Segue mais uma informação em face de habeas corpus, pinçada entre as várias, incontáveis informações que presto, em face do excesso de prazo para concluir a instrução.
Observe, caro leitor, que, em determinado excerto, descrevo, para o relator – e, de conseqüência, para os demais membros da Câmara Criminal onde tramita o mandamus – as nossas dificuldades para trabalhar, do que resulta, não raro, o excesso de prazo, a autorizar, muitas vezes, a soltura de um dos muitos meliantes que infernizam a nossa vida.
EXCELENTÍSSIMO SENHOR
DESEMBARGADOR MÁRIO LIMA REIS
RELATOR DO HABEAS CORPUS 6151/2006 SÃO LUIS/MA
IMPETRANTE: ADVª. SUELI BARROS DA COSTA
PACIENTE: I. S.
Senhor Desembargador,
Sirvo-me do presente, para prestar a Vossa Excelência as informações que me foram requisitadas, em face do habeas corpus epigrafado.
I-O MÓVEL DA IMPETRAÇÃO. SUBMISSÃO DO PACIENTE A CONSTRANGIMENTO ILEGAL. EXCESSO DE PRAZO PARA CONCLUSÃO DA INSTRUÇÃO CRIMINAL.
A impetrante alega que ISMAEL SOUSA se encontra preso há mais tempo do que permite a lei e que, por isso, estaria submetido a constrangimento ilegal.
II-A SITUAÇÃO JURÍDICA DO PACIENTE. A INCIDÊNCIA PENAL. CRIME DE HOMICÍDIO QUALIFICADO. CRIME ETIQUETADO HEDIONDO. A MAU FUNCIONAMENTO DE NOSSAS INSTITUIÇÕES.
Permito-me, Excelência, em face dos argumentos consolidados no writ, fazer algumas considerações que julgo relevantes acerca da situação jurídica do paciente e, também, em face das nossas condições de trabalho.
Pois bem.
O paciente foi denunciado pelo MINISTÉRIO PÚBLICO, por incidência comportamental no artigo 157, §3º, do CP (doc. 01).
A persecução criminal, em sua primeira fase, teve início com a prisão em flagrante do paciente.
O crime em comento – latrocínio – é por demais sabido, foi definido pelo legislador ordinário, com inspiração na Carta Política vigente, como hediondo, para o qual é preconizado tratamento mais rigoroso, razão pela qual não se há de questionar o rigor com que trato a questão.
Em face as gravidade do crime imputado ao paciente, portanto, é que entendi devesse mantê-lo preso, em homenagem à ordem pública e em respeito à lei vigente.
Anoto que a eventual liberdade do paciente, ainda que pequeno excesso houvesse- e não há, ver-se-á oportunamente – não será compreendida pela sociedade.
Entendo – e peço todas as vênias acaso discorde Vossa Excelência desse entendimento – que um pequeno excesso é sempre tolerável, máxime se se considerar que no Maranhão, diferente de vários outros Estados, as coisas foram feitas para não funcionar.
De efeito, em todos os Estados procura-se meios para que a Justiça responda aos anseios da sociedade com mais rapidez. Aqui, ao que constato, as coisas só pioram – e consideravelmente. E não se vê a adoção de providências por quem de direito.
Nesta vara, da qual sou titular desde o ano de 1994, só tenho visto as coisas piorarem. Nada obstante me esforce, quase nada tenho feito. Ofícios vários já encaminhei – inclusive a Vossa Excelência –denunciando as nossas condições de trabalho. Do Tribunal e da Corregedoria só tenho ouvido – se é possível – silêncio, nada mais que silêncio.
O tempo passa, a sociedade evoluiu e nós, nesse pobre Maranhão, só vemos as coisas piorarem. Enquanto noutros Estados vemos, dias após dias, a produtividade dos magistrados aumentar, aqui, na contra-mão da história, vê-se a produtividade diminuir. E nada se faz! E não se age! E não se reage! E não se move uma palha! E todos se mantém silentes, num mutismo que traduz, à toda evidência, o espírito dos homens públicos da nossa terra.
Tudo tenho feito para responder aos anseios dos nossos jurisdicionados; quase nada tenho conseguido, nada obstante, por faltar-me as mais mínimas condições de trabalho – a mim e a tudo o mais que gira em torno de mim. E assim vou levando, fingindo que sou útil à sociedade. Fingindo que faço justiça. Iludindo os incautos. Mas sem conseguir me iludir.
Sou, por formação, irrequieto, ansioso e insatisfeito. O que conforta alguns, a mim me inquieta. Poderia, sim, aproveitar a falta de condições de trabalho para, como muitos, apenas usufruir do lado bom do poder. Não o faço, entrementes, porque não é essa a minha formação. Não foi pra isso que tanto lutei. Quando deixei o MINISTÉRIO PÚBLICO, fi-lo porque julgava que não tinha liberdade para trabalhar. Iludi-me imaginando que as coisas, no Poder Judiciário, fossem diferentes. Pese tenha liberdade para decidir, a mim me faltam condições materiais para exercer as minhas atividades, como, de resto, devem faltar aos demais colegas. Só que, diferente de muitos, essa situação me inquieta e revolta.
Vejo, hoje, dois Promotores de Justiça designados para esta vara, com tempo de sobra para trabalhar, além de não faltar-lhes apoio. Enquanto as condições deles são absolutamente favoráveis, de meu lado, sozinho, decidindo, lutando em várias frentes, disparando telefonemas para delegacias, IML, Superintendência de Polícia, Centrais de Custódia, Comando da Polícia Militar, oficiando para Corrgedoria, apelando para um e para outro vou enfrentando toda sorte de intempérie para decidir.
Até quando esse quadro vai perdurar?
III-OS PROBLEMAS QUE NOS IMPOSSIBILITAM DE TRABALHAR. OS MAIS DIVERSOS OSBTÁCULOS QUE SE INTERPUSERAM EM NOSSO CAMINHO. A DÍVIDA QUE TEMOS PARA COM A SOCIEDADE.
Várias têm sido as razões pelas quais não consigo desempenhar a contento o meu trabalho. Primeiro, veio a greve dos Defensores Públicos. Em seguida, veio a famigerada Central de Mandados. Após, veio a sua extinção. Veio, em seguida, a substituição dos antigos funcionários pelos concursados. Tudo feito sem o mais mínimo planejamento. Resultado: os feitos restaram paralisados, audiências foram adiadas, réus foram colocados em liberdade, sem que se ouça uma única voz se insurgir contra esse estado de coisas.
Fico eu, cá embaixo, lutando para dar resposta aos cidadãos, como contra-prestação pela remuneração que recebo, sem quase nada poder fazer. Fico atormentado, agastado e desiludido.
Pobre Maranhão! Pobres jurisdicionados! Pobres vítimas do nosso descaso!
O quadro cá embaixo é sombrio. Não há carros para as diligências. A polícia não dispõe de condições para atender os nossos pleitos. O IML só trabalha – por faltar-lhe condições – se instado a fazê-lo por nós outros. Incontáveis são os telefonemas que disparamos, todos os dias, aos mais diversos órgãos do Estado buscando solução para esse estado de letargia. As delegacias não têm controle dos presos. As varas da mesma forma. As investigações criminais ficam ao sabor das circunstâncias. As autoridades policiais não têm a quem dar satisfação de suas ações e/ou omissões. Os prazos se excedem nas delegacias. As acusações de tortura e peculato se avolumam. As providências não chegam. E tudo vai ficando com dantes. A produtividade dos juízes não melhora. Os órgãos de controle interno não funcionam. Cada juiz faz o que quer. Ninguém lhes cobra produtividade. As audiências não se realizam. Não se respeitam as testemunhas. Há dias que não tem água nos gabinetes. Há dias que não se tem papel. As audiências são adiadas porque a polícia não dispõe de veículos para fazer o transporte dos acusados. E tudo vai ficando assim mesmo. Nada se faz! Ninguém move uma palha. Marco audiências para todos os dias, pela manhã e pela tarde e não as realizo. Os processos não são julgados. Prepondera a sensação de impunidade. E nada se faz! O que se ouve em face dessa minha tenacidade é que não vou consertar o mundo. O que ouço dizer é que sou arrogante e prepotente, como se ser correto afrontasse os outros.
E assim vamos levando! Na marra! Sem carro para diligências, sem apoio logístico, apoquentados, irritados, tristes e, às vezes, deprimidos com o quadro que se descortina à nossa frente.
A sociedade que nos paga assiste, de mãos atadas, a nossa inoperância, a impunidade, a multiplicação da violência, os deferimentos dos pedidos de liberdades dos mais perigosos meliantes, como se fossemos todos insensíveis.
É pena que muitos só se dêem conta desse quadro dramático quando um parente sucumbe diante da arma de um meliante. Enquanto isso não ocorre fingimos que não temos nada a ver com isso.
Aqui na sétima vara criminal, por absoluta falta de condições de trabalho, com apenas um oficial de justiça, sem apoio logístico e, praticamente, sem carro para realizar diligências, só realizamos, quando muito, três, quatro, às vezes cinco por semana. É essa a nossa situação. E, conquanto tenhamos oficiado, reiteradas vezes, da Corregedoria não veio qualquer solução. E assim vamos levando. Quiçá o meliante que seja posto em liberdade não nos faça a sua próxima vítima.
Feita a digressão, retomo as informações.
IV-A RATIO ESSENDI DA POSTULAÇÃO. EXCESSO DE PRAZO. OCORRÊNCIA. EXCESSO QUE NÃO SE DEU POR INCÚRIA DO SIGNATÁRIO.
O paciente, disse-o acima, foi preso em flagrante, por incidência comportamental no artigo 157, §3º, do CP.
A prisão do paciente, efetivamente, deu-se aos 30(trinta) dias do mês de agosto do ano passado.
A denúncia, nada obstante, foi recebida no dia 18 de outubro, data a partir da qual, sabe-se, deve ser contado o tempo de prisão, sob a responsabilidade do juízo (doc. 02).
Considerando, pois, a data do recebimento da denúncia, há de convir-se que o paciente está preso, sob a responsabilidade do signatário, há exatos 152(cento e cinqüenta e dois) dias, tendo por termo inicial o dia 18 de outubro (data do recebimento da denúncia) e termo final o dia 10(dez) de abril, data da impetração do mandamus.
Eis o tempo de prisão, traduzido mês a mês, a considerar, sempre, a data do recebimento da denúncia.
18 de nov. =30 dias +
18 de dez. =30 dias+
18 de jan. =30 dias +
18 de fev. =30 dias +
18 de mar. =30 dias +
10 de abril = 22 dias +
Tempo de prisão 152(cento e cinqüenta e dois) dias
Desse total deve ser subtraído 21(vinte e um ) dias, decorrentes da omissão da defesa.
Explico.
Recebida a denúncia, designei o dia 17 de novembro, às 11:00 horas, para o interrogatório do acusado, cujo ato não se realizou porque a sua procuradora, subscritora do mandamus, não o acompanhou(doc. 03).
Resultou da omissão da defesa que o ato foi designado para o dia 07 de dezembro, sofrendo o feito respeitável atraso.
Debitado, pois, do tempo total de prisão (152 dias), os 21(vinte e um) dias decorrentes da omissão da defesa, tem-se 131(cento e trinta e um) dias de prisão do paciente sob a responsabilidade do signatário.
Eis a equação:
152 dias(tempo de prisão) – 21 dias(omissão da defesa) = 131 dias (tempo de prisão)
Não é só.
Dos 131 dias, resultado dessa última operação, devem ser subtraídos os dias de recesso instituído pela Resolução nº 08, de 29 de novembro de 2005, do Conselho Nacional de Justiça, ou seja, 18(dezoito) dias.
Eis a nova equação:
131- tempo de prisão – 18(dezoito) dias/recesso = 113 dias (novo tempo de prisão)
Tem mais subtração, Excelência.
A audiência designada para o dia 11 de janeiro, não se realizou, em face de, pese intimada, deixar de comparecer a advogada do paciente(doc. 04).
A nova audiência, em face da omissão da defesa, foi designada para o dia 26 de janeiro. É dizer: há que se subtrair do tempo de prisão 16(dezesseis) dias, decorrentes da omissão da defesa.
Eis a nova operação:
113 tempo de prisão resultado da operação anterior – 16 dias/omissão da defesa = 97(noventa e sete) dias (novo tempo de prisão
Tem mais!
A audiência designada para o dia 26 de janeiro, deixou de realizar-se em face, agora, da omissão do Ministério Público(doc. 05).
Em conseqüência desse adiamento, designei, para realização do ato adiado, o dia 23 de fevereiro. É dizer: mais 32(trinta e dois) dias foram consumidos, sem que se ultimasse a instrução, agora por culpa do MINISTÉRIO PÚBLICO.
Esses 32(trinta e dois) dias, resultado da omissão ministerial, devem ser subtraídos da operação anterior, pois que não se deram por omissão do signatário.
Tem-se nova operação:
97(tempo de prisão) – 32 omissão do MP = 65(sessenta e cinco) dias ( novo tempo de prisão)
Tem mais.
A nova audiência, agora designada para o dia 23 de fevereiro, não se realizou em face da falta de condições de trabalho do meirinho, conforme certidão que segue junto (doc. 06).
Designada nova audiência, agora para o dia 07 de abril, para o encerramento da instrução, mais uma vez o ato não se realizou, por falta de condições de trabalho do único oficial de justiça designado a esta vara (doc. 07).
É fácil ver, em face do exposto, que se a instrução ainda não chegou a termo, a responsabilidade é somente da defesa, do Ministério Público e da falta de condições de trabalho.
V-AS CONDIÇÕES DE TRABALHO DA 7ª VARA CRIMINAL. A EXISTÊNCIA DE APENAS UM OFICIAL DE JUSTIÇA. OMISSÃO DAS DO TRIBUNAL E DA CORREGEDORIA
Desde a criação, instalação e encerramento da famigerada CENTRAL DE MANDADOS, de triste memória, tenho tido sérios problemas para trabalhar. Nada obstante tenha oficiado, reiteradamente, para Corregedoria, permaneço com apenas um oficial de justiça.
Esse único oficial de justiça não tem condições de cumprir as diligências que se avolumam nesta vara, afinal mais de sessenta audiências foram designadas para esse mês de abril, das quais, seguramente, não realizamos dez.
Veja, abaixo, a quantidade de audiências designadas para o mês de abril, a maioria das quais não realizei e não realizarei, por absoluta falta de condições de trabalho do meirinho.
01-processo 2052/2003-interrogatório
02-processo 2362006- interrogatório
03-processo 22652005-interrogatório
04-processo 221972005-inquirição
05-processo 158962005-interrogatório
06-processo 108512004-inquirição
07-processo 13802006-interrogatório
08-processo 162172005-inquirição
09-processo 157952005-inquirição
10-processo 6529/2003-inquirição
11-processo 82782005-interrogatório
12-processo 9432006-interrogatório
13-processo 17632006-interrogatório
14-processo 114782005-inquirição
15-processo 63742005-inquirição
16-processo 17552006-interrogatório
17-processo 1372/2006-inquirição
18-processo 238552005-inquirição
19-processo 2132006-interrogatório
20-processo 32202006-interrogatório
21-processo 22942006-interrogatório
22-processo 162172005-inquirição
23-processo 92006- inquirição
24-processo 17132005-inquirição
25-processo 38672006-interrogatório
26-processo 23912004-inquirição
27-processo 175222004 – inquirição
28-processo 781/2005-interrogatório
29-processo 70972004-interrogatório
30-processo 134192004-inquirição
31-processo 142972004-testemunhas
32-processo 141302005-interrogatório
33-processo 238552005-interrogatório
34-processo 15982005-interrogatório
35-processo 157842005-interrogatório
36-processo 172732004-interrogatório
37-processo 107372004-suspensão
38-processo 1678832004-suspensão
39-processo 190542005-interrogatório
40-processo 30822006-interrogatório
41-processo 8112006-inquirição
42-processo 221802005 –inquirição
43-processo 219932004 –inquirição
44-processo 80802005 –inquirição
45-processo 214362005-inquirição
46-processo 28242006-interrogatório
47-processo 17732006-interrogatório
48-processo 92352005-interrogatório
49-processo 196362005-testemunhas
50-processo 91962003-interrogatório
51-processo 7852005-interrogatório
52-processo 13802006-interrogatório
53-processo 19662005-interrogatório
54-processo 9432006-interrogatório
55-processo 126582005-interrogatório
56-processo 204112005-inquirição
57-processo 1912005 – interrogatório
58-processo 145352005-inquirição
59-processo 38672006-interrogatório
60-processo 171322005-inquirição
61-processo 219932004-interrogatório
62-processo 107022005-interrogatório.
Não bastasse apenas um oficial de justiça, não se tem dado condições de trabalho a ele, o qual, não raro, deixa de cumprir os mandados, por falta de transporte, como ocorreu em o caso sob retina.
Essa situação já me obrigou a oficiar, por duas vezes, à Diretoria do Fórum, a qual, por seu Diretor, diferente da Corregedoria, que nada fez, cedeu o veículo daquela diretoria nas duas vezes em que oficiei, o que nos possibilitou realizar algumas audiências.
VI-O NUMERO DE RÉUS PRESOS AGUARDANDO JULGAMENTO. AUDIÊNCIAS QUE SE REALIZAM PELA MANHA E PELA TARDE.
Em outras oportunidades tenho dito que há uma infinidade de processos com réus presos, fruto da minha convicção de que não deva conceder liberdade provisória a réus violentos e/ou violentos.
A mantença de tantos réus presos me compele a realizar – ou, pelo menos, tentar – audiências pela manhã e pela tarde. Nada obstante todo esse esforço, não tenho conseguido levar a bom termo o meu trabalho, por falta de condições materiais.
Diante desse quadro, nada mais natural de que ocorram excessos de prazo. Nada posso fazer, no entanto. Mas não ponho em liberdade quem, desde os meus olhos, não faço por merecer. E o acusado, sob a minha ótica, não pode ver restituída a sua liberdade. Há que se tolerar, na minha avaliação, um pequeno excesso, desde que, claro, não decorra de desídia do juiz condutor do processo.
Estas, Excelência, as informações que presto, em face do writ epigrafado.
Cordialmente,
Juiz José Luiz Oliveira de Almeida
Titular da 7ª Vara Criminal