, pode, sim, legitimar a edição de um decreto de PRISÃO PREVENTIVA.

Colho, nessa senda, a decisão do STF segundo a qual “a prisão preventiva pode ser decretada em face da periculosidade demonstrada pela gravidade e violência do crime, ainda que primário o agente”.

No mesmo diapasão é a decisão do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA no sentido de que “A periculosídade do réu, evidenciada pelas circunstâncias em que o crime foi cometido, basta, por si só, para embasar a custódia cautelar, no resguardo da ordem pública e mesmo por conveniência da instrução criminal”. 

A potencialidade do crime cometido, adicionada à perigosidade do acusado, compele os agentes oficiais do Estado, responsáveis pela persecutio criminis, a desenvolverem medidas enérgicas, ainda que em detrimento da sua liberdade

À luz do exposto, DECRETO a PRISÃO PREVENTIVA de L. F. C., o fazendo com espeque nos artigos 311 e 312 do Digesto de Processo Penal, presentes os pressupostos legais – periculum in libertatis e fumus boni iuris – , para que, preso, aguarde o seu julgamento.

Expeça-se, pois, o necessário mandado de prisão, em três vias, uma das quais servirá de nota de culpa.

São Luís, 28 de setembro de 2006.

 

Juiz Jose Luiz Oliveira de Almeida

Titular da 7ª Vara Criminal

 

 Código de Processo Penal Interpretado, 8ª edição, Ed. Atlas, p.690

 NUCCI, Guilherme de Souza, in MANUAL DE PROCESSO E EXECUÇÃO CRIMINAL, 2ª tiragem, 2005, editora Revista dos Tribunais, p.547

Acórdão RHC 13540 / PR ; RECURSO ORDINARIO EM HABEAS CORPUS 2002/0139337-0 Fonte DJ DATA:10/03/2003 PG:00250 Relator Min. FELIX FISCHER (1109) Data da Decisão 17/12/2002 Orgão Julgador T5 – QUINTA TURMA

 Acórdão HC 25772 / PA ; HABEAS CORPUS 2002/0164954-8 Fonte DJ DATA:15/12/2003 PG:00331 Relator Min. LAURITA VAZ (1120) Data da Decisão 25/11/2003 Orgão Julgador T5 – QUINTA TURMA

 Habeas Corpus nº 482.740/5 – São Paulo – 7a Câmara – Relator: Salvador D’Andréa – 19.8.2004 – V.U. (Voto nº 5.401)

 STF, RT 648/347

 STJ, JSTJ 81/154

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.